Sacerdote jesuíta maltês fala sobre o adiamento da viagem do Papa Francisco para Malta e da situação da ilha nesta pandemia de coronavírus
Da redação, com Vatican News
Em março deste ano, o Vaticano anunciou o adiamento da Viagem Apostólica do Papa Francisco para Malta – visita estava marcada para o dia 31 de maio. O logotipo da visita recordava a chegada do apóstolo Paulo na ilha com os náufragos e, principalmente, a acolhida dos malteses e sua profunda humanidade. O lema da viagem, que deveria ser realizada em 31 de maio, era: “Trataram-nos com extraordinária humanidade” (At 28, 2). No logotipo via-se as mãos dirigidas à Cruz, provenientes de um barco à deriva das ondas. As mãos como sinal de acolhida do cristão para com o próximo e a assistência aos que estão em dificuldade, abandonados ao seu destino. O barco para recordar a dramática narração do naufrágio do apóstolo Paulo na ilha de Malta e a acolhida oferecida pelos malteses e ele e aos náufragos.
Padre Olive Borg, jesuíta, que foi missionário por 45 anos no Oriente Médio e voltou à sua terra natal, comenta sobre a situação da ilha que também enfrenta a pandemia de coronavírus. O sacerdote revela a desilusão do povo por conta do cancelamento da viagem do Papa, o Serviço Jesuíta de Refugiados existente no país e a forte devoção mariana dos malteses. Confira:
Hoje, qual é o estado de ânimo da população?
Padre Olive Borg: Há uma certa desilusão. Todos esperavam o Papa com muito entusiasmo, com muito prazer. Sabiam que uma das razões da sua visita era para falar da situação dos refugiados, dos muitos que morrem no mar tentando chegar à Europa. Nós do Jesuit Refugee Service esperávamos falar sobre isso e fazer com que a população se conscientizasse mais sobre a situação. Estamos atravessando um momento histórico porque aqui o governo teme a chegada de migrantes. Mas não podemos esquecer que depois da guerra, assim como aconteceu com os italianos, todos nós éramos emigrantes. Havia uma grande emigração para o Canadá, Austrália, Inglaterra, Estados Unidos. Todos nos acolhiam. Às vezes nos tratavam com pouca gentileza, é verdade, me recordo, quando se falava de malteses, nos etiquetavam também como máfia house.
Agora como está sendo feito o trabalho do Serviço Jesuíta de Refugiados?
Padre Borg: Com muita dificuldade também do ponto de vista financeiro. Os nossos Centros estão lotados. Antes eles podiam pelo menos sair para trabalhar, agora, estão sem trabalho. Temos que doar os alimentos, ajudá-los nos tratamentos de saúde e no alojamento. Um grande problema.
Como vocês estão vivendo este tempo de epidemia?
Padre Borg: Mais ou menos como todos, com preocupação. Perguntamo-nos como será a nova “normalidade”. Mas nos preocupamos principalmente pelos novos pobres que estão surgindo. Mas ao mesmo tempo o apelo da Igreja para sermos criativos, para encontrar novas maneiras de estar mais próximos do povo nos estimula. Creio que as pessoas estejam apreciando, talvez descobrindo uma Igreja mais próxima. O Papa repete isso com frequência. É verdade que estamos todos no mesmo barco, creio que seja uma ocasião propícia para todos. Vejo que aqui muita gente segue a missa do Papa na Santa Marta. Talvez tenha mais pessoas que seguem a missa. E este é um novo apostolado. Nós também tivemos que fechar a nossa casa de Exercícios Espirituais aos hóspedes, mas isso não impede de oferecer-lhes oportunidade de oração pela internet. Eu por exemplo, fiz Exercícios para os professores. Faço acompanhamento espiritual pela Skype, nunca tinha pensado que faria isso.
O que transparece dos compartilhamentos espirituais?
Padre Borg: As pessoas precisam encontrar respostas, ao menos buscá-las, para esta situação, para essa ânsia, para este medo. Mesmo se não chega uma resposta clara, nomear os medos já é alguma coisa e os compartilhamentos são muito importantes. Compartilhando descobre-se novos caminhos de solidariedade. É o lado positivo desta crise. É belo ver os jovens, por exemplo, que como voluntários levam alimentos para os idosos. Destinamos uma ala da nossa casa, pois somos apenas quatro jesuítas, aos que trabalham nos asilos de idosos, aos profissionais da saúde e assistência social. Para eles, é muito arriscado voltarem às suas casas. Por isso oferecemos trinta lugares para poderem alojar. É uma bela experiência porque nem todos são cristãos, e são de várias nacionalidades. Filipinos, paquistaneses… no domingo passado rezamos todos juntos.
Está iniciando o mês mariano. A devoção a Maria é forte em Malta?
Padre Borg: Muito. Quando eu era criança recordo-me que durante o mês de maio rezávamos o Terço em frente às casas e se difundia com alto-falantes. Sei que nestes últimos dias a televisão transmite a oração do Terço, muita gente está voltando a esta forma de oração. É Maria que pode nos ajudar a enfrentar esta situação difícil: ela também esteve no exílio, ela também viu seu Filho morrer. Podemos aprender muito com Maria, contemplando Ela e seu Filho através dos mistérios da salvação.