Francisco alertou sobre o perigo do bombardeio de possibilidades e da falta de uma reflexão calma por parte de cada um de nós para discernir o que realmente se quer
Catarina Jatobá
Da Redação
Depois do autoconhecimento e da oração, o desejo foi o elemento do discernimento abordado na catequese desta quarta-feira, 12, pelo Papa Francisco, na Praça de São Pedro, no Vaticano. Francisco recordou os mestres espirituais para falar da origem do termo desejo, indicado como uma nostalgia de plenitude que nunca encontra plena realização e o sinal da presença de Deus em nós.
A palavra “desejo” em italiano, explicou o papa, vem de um curioso termo latino: de-sidus, literalmente “a falta da estrela”, para indicar a ausência de um ponto de referência que oriente o caminho da vida e ao mesmo tempo uma tensão para alcançar o bem que nos falta. “O desejo então é a bússola para entender onde estou e para onde vou, na verdade é a bússola para entender se estou parado ou indo. Uma pessoa que nunca deseja é uma pessoa estacionária, talvez doente, quase morta. É a bússola se vou ou se paro”.
Como reconhecer o desejo em nós
O Papa Francisco discorreu em sua catequese algumas orientações sobre como reconhecer o desejo em nós. Primeiramente, um desejo sincero é aquele capaz de tocar profundamente as cordas do nosso ser, por isso não se extingue diante das dificuldades ou contratempos. “É como quando estamos com sede: se não encontramos uma bebida, não desistimos, pelo contrário, a busca ocupa cada vez mais nossos pensamentos e nossas ações, até que nos disponhamos a fazer qualquer sacrifício para poder apaziguá-lo, quase obcecado. Obstáculos e fracassos não sufocam o desejo, não, pelo contrário o tornam ainda mais vivo em nós”.
Diferenciar desejo da emoção do momento
Outro aspecto para reconhecer o desejo é a sua continuidade no tempo, explicou Francisco. “Ao contrário do querer ou da emoção do momento, o desejo perdura no tempo, até mesmo por muito tempo, e tende a se materializar”. O papa deu o exemplo de um jovem que quer tornar-se médico e, para isso, precisa abrir mão de outras opções profissionais e fazer renúncias ao longo da vida acadêmica. “O desejo te faz forte, te faz corajoso, te mantém sempre em frente porque você quer chegar a isso: ‘Eu desejo isso’”.
Francisco recordou as diversas vezes em que Jesus, antes de realizar um milagre, perguntou à pessoa sobre seu desejo: “Você quer ser curado?” A pergunta pode parecer estranha mas – como disse, era um convite de Jesus para esclarecer seu coração.
Assim como ocorreu com os doentes do evangelho, no diálogo com o Senhor, aprendemos a compreender o que realmente queremos de nossa vida. O Santo Padre deu o exemplo do paralítico que há 38 anos aguardava ser curado na piscina de Betesda, para falar das pessoas de vontade fraca – “aquelas pessoas que querem mas não querem” – que dão inúmeras desculpas e justificativas para continuar em sua condição estacionária e vivem choramingando. E alertou que as queixas podem se tornar um veneno para a alma e para a vida, porque impedem o desejo de crescer e seguir em frente.
Cuidado para “não atrofiar o desejo”
O Papa explicou que muitas vezes o desejo é o que que faz a diferença entre um projeto bem sucedido, coerente e duradouro, e as mil ambições e as muitas boas intenções de que, como dizem, “o inferno está cheio”. ‘”Sim, eu gostaria, eu gostaria , eu gostaria … “mas você não faz nada. A época em que vivemos parece favorecer a máxima liberdade de escolha, mas ao mesmo tempo atrofia o desejo – querer satisfazer-se continuamente – principalmente reduzido ao desejo do momento. E devemos ter cuidado para não atrofiar o desejo”.
“Muitos sofrem porque não sabem o que querem da vida”
Francisco alertou para o risco da distração em meio ao bombardeio de propostas, projetos, possibilidades, que podem impedir uma avaliação calma do que realmente se quer. “Muitas pessoas sofrem porque não sabem o que querem da vida; eles provavelmente nunca entraram em contato com seu desejo profundo, nunca souberam: ‘O que você quer da sua vida?’ – ‘Não sei’. Daí o risco de passar a vida entre tentativas e expedientes de vários tipos, não chegar a lugar nenhum e desperdiçar oportunidades preciosas. E assim algumas mudanças, mesmo se desejadas em teoria, nunca são implementadas quando surge a oportunidade, não há uma forte vontade de continuar algo”.
O grande desejo de Deus para nós
O Papa finalizou com uma provocação. “Se o Senhor nos dirigisse hoje, por exemplo, a qualquer um de nós, a pergunta que fez ao cego de Jericó: “O que queres que eu faça por ti?” (Mc 10,51) – pensemos que o Senhor de cada um de nós hoje pergunta: “o que queres que eu faça por ti?” -, o que responderíamos?” Disse que talvez pudéssemos finalmente pedir-lhe que nos ajudasse a conhecer o profundo desejo por Ele, que o próprio Deus colocou em nossos corações. E concluiu lembrando o grande desejo de Deus para todos nós: “fazer-nos participantes da sua plenitude de vida”.