Viagem do Papa Francisco à Tailândia e ao Japão
Encontro com os bispos da Tailândia e da Federação das Conferências dos Bispos da Ásia (FABC)
Santuário