Francisco falou aos diretores e funcionários do Instituto Nacional de Seguro contra Acidentes de Trabalho (Inail, na sigla em italiano) sobre a “cultura do desperdício”
Da redação, com Vatican News
A dignidade dos trabalhadores nem sempre é protegida, e muitas vezes, em caso de acidente, o fardo “é colocado nos ombros das famílias”, e uma sociedade sem proteção é cada vez “mais escrava da cultura do descarte“. São palavras fortes que o Papa pronunciou na manhã desta quinta-feira, 9 de março, ao receber em audiência na Sala Clementina, no Vaticano, os diretores e funcionários do Instituto Nacional de Seguro contra Acidentes de Trabalho (Inail, na sigla em italiano), para o qual apontou o valor da proteção no local de trabalho. Francisco citou a pandemia, que levou a um aumento “do número de denúncias na Itália, particularmente nos setores da saúde e dos transportes”, e depois também o crescimento dos acidentes de trabalho das mulheres, “para nos lembrar que a proteção plena das mulheres no local de trabalho ainda não foi alcançada”.
E nisto também, permito-me dizer, há um descarte prévio das mulheres, por medo que elas engravidem, uma mulher é menos segura porque ela pode engravidar. Isto é pensado para a admissão e quando ela começa a pegar peso, se se pode mandá-la embora, é melhor. Esta é a mentalidade e devemos lutar contra isso.
Sociedades escravas da cultura do descarte
A atividade do Instituto Nacional de Seguro contra Acidentes de Trabalho é necessária, disse ainda o Pontífice, para evitar acidentes, mas também para acompanhar os feridos e dar apoio às suas famílias, ninguém assim se sente “abandonado a si mesmo, isto é fundamental”.
Sem proteção, a sociedade se torna cada vez mais escrava da cultura do descarte. Ela acaba cedendo à visão utilitária da pessoa, em vez de reconhecer sua dignidade. A terrível lógica que difunde o descarte é resumida na frase: “Vale se produz”. Isso é terrível: vale se produz, se não produzir não vale nada. Assim, somente aqueles que conseguem permanecer na engrenagem da atividade contam, e as vítimas são colocadas de lado, consideradas um peso e confiadas ao bom coração das famílias.
A vida e a saúde não têm preço
Não investir na segurança no local de trabalho é uma das causas do aumento de acidentes, e o Papa nos lembra que a vida e a saúde não têm preço, que não podem ser trocadas por “alguns soldos a mais ou pelo interesse individual de alguém”. A cultura do descarte leva à tendência de culpar as vítimas, acrescentou o Pontífice, e “isto sempre aparece, é uma forma de justificar”, e isto “é um sinal da pobreza humana na qual corremos o risco de fazer declinar as relações, se perdermos a hierarquia correta de valores, que tem a dignidade da pessoa humana no topo”. O convite de Francisco é a refletir “sobre o sentido do trabalho”, e sobre a importância de cuidar da qualidade do trabalho, dos lugares e dos transportes, aspectos fundamentais, “se quisermos promover a centralidade da pessoa; quando o trabalho é degradado, a democracia é empobrecida e os laços sociais são diminuídos”.
É importante garantir que as normas de segurança sejam respeitadas: elas nunca podem ser vistas como um peso ou um fardo desnecessário. Como sempre, só nos damos conta do valor da saúde quando ela vem a faltar.
Seguir o Bom Samaritano
É importante, portanto, fazer uso da tecnologia, que por um lado favorece uma boa solução como o trabalho remoto, mas por outro lado não deve isolar “os trabalhadores, impedindo-os de se sentirem parte de uma comunidade”. Francisco também destacou as consequências negativas da “clara separação entre a vida familiar e os ambientes de trabalho” que “reforçou a ideia de que a família é o lugar do consumo e a empresa o lugar da produção”, arriscando o crescimento da “mentalidade segundo a qual as pessoas valem o que produzem, de modo que fora do mundo produtivo elas perdem valor, identificadas exclusivamente com o dinheiro”.
O compromisso do Instituto Nacional de Seguro contra Acidentes de Trabalho se mostra, portanto, necessário, seguindo o exemplo do Bom Samaritano, para quem precisa de ajuda e corre o risco de ser abandonado, graças a uma ação que põe “em prática os verbos da parábola do Evangelho: ver, ter compaixão, estar perto, enfaixar as feridas, tomar conta”.
Repito: ver, ter compaixão, aproximar-se, enfaixar as feridas, tomar conta. E isto não é um bom negócio, é sempre uma perda… Encorajo-vos a olhar face a face todas as formas de inabilidade que se apresentam. Não só as físicas, mas também as psicológicas, culturais e espirituais. O abandono social tem repercussões na maneira como cada um de nós olha e percebe a nós mesmos.
A indiferença é sinal de uma sociedade desesperada
Ver significa olhar para pessoas que são únicas e não são números, porque “não existe o acidentado”, mas existe alguém que tem um nome e um rosto.
Existe o substantivo, não o adjetivo, um acidentado: não, é uma pessoa que sofreu um acidente. Estamos acostumados a usar demais adjetivos, estamos em uma civilização que caiu um pouco no uso excessivo de adjetivos e corremos o risco de perder a cultura do substantivo. Este não é um acidentado, é uma pessoa que sofreu um acidente, mas é uma pessoa.
A Compaixão, “não é uma coisa estúpida de mulheres, de velhinhas, não: é uma coisa humana muito grande”, é o oposto da indiferença, e “vivemos em uma cultura da indiferença”, porque “compaixão e ternura são atitudes que refletem o estilo de Deus”.
Se nos perguntamos qual é o estilo de Deus, três palavras o indicam: proximidade, Deus está sempre próximo, não se esconde; misericórdia, é misericordioso, tem compaixão e é, portanto, misericordioso; e terceiro, Ele é terno, tem ternura. Proximidade, misericórdia compassiva e ternura. Este é o estilo de Deus e nesse caminho devemos seguir.
A proximidade, é compartilhar a fragilidade, porque assim “as barreiras são abatidas para encontrar um plano comum de comunicação que é a nossa humanidade”. O enfaixar as feridas se expressa dedicando tempo à pessoa acidentada que “mesmo antes de ser resarcida” pede para ser “acolhida, escutada”. Por fim, tomar cuidado, o cuidar “de forma integral” do drama em que se encontram aqueles que são obrigados a deixar o trabalho por causa de um acidente, mas fazendo-o com criatividade e não com “falsa pena”, pois não se trata de “esmola”, mas de “um ato de justiça”.
Deixemo-nos “interpelar pelas feridas” de nosso próximo e sejam traçados caminhos de fraternidade, foram os pedidos de Francisco que, em conclusão, explicou que mesmo antes dos seguros ligados à justiça legal, existe a necessidade de um seguro representado pela solidariedade e pela caridade, e que é “o cuidado com a humanidade em suas diferentes dimensões”, porque, foi a indicação do Santo Padre, “a indiferença é sinal de uma sociedade desesperada e de uma sociedade medíocre. Digo desesperada no sentido de que não tem esperança”.