Leão XIV enviou videomensagem por ocasião da candidatura de um projeto em Lampedusa a Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco por acolhimento aos migrantes
Da Redação, com Vatican News
Não há justiça sem compaixão, nem legitimidade sem ouvir a dor do outro. Palavras do Papa Leão XIV por ocasião da apresentação da candidatura do projeto “Gestos de acolhimento”, de Lampedusa, à lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco. A candidatura, lançada nesta sexta-feira, 12, se deve ao trabalho realizado em prol dos migrantes.
A ilha italiana, um dos epicentros da questão migratória na Europa, costuma aparecer nos noticiários em virtude dos frequentes naufrágios na região. A candidatura, promovida pela associação Perou, faz parte do dossiê de Agrigento Capital Italiana da Cultura 2025 e gira em torno do projeto “Avenir”, um catamarã de 67 metros, projetado para ser o primeiro navio europeu dedicado ao resgate em alto mar.
Gratidão do Papa e da Igreja
Em sua videomensagem enviada para a ocasião, o Pontífice reconhece o forte compromisso, por parte das associações e instituições civis e eclesiais, em oferecer humanidade a quem sobrevive nas travessias da esperança. Também presente a dor comovente por quem não conseguiu e a alegria por quem, salvo para uma nova vida, colocou em prática a caridade recebida.
Leão XIV também faz memória de seu predecessor, o Papa Francisco, que escolheu a ilha como destino de sua primeira viagem apostólica. Recorda ainda o incentivo a ir além das dificuldades, a continuar trabalhando pela justiça contra a globalização da indiferença e da impotência.
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A empatia demonstrada pelo Papa emerge desde a primeira palavra – o’scià (respiração, sopro), expressão típica do dialeto siciliano. O próprio Papa Francisco a usou ao chegar a este pedaço de terra no coração do Mediterrâneo. Uma introdução que permite imediatamente fazer referência ao Espírito Santo, cujos dons, afirma, são abundantes nesta “porta da Europa”, onde se criou uma comunidade que demonstrou uma generosidade emblemática, “um enorme compromisso de acolhimento”.
O Pontífice agradece, em seu nome e de toda a Igreja, a todos os que mostraram e mostram o sorriso e a atenção de um rosto humano às pessoas que sobreviveram em sua desesperada viagem de esperança. “Vocês são um baluarte daquela humanidade que as razões gritadas, os medos atávicos e as medidas injustas tendem a abalar. Não há justiça sem compaixão, não há legitimidade sem ouvir a dor dos outros.”
Reação conjunta
O Pontífice não deixa de recordar as muitas vítimas, “quantas mães e quantas crianças!”, que se afogaram no Mar Mediterrâneo. Lembra aqueles migrantes que estão enterrados na ilha, como sementes para um mundo novo. Recorda também aqueles que, sobreviventes das tragédias do mar, se tornaram, por sua vez, operadores da justiça e da paz. Se o mal, infelizmente, é contagioso, o bem também o é, e ainda mais, afirma o Papa.
“É verdade que, com o passar dos anos, pode surgir o cansaço. Como numa corrida, pode faltar o fôlego. As dificuldades tendem a pôr em causa o que foi feito e, por vezes, até a dividir-nos. É preciso reagir juntos, permanecendo unidos e abrindo-nos novamente ao sopro de Deus. Todo o bem que fizeram pode parecer gotas no mar. Não é assim, é muito mais do que isso!”.
“Globalização da indiferença”
Leão XIV faz sua a denúncia que o Papa Francisco já tinha feito quando criticou a globalização da indiferença, expressão que se tornou recorrente em muitos de seus discursos. Hoje, ressalta o Papa, parece ter se transformado em “globalização da impotência”, permanecer parado, silencioso e triste, vencido pela sensação de que não há nada a fazer.
“A globalização da impotência é filha de uma mentira: que a história sempre foi assim, que a história é escrita pelos vencedores. Então parece que não podemos fazer nada. Mas não é assim: a história é devastada pelos prepotentes, mas é salva pelos humildes, pelos justos, pelos mártires, nos quais o bem resplandece e a autêntica humanidade resiste e se renova.”
Cultura da reconciliação
O Pontífice convida a opor essa tendência de passividade generalizada com uma cultura da reconciliação. “Reconciliar-se é uma maneira particular de se encontrar”. É necessário, explica ainda, curar as feridas, perdoar-se reciprocamente. “Muito medo, muitos preconceitos, grandes muros, mesmo invisíveis”, escreve o Sucessor de Pedro, “existem entre nós e entre os nossos povos, como consequências de uma história ferida”.
Por fim, o Papa expressa o desejo de paz entre os povos e as criaturas. “É preciso consertar o que está quebrado, tratar com delicadeza as memórias que sangram, aproximar-nos uns dos outros com paciência, identificar-nos com a história e a dor dos outros, reconhecer que temos os mesmos sonhos, as mesmas esperanças. Não existem inimigos: existem apenas irmãos e irmãs.”