Em discurso ao Tribunal da Rota Romana, Papa questionou: “o que será dos filhos e da parte que não aceita a declaração de nulidade?”
Da Redação, com Boletim da Santa Sé
A nulidade matrimonial analisada na perspectiva dos filhos. Esse foi, em resumo, o ponto central do discurso do Papa Francisco nesta sexta-feira, 29, ao Tribunal da Rota Romana. Os membros foram recebidos em audiência por ocasião do início do Ano Judiciário.
Francisco abordou a preocupação com os filhos uma vez legalmente declarada a nulidade de um matrimônio: “o que será dos filhos e da parte que não aceita a declaração de nulidade?”.
O Papa mencionou seu discurso do ano passado nessa mesma ocasião. Na época, pontuou a falta de fé, que não ilumina a união conjugal como deveria, e os aspectos fundamentais dessa união, que incluem os filhos. Ambos os aspectos, lembrou o Papa, tocam boa parte das decisões do Tribunal atualmente.
Quando se fala do bem integral das pessoas, o Papa ressaltou que as escolhas diante dessa transição irão afetar diretamente as crianças.
“A nova união sacramental, que se segue à declaração de nulidade, será certamente uma fonte de paz para o cônjuge que a pediu. Entretanto, como explicar aos filhos que – por exemplo – a sua mãe, abandonada pelo pai e muitas vezes não disposta a estabelecer um outro vínculo matrimonial, recebe a Eucaristia dominical com eles, enquanto o pai, convivente ou aguardando a declaração de nulidade do matrimônio, não pode participar da mesa eucarística?”.
Dois Sínodos e a Amoris laetitia
Francisco pontuou que o assunto já foi alvo de discussão em dois Sínodos dos Bispos, o de 2014 e o de 2015. Os bispos reconheceram que é uma situação difícil, às vezes impossível, para oferecer respostas.
Todavia, o Papa recordou a exortação apostólica Amoris laetitia. Trata-se de um instrumento útil que traz a preocupação dos padres sinodais e a solicitude materna da Igreja diante de tanto sofrimento. O documento traz claras indicações para que ninguém, sobretudo os pequenos e os que sofrem, seja deixado sozinho ou tratado como meio de pressão entre os pais divididos.
“Como vocês sabem, no próximo dia 19 de março terá início o Ano da Família Amoris laetitia. Também vocês, com seu trabalho, dão uma preciosa contribuição a este caminho eclesial com as famílias para as famílias”, ressaltou o Papa aos membros do Tribunal.
Aos juízes, sentido pastoral
O Papa pediu aos juízes que exercitem a missão como um serviço carregado de sentido pastoral. O pedido se aplica, sobretudo, quando se trata de uma delicada situação sobre nulidade ou não de uma união conjugal. Pensando no bem integral da pessoa, é preciso considerar os efeitos de uma decisão sobre nulidade matrimonial, pontuou.
Francisco mencionou ainda o pedido de que os procedimentos para reconhecimento de nulidade sejam mais acessíveis e ágeis, se possível, completamente gratuitos. “A Igreja é mãe, e vocês, que têm um ministério eclesial numa área tão vital como a atividade judiciária, são chamados a se abrir aos horizontes desta difícil pastoral, mas não impossível, que diz respeito à preocupação com os filhos, como vítimas inocentes de tantas situações de ruptura, divórcio ou de novas uniões civis”.
Discernimento e sensibilidade
O Santo Padre destacou ainda que, muitas vezes, a declaração de nulidade é pensada como um ato frio, de mera decisão jurídica. Mas não é assim. Ele frisou que as sentenças do juiz eclesiástico não podem prescindir da memória que marcou uma vida, não só do casal, mas também dos filhos.
“O Espírito Santo, que vocês invocam antes de cada decisão a tomar sobre a verdade do matrimônio, vos ilumine a não esquecer os efeitos de tais atos: antes de tudo, o bem dos filhos, a sua paz ou, ao contrário, a perda da alegria diante da separação”.
Cuidado e acompanhamento
Aproveitando a ocasião, o Papa exortou os bispos a se abrirem sempre mais ao desafio ligado a esta temática. E destacou a necessidade de cuidado e acompanhamento do cônjuge abandonado e eventualmente dos filhos. São pessoas que sofrem com as decisões da nulidade matrimonial, por mais justas e legítimas que sejam.
Ao final do discurso, o Papa mencionou o decano do Tribunal, Dom Pio Vinto Pinto. Em poucos meses, ele deixará o cargo por completar 80 anos. O Santo Padre deixou seu agradecimento pelo trabalho realizado.
Francisco destacou a tenacidade de Dom Pio em levar adiante a reforma dos processos matrimoniais. Nisso está incluso o processo breve, que teve e tem resistências. “Confesso-lhes: depois desta promulgação, recebi cartas, muitas, não sei quantas, mas muitas”, contou o Papa.
No processo breve, segundo as determinações do Papa, a decisão sobre uma eventual nulidade é confiada ao bispo diocesano.
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