Jéssica Marçal escreveu ao Pontífice contando sobre seu filho, diagnosticado com síndrome no coração; resposta do Santo Padre chegou esta semana, um mês após o falecimento do bebê
Julia Beck
Da redação
Um carinho em forma de carta. Foi assim que a jornalista brasileira Jéssica Marçal recebeu a mensagem do Papa Francisco no início desta semana. O texto do Santo Padre (assinado pelo assessor para a Secretaria de Estado do Vaticano, Monsenhor Roberto Campisi) foi uma resposta a uma correspondência enviada pela jornalista em abril passado.
Em 28 de janeiro deste ano, Jéssica deu à luz ao seu segundo filho, Francisco (ela também é mãe da Clara, de 5 anos). O pequeno recebeu esse nome em homenagem a São Francisco de Assis e ao Papa Francisco – muito admirados pela jornalista. “Eu sabia que seriam dois grandes exemplos para o meu menino. Um santo, que entregou a sua vida a Deus, e um Papa, que também entregou a sua vida a Deus, através do seu pontificado”, comenta.
A partir do dia de seu nascimento, Francisco iniciou uma luta pela vida sob o olhar e as orações de sua mãe e familiares. “Uma das coisas que eu contei para o Papa foi a grande tribulação que eu estava vivendo com o meu bebezinho de apenas dois meses, numa realidade de UTI. Inclusive, escrevi a carta lá, ao lado dele, no hospital. Pedi ao Papa que rezasse pelo meu pequeno Francisco e por toda a nossa família. Foi um momento muito difícil para todos”.
Depois de aproximadamente cinco meses, uma cirurgia de peito aberto (Norwood sano) e várias complicações pós-operatórias, o pequeno não resistiu e veio a óbito. Agora, mais de um mês após a partida de Francisco, a jornalista recebeu o encorajamento do Santo Padre.
“Recebo essa carta do Papa, com palavras de força, de oração, de confiança em Deus, mesmo em meio às tribulações da vida. (…) Eu acolho essa carta como um verdadeiro carinho de Deus na minha vida, em um momento que ainda é de tribulação, em que eu estou aprendendo a viver sem o meu menino”, pontua.
Ao final do texto, o Pontífice deixou sua bênção apostólica à família de Jéssica: ela, seu esposo Tiago, Clara e o pequeno Francisco.
Motivação para escrever
Como jornalista católica, Jéssica frisa que acompanha o Papa Francisco desde que ele foi eleito em 2013. Segundo ela, uma das coisas que sempre admirou no Santo Padre, entre tantas, é a proximidade dele com os fiéis. Ela cita as muitas correspondências respondidas pelo Pontífice e o desejo que tinha de, um dia, mandar uma carta para ele contando a sua história.
Após o nascimento de seu filho Francisco, a jornalista comentou que seu esposo a incentivou a enviar uma correspondência ao Santo Padre. Foi quando “veio muito forte no meu coração que, de fato, eu poderia falar ao Papa, até como quem fala a um amigo”, revela.
A fé em meio à tribulação
“Nessa experiência que eu vivi, a fé foi tudo. A fé foi alimento, a fé foi sustento, a fé foi companhia, porque a fé me levou para mais perto de Deus através da oração, me fez provar de uma intimidade com Deus como nunca antes”, relata Jéssica.
A jornalista reforça que acreditar que Deus estava com ela e com seu filho foi tudo. “E eu falava isso para ele, eu dizia que nós não estávamos sozinhos, e eu sabia que ele entendia de alguma forma, porque eu via os olhinhos brilharem, eu via o sorriso aparecer, mesmo em meio à dor, em meio a tanto sofrimento”.
“Sem esperança, numa realidade de UTI, eu não tinha nada”, assinala Jéssica. A mãe de Francisco destaca que tinha seu filho e um diagnóstico, sendo assim, ela não conseguiria transpor o sofrimento se não tivesse fé em algo maior, que é Deus, e a vida eterna.
Ter uma vida de oração e ter fé não livra do sofrimento, opina a jornalista. Ela acredita que, a partir da fé, é possível fazer uma outra leitura do sofrimento, com consciência de que ele vai chegar ao fim. Jéssica afirma que, com fé, ela sabia que se a realidade vivida por Francisco não tivesse o desfecho esperado, que era a cura, o milagre; ainda sim seria bom, pois o pequeno estaria junto de Deus.
Encorajamento para os que sofrem
Diante da proximidade da partida de Francisco, Jéssica recorda que falou a ele: “Filho, Jesus venceu a morte, então a morte não é o fim”. Ela sublinha que, com certeza, gostaria que seu filho tivesse vivido e estivesse junto dela, mas acredita que ele vive no seu coração e na vida eterna.
Assim que seu filho faleceu, a jornalista conta que, ao se despedir dos outros pais que estavam com ela na UTI, disse: “Não desanimem na caminhada de vocês. (…) Os nossos filhos têm duas casas esperando por eles. Eles têm ou a nossa casa, que é no caso de, com a graça de Deus, eles alcançarem um milagre, terem uma melhora e poderem ir para casa. Ou se eles partirem desta vida, têm a casa do Pai lá em cima, esperando por eles. E uma ou outra, com certeza, vai ser muito boa. Vai ter muito amor, vai ter muita vida, vai ter muita paz”.
Síndrome da Hipoplasia
Com 19 semanas de gestação, após a realização de um ecocardiograma fetal, o bebê de Jéssica foi diagnosticado com a Síndrome da Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHCE), popularmente chamada de síndrome do “meio coração”.
Nessa cardiopatia, o lado esquerdo do coração não se desenvolve adequadamente, o que demanda uma série de três cirurgias – paliativas – para que o lado direito do coração possa se encarregar de todo o trabalho. O diagnóstico foi precoce e, de acordo com a jornalista, fez toda a diferença. “Ainda grávida, passei a fazer os acompanhamentos necessários para que Francisco tivesse o tratamento adequado desde o nascimento”.
Passarinho que foi ganhar o céu
Em um texto presente em suas redes sociais, Jéssica se refere a Francisco como “um passarinho que voou do ninho e foi ganhar seu céu”. A jornalista salienta a serenidade e a paz com que seu filho partiu e os meses de luta pela vida.
Francisco alcançou muitos milagres, escreveu Jéssica. “Tive a graça de te acompanhar de pertinho na sua jornada. Dormir e acordar ao seu lado. Segurar na sua mão durante os procedimentos. Cantar e te acariciar nas suas várias sessões de hemodiálise para que você se sentisse mais confortável. Vivemos, filho, tudo o que tínhamos para viver”.
Por fim, ela recorda: “Deus veio te buscar e te deu um céu gigante, do tamanho da sua força. O coração da mamãe está triste por não te ter, mas feliz em te ver se libertar do ninho que te dava vida, mas com sofrimento. Um sofrimento que não foi em vão, pois tenho certeza que algum bem Deus tirou de tudo isso, uma forma de agir que nossa mente humana não tem capacidade de compreender. Agora você tem o céu, livre pra voar sem dor”.