Francisco pediu mudanças estruturais na sociedade e perdão pelos erros cometidos pela Igreja no passado.
Rogéria Nair
Da Redação
O Papa Francisco fez um marcante discurso durante o encerramento do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, realizado nesta quinta-feira, 9, em Santa Cruz de La Sierra. Num gesto histórico, e recordando o seu antecessor João Paulo II, o Pontífice pediu também que a Igreja “se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos”.
Aplaudido de pé em vários momentos do seu discurso, Francisco exortou os Movimentos Populares a provocarem uma “mudança real, uma mudança de estruturas” e teceu várias vezes crítica ao que chamou de “sistema insuportável” que idolatra o dinheiro, “esterco do diabo” [citando Basílio de Cesaréia], e exclui cada vez mais pessoas e aumenta o número das minorias.
Esclareceu que os problemas latino-americanos e, em geral, de toda a humanidade, têm raiz global e, recordou que atualmente nenhum Estado pode resolvê-los por si mesmo. Feito este esclarecimento, apresentou duas perguntas a respeito das mudanças necessárias no cenário mundial:
“- Reconhecemos nós que as coisas não andam bem num mundo onde há tantos camponeses sem terra, tantas famílias sem teto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na sua dignidade?
– Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando explodem tantas guerras sem sentido e a violência fratricida se apodera até dos nossos bairros? Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando o solo, a água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça constante?”
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Aos excluídos, marginalizados e mais pobres da sociedade pediu que não se acanhem, afirmando que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos deles, na capacidade de se organizarem e promover alternativas criativas na busca diária dos “3 T” (trabalho, teto, terra). “Vós sois semeadores de mudança”, afirmou Francisco.
O Santo Padre, no entanto, destacou que é ilusão pensar que as mudanças virão por causa de opções políticas ou por causa de estruturas sociais impostas, pois “Uma mudança de estruturas que não seja acompanhada por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir”, disse.
Ao salientar que nem o Papa nem a Igreja têm o monopólio da interpretação da realidade social e da proposta de soluções para os problemas contemporâneos, nem receita para fazer isso, ele propôs três tarefas para melhorar a vida de todos: pôr a economia a serviço dos povos, unir os nossos povos no caminho da paz e da justiça e defender a Mãe Terra.
Referindo-se à economia, pediu que dissessem “não” à economia de exclusão e desigualdade, pois onde o dinheiro reina, em vez de servir, este tipo de economia mata. Acrescentou que já seria um grande passo para a economia garantir acesso aos “3 T” [trabalho, teto e terra], porém, não só a isso, como também o acesso à educação, à saúde, à inovação, às manifestações artísticas e culturais, à comunicação, ao desporto e à recreação.
Segundo o Sucessor de Pedro, uma economia justa deve criar as condições para que cada pessoa possa gozar duma infância sem privações, desenvolver os seus talentos durante a juventude, trabalhar com plenos direitos durante os anos de atividade e ter acesso a uma digna aposentadoria na velhice. “Esta economia é não apenas desejável e necessária, mas também possível. Não é uma utopia, nem uma fantasia”, declarou.
E lembrou que, para os cristãos, o encargo de uma justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano é um mandamento, que, segundo ele, trata-se de devolver aos pobres e às pessoas o que lhes pertence, o que não é mera filantropia para ninguém. Sobre a economia concluiu afirmando que, para construir o bem comum numa democracia plena e participativa, é necessário que o Estado e organizações sociais assumam, em conjunto, a missão dos “3 T”, os quais ativam os princípios de solidariedade e subsidiariedade.
Ao abordar a segunda proposta, que é unir povos no caminho da paz e da justiça, partiu do pressuposto de que: “A paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no respeito pelo direito dos povos, sobretudo o direito à independência”.
O Papa latino-americano pediu aos movimentos populares que cuidem e façam crescer a unidade entre os povos e governos da região, de modo a desenvolver o que seus antepassados chamavam “Pátria Grande”.
E denunciou que o novo colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes, é o poder anônimo do ídolo dinheiro: corporações, credores, alguns tratados denominados “de livre comércio” e a imposição de medidas de “austeridade” que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres. “Digamos ‘não’ às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos ‘sim’ ao encontro entre povos e culturas. Bem-aventurados os que trabalham pela paz”, exortou.
Recordou o “horror”, como no Médio Oriente e noutros lugares do mundo em que se persegue, tortura, assassina a muitos irmãos nossos pela sua fé em Jesus. “Isso também devemos denunciá-lo: dentro desta terceira guerra mundial em parcelas que vivemos, há uma espécie de genocídio em curso que deve cessar”.
O Sumo Pontífice concluiu seu discurso recordando que o futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança.