Durante tradicional entrevista coletiva a jornalistas ao final de sua 46ª Viagem Apostólica, Francisco abordou bombardeio no Líbano e condenou prática do aborto
Da Redação, com Vatican News
O Papa Francisco concedeu a tradicional entrevista coletiva aos jornalistas durante o voo de retorno de sua 46ª Viagem Apostólica neste domingo, 29. Entre outros temas, ele falou sobre o bombardeio no Líbano e reiterou a posição da Igreja contrária ao aborto.
Ao ser questionado sobre como conciliar a defesa da vida ao direito das mulheres a terem uma vida sem sofrimento, o Pontífice retomou o exemplo do rei Balduíno e reiterou que “o aborto é um homicídio”.
Confira as perguntas feitas ao Santo Padre e suas respostas a seguir:
Michael Merten, Luxemburger Wort
Santo Padre, Luxemburgo foi o primeiro país, e muitas pessoas se lembram de sua visita ao Espresso Bar. Gostaria de lhe perguntar quais são suas impressões de Luxemburgo e se houve algo que o surpreendeu.
Obrigado! Aquilo no bar foi uma molecagem. A próxima será na pizzaria. Luxemburgo, realmente, impressionou-me como uma sociedade bem equilibrada, com leis bem ponderadas, e também uma cultura diferente. Isso me impressionou muito, pois eu não a conhecia. A Bélgica, no entanto, eu já conhecia porque estive lá várias vezes. Mas Luxemburgo foi uma surpresa, pelo equilíbrio, pela acolhida, isso me surpreendeu. Acho que talvez a mensagem que Luxemburgo pode dar à Europa seja justamente essa.
Valerie Dupont, TV estatal belga francófona
Santo Padre, obrigada pela sua disponibilidade. Desculpe a voz, mas a chuva me prejudicou um pouco. Suas palavras no túmulo do rei Balduíno causaram certo espanto na Bélgica…
Mas você sabe que o espanto é o início da filosofia, e isso é bom…
Alguns viram isso como uma interferência política na vida democrática da Bélgica. O processo de beatificação do rei está ligado às suas posições. E como podemos conciliar o direito à vida, a defesa da vida e também o direito das mulheres a terem uma vida sem sofrimento?
São todas as vidas. O rei foi corajoso porque, diante de uma lei de morte, ele não assinou e renunciou. É preciso coragem, não é? É preciso um político “com pulso firme” para fazer isso. É preciso coragem. Ele também deu uma mensagem com esse gesto e o fez porque era um santo. Aquele homem é santo e o processo de beatificação continuará, porque me deu provas disso.
As mulheres. As mulheres têm o direito à vida: à sua própria vida e à vida de seus filhos. Não podemos esquecer de dizer isso: o aborto é um homicídio. A ciência diz que, no primeiro mês de concepção, todos os órgãos já estão formados… Assassina-se um ser humano. E os médicos que fazem isso são — permita-me a palavra — sicários. São sicários. E sobre isso não se pode discutir. Assassina-se uma vida humana. E as mulheres têm o direito de proteger a vida. Outra coisa são os métodos anticoncepcionais, isso é outra questão. Não confundam. Estou falando agora apenas sobre o aborto. E sobre isso não há discussão. Desculpe-me, mas é a verdade.
Andrea Vreede, TV belga flamenga e holandesa
Santidade, também durante esta viagem à Bélgica, o senhor teve um longo encontro com um grupo de vítimas de abuso sexual. Frequentemente, em seus relatos, aparecem gritos de desespero sobre a falta de transparência nos procedimentos, portas fechadas, silêncio em relação a eles, lentidão nas ações disciplinares, as coberturas de que o senhor falou hoje, os problemas com as indenizações pelos danos sofridos. No final, as coisas parecem mudar apenas quando conseguem falar diretamente com o senhor. Em Bruxelas, as vítimas também fizeram uma série de pedidos. Como o senhor pretende lidar com esses pedidos? E não seria melhor, talvez, criar um departamento específico no Vaticano, um órgão independente, como alguns bispos pedem, para enfrentar melhor essa praga na Igreja e restaurar a confiança dos fiéis?
Obrigado. O último… Existe um departamento no Vaticano. Há uma estrutura, o presidente agora é um bispo colombiano para os casos de abusos. Há uma Comissão, criada pelo cardeal O’Malley. Isso funciona! E tudo é recebido no Vaticano e discutido. Eu também recebi vítimas de abuso no Vaticano e dou apoio para que avancemos. Isso é o primeiro.
