Entrevista

"Voz do Papa" no Brasil, Silvonei José comenta os 10 anos de Francisco

Silvonei José concedeu entrevista ao site de notícias da Canção Nova sobre os 10 anos de pontificado do Papa Francisco

Kelen Galvan
Da Redação

Conhecido como a voz do Papa no Brasil, Silvonei José Protz, da Rádio Vaticano e Portal Vatican News em português, acompanhou o Pontificado do Papa Francisco desde o início. Em entrevista exclusiva ao noticias.cancaonova.com, ele fala sobre características que marcam estes dez anos de papado. Silvonei é jornalista, doutor em Comunicação e professor universitário. 

Confira abaixo:

Silvonei José / Foto: Arquivo Pessoal

1) Desde o início do Pontificado de Francisco, ele demonstrou uma grande abertura para o diálogo, de forma especial com a imprensa. O que o senhor destaca de marcante nessa abertura do Papa?

Comunicar com martírio, comunicar com o testemunho. Comunicar com os substantivos e não com os adjetivos, como sugere a cultura de hoje, que leva a não considerar mais a pessoa na sua realidade, mas colocar etiquetas nessas pessoas.

Quando ele se encontrou com os membros do nosso dicastério – Dicastério para a Comunicação-, reunidos também numa plenária. Francisco explicou como desenvolver esse nosso serviço de comunicadores e também, ao mesmo tempo, dos comunicadores em todo o mundo. O Papa recorda, antes de tudo, a tarefa que é comunicar aquilo que é verdadeiro, correto, justo, bom, belo, bonito. Se comunica com a alma, com o corpo, com a mente, com o coração, com as mãos, se comunica com tudo, disse Francisco. E nosso olhar é para o verdadeiro comunicador, que dá tudo de si. Não se poupa em nada. Este é um verdadeiro comunicador.

Neste sentido, a comunicação se torna amor, porque exprime toda sua beleza, toda sua plenitude. Uma das coisas que deve-se fazer é “ser aquele que vai e leva a mensagem”.

Quantas vezes ele falou a nós, comunicadores, de sair, gastas as solas dos sapatos e ir ao encontro das pessoas. Então, a síntese é essa: gastar a sola dos sapatos, a nossa mente, nosso intelecto, nossos dedos, a nossa inteligência para comunicar aquilo que é verdade e aquilo que é beleza.

2) A abertura ao diálogo se expressa de forma bem concreta nas viagens apostólicas. Francisco já visitou lugares periféricos, com culturas diferentes, outras tradições cristãs e mesmo não cristãs. O que poderia comentar sobre essas escolhas e sobre como o Papa dialoga com essas diferentes realidades?

O Papa Francisco quando decide viajar, ou já decidiu, desde o início, vem um pouco também um paradoxo. Uma das primeiras afirmações que ele disse aos jornalistas era que ele não iria viajar muito. E já são mais de 40 viagens apostólicas internacionais nestes dez anos. Ele vai para confirmar os irmãos na fé. Mas, acima de tudo, o Papa vai para aquelas periferias, como ele diz, esquecidas.

Às vezes contestam ele, porque ele não vai em alguns países importantes visitar, inclusive rebanhos importantes, e ele vai para realidades pequenas, como vai para a Hungria, para a Mongólia, esteve recentemente, na República Democrática do Congo, no Sudão. Ele vai para as periferias. Dá o exemplo.

O Papa, quando olha esta realidade, vai para as periferias para trazer essas periferias para o centro

Por exemplo, nesta viagem que ele fez à República Democrática do Congo e ao Sudão, mais uma vez levou na bagagem a palavra reconciliação, a palavra perdão. Pediu o fim de conflitos, de violências. Leva o Senhor Ressuscitado para essas pessoas martirizadas por conflitos internos, por pessoas que tanto, tanto sofreram.

O Papa, quando olha esta realidade, vai para as periferias para trazer essas periferias para o centro. Para que todos entendam que a mensagem de Jesus Cristo, do Evangelho, tem que ser divulgada em todos os quadrantes do nosso planeta e também naquelas realidades muito difíceis.

É uma realidade que nosso Papa Francisco – também recordamos João Paulo II como entendeu o quanto era importante, fez mais de cem viagens internacionais – de ir ao encontro deste rebanho sedento de fé. E hoje temos também rebanhos perseguidos. Francisco, seguindo na esteira dos seus predecessores, vai também confirmá-los. A importância dessas viagens internacionais é exatamente isso: levar o Evangelho a todas as criaturas e confirmá-los no amor de Jesus.

3) No seu trabalho enquanto comunicador, o senhor acompanhou de perto o Pontificado de vários Pontífices. Qual a marca deixada por cada um?

Papa Francisco é o meu terceiro Papa. Quando cheguei a Rádio Vaticano era João Paulo II, com quem trabalhei 16 anos. Cada um dos Papas, João Paulo II, Bento XVI e Francisco tem um carisma próprio, uma identificação pastoral muito forte.

O nosso Papa João Paulo II abriu a Igreja, vamos dizer assim, com suas viagens internacionais. Mas, acima de tudo, eu diria que um grande legado para mim foi que ele nos ensinou a rezar. A dimensão da oração, de quanto é importante a oração na nossa vida. Ele não fazia nada sem antes ter “uma conversa” com o nosso Deus. Ele se entregava. E isso fazia com que a gente também “se transportasse”. Então joelhos dobrados para conversar com o Pai. Eu creio que um dos legados de João Paulo II é precisamente o valor da oração. Do quanto nós precisamos desse oxigênio que é a oração.

Quanto é importante encontrar o outro. Isso fala de uma Igreja em saída, encontrar o outro, os últimos, aqueles que sofrem, os pobres, os deserdados. Então é essa pedagogia que hoje estamos vivendo com nosso Papa Francisco.