Segundo, eu escutei as vítimas de abuso. Acredito que é um dever. Alguns dizem: as estatísticas mostram que 40-42-46% dos abusos ocorrem na família e no bairro, e apenas 3% na Igreja. Isso não me importa, eu me ocupo dos casos da Igreja! Temos a responsabilidade de ajudar as vítimas e cuidar delas. Algumas precisam de tratamento psicológico, é preciso ajudá-las nisso. Também se fala de uma indenização, pois existe no direito civil. No direito civil, acredito que sejam 50 mil euros na Bélgica, o que é muito baixo. Não é algo que sirva. Acho que esse é o valor, mas não tenho certeza. Mas precisamos cuidar das pessoas abusadas e punir os abusadores, porque o abuso não é um pecado de hoje que talvez não exista amanhã… É uma tendência, é uma doença psiquiátrica, e por isso devemos tratá-los e controlá-los. Não se pode deixar um abusador livre na vida normal, com responsabilidades em paróquias e escolas. Alguns bispos deram empregos, por exemplo, em bibliotecas, a padres que fizeram isso, após o processo e a condenação, mas sem contato com crianças nas escolas, nas paróquias. Mas precisamos avançar com isso. Eu disse aos bispos belgas para não terem medo e seguirem em frente, em frente. A vergonha é encobrir, isso sim é a vergonha.
Courtney Walsh, pool Tv Usa
Muito obrigada pelo seu tempo. Lemos esta manhã que bombas de 900 kg foram usadas para o assassinato seletivo de Nasrallah. Há mais de mil desabrigados, muitos mortos. O senhor acredita que Israel tenha talvez ido além no Líbano e em Gaza? E como se pode resolver isto? Há uma mensagem para aquelas pessoas ali?
Todos os dias eu telefono para a paróquia de Gaza. Estão ali dentro, paróquia e colégio, mais de 600 pessoas e me contam as coisas que acontecem, inclusive as crueldades que acontecem ali. Não entendi bem como aconteceram as coisas que a senhora me disse, mas a defesa sempre deve ser proporcional ao ataque. Quando há algo desproporcional, se vê uma tendência dominadora que vai além da moralidade. Um país que com a força faz essas coisas – falo de qualquer país –, que faz essas coisas num modo assim “superlativo”, são ações imorais. Também na guerra há uma moralidade a preservar. A guerra é imoral, mas as regras de guerra implicam alguma moralidade. Mas quando isso não é feito, se vê o “sangue ruim”, como nós dizemos na Argentina.
Annachiara Valle, Famiglia Cristiana
Obrigada, Santidade. Ontem, depois do encontro na Universidade de Lovaina, foi divulgado um comunicado onde – leio – “a Universidade deplora as posições conservadoras expressas pelo Papa Francisco sobre o papel da mulher na sociedade”. Dizem que é um pouco redutivo falar da mulher só por causa da maternidade, da fecundidade, do cuidado; que, na verdade, isso é um pouco discriminatório porque é um papel que cabe também aos homens. E relacionado a isso, ambas as Universidades lhe colocaram a questão dos ministérios ordenados na Igreja.
Antes de tudo, este comunicado foi feito no momento em que eu falava. Foi pré-redigido e isso não é moral. Sobre a mulher, eu falo sempre da dignidade da mulher e disse uma coisa que não posso dizer dos homens: a Igreja é mulher, é a esposa de Jesus. Masculinizar a Igreja, masculinizar as mulheres não é humano, não é cristão. O feminino tem a própria força. Ou melhor, a mulher – eu sempre digo – é mais importante dos que os homens, porque a Igreja é mulher, a Igreja é esposa de Jesus. Se isso soa conservador para aquelas mulheres, eu sou Carlos Gardel (famoso cantor de tango argentino, ndr.). Não se compreende… Eu vejo que há uma mente obtusa que não quer ouvir falar disto. A mulher é igual ao homem, ou melhor, na vida da Igreja a mulher é superior, porque a Igreja é mulher. Sobre o ministério, é maior o misticismo da mulher do que o ministério. Há um grande teólogo que estudou isso: quem é o maior, o ministério petrino ou o ministério mariano? É maior o ministério mariano, porque é um ministério de unidade que envolve, o outro é um ministério de condução. A maternalidade da Igreja é uma maternalidade de mulher. O ministério é um ministério muito menor, entregue para acompanhar os fiéis, sempre dentro da maternalidade. Vários teólogos estudaram isso e dizer isso é algo real, não digo moderno, mas real. Não é antiquado. Um feminismo exagerado, que quer dizer que a mulher seja masculinizada, não funciona. Uma coisa é o machismo que não funciona, uma coisa é o feminismo que não funciona. O que funciona é a Igreja mulher, que é maior do que o ministério sacerdotal. E, às vezes, não se pensa nisso.
Mas obrigado pela pergunta. E obrigado a todos vocês por esta viagem, pelo trabalho que fizeram. Sinto muito que o tempo seja apertado aqui. Mas obrigado, muito obrigado. Rezo por vocês, vocês rezem por mim. Rezem a favor!
(é dito ao Papa sobre a tragédia das 50 pessoas desaparecidas no mar ao largo das Canárias)
Faz-me mal aquelas pessoas desaparecidas nas Canárias. Hoje, muitos, muitos migrantes que buscam a liberdade se perdem no mar ou próximo ao mar. Lembremos de Crotone, não? A 100 metros… a sua terra (dirigindo-se à jornalista). Pensemos (no que aconteceu) ali. É de chorar isso, de chorar.