Vem Bento XVI , claro a oração é sempre o elemento importante, mas Bento XVI “cutucou”, nos chamou a atenção para nossa pertença à Igreja. Não basta ser católico, ou dizer ser católico e depois você não vive, não testemunha. E a gente vê isso hoje também na nossa realidade de Igreja. Bento XVI pedia exatamente isso, a nossa pertença. Viver essa pertença como católicos, através da nossa cotidianidade, do nosso testemunho, seja em casa, no trabalho ou na sociedade.

Depois vem o nosso querido Papa Francisco, que nos reintroduz naquele amor misericordioso de Deus, através dos seus gestos, muito mais do que palavras. O outro existe, ele precisa que eu o reconheça e ele vai me reconhecer. Então, já nas primeiras palavras, no primeiro Angelus, o Papa falava do Deus misericordioso. Não é que reaprendemos o que é misericórdia, mas ele nos pede para agirmos como misericórdia. E junto com isso, o sentido do perdão. Quanto é importante.

E daí traz tudo para nós, o perdão, a misericórdia, o diálogo. A pedagogia do encontro. Quanto é importante encontrar o outro. Isso fala de uma Igreja em saída, encontrar o outro, os últimos, aqueles que sofrem, os pobres, os deserdados. Então é essa pedagogia que hoje estamos vivendo com nosso Papa Francisco. E ele demostra isso muito mais com gestos do que com palavras, que são palavras benditas, mas suas ações transformam. Ele toca o coração das pessoas, fazendo com que as pessoas parem, reflitam e, quem sabe, mudem de vida.

4) Nestes dez anos do Papa Francisco, há algum episódio ou discurso que te marcou de forma pessoal?

Um dos episódios mais intensos que nós vivemos foi aquele 27 de março, quando em plena pandemia, o Papa Francisco, numa praça São Pedro vazia, com chuva, sobe a rampa de acesso à grande Basílica quase com a dor e o sofrimento de toda a humanidade nas costas. E ali o mundo para para rezar com ele, pedir ao Deus da criação que detenha essa pandemia, que tanto sofrimento, tanta morte e tanta dor causou no mundo inteiro. E continua a causar ainda.

Aquela subida na rampa até a imagem de Nossa Senhora Salus Populi Romani, até o crucifixo de São Marcelo, como se diz milagroso, o crucifixo que o Papa abraça pedindo ao Senhor da vida que nos poupe de tanta dor e tanto sofrimento.

Um dos episódios mais intensos que nós vivemos foi aquele 27 de março, quando em plena pandemia, o Papa Francisco, numa praça São Pedro vazia, com chuva, sobe a rampa de acesso à grande Basílica quase com a dor e o sofrimento de toda a humanidade nas costas.

Creio que foi um dos momentos mais intensos, porque ali não eram simplesmente católicos ou cristãos que estavam rezando, cada um do seu modo, mas era o mundo inteiro que pedia ao Senhor da Vida, ao Criador, para poupar a humanidade dessa atroz pandemia.

Creio que foi um dos momentos mais intensos que vivemos, pelo momento, mas também pela intensidade que Francisco deu aquele momento com a Benção Eucarística Urbi Et Orbi. O quanto nos pede Francisco para nos determos diante do Senhor em Adoração. E ali o mundo inteiro se deteve em Adoração pedindo o fim da pandemia.

5) Diante do cenário mundial, como essa abertura do Papa ao diálogo pode impactar e ajudar na resolução de conflitos?

Os dez anos do pontificado de Francisco cai em uma hora sombria da história, marcada pelo conflito na Ucrânia, mas também por tantos outros conflitos. “Uma terceira guerra mundial em pedaços”, como disse tantas vezes Papa Francisco.

Do dia 13 de março de 2013 até hoje, Jorge Mario Bergoglio tem trabalhado constantemente em favor da paz, da reconciliação entre os povos, levando a esperança do Evangelho, como dissemos antes, para as periferias do mundo.

E é loucura desta guerra, que se desencadeou entre a Rússia e a Ucrânia em 24 de fevereiro do ano passado, que infelizmente conota e marca esse aniversário de pontificado de Francisco. “A guerra é loucura”, disse ele tantas vezes, em tantos momentos.

À loucura da guerra, Francisco nos convida a responder sempre com a loucura do amor.

E essa loucura que estamos vivendo nas guerras em pedaços dói muito no coração do nosso Papa. A gente vê quando ele recorda as crianças, quando ele recorda a dor das mães que perdem seus filhos. Como é difícil para o Papa. Repetidamente, nos últimos tempos, ele fala dessa guerra de loucura, deplorando o fluxo de rios de sangue e lágrimas, pedindo a abertura de verdadeiros corredores humanitários, pedindo ajuda para aqueles que são oprimidos pelas bombas e pelo medo.

Mas, à loucura da guerra, Francisco nos convida a responder sempre com a loucura do amor. Esse “amor evangélico” como sempre diz Francisco. Um amor evangélico que enche o coração e toda a vida daqueles que encontram Jesus.

A marca estilística, se podemos dizer, também do nosso Papa Francisco e do seu Pontificado é precisamente isso: levar a esperança da Boa Nova até os confins do mundo, para que seu anúncio possa chegar a todos, libertando-os do pecado, dando-lhes alegria de Cristo. O Papa Francisco sempre nos recorda a pedagogia do encontro, do diálogo, você precisa olhar no rosto para construir uma humanidade de paz.

Diálogo é a palavra que hoje estamos necessitados nesta nossa sociedade em guerra. Francisco pede diálogo para construir uma verdadeira paz.

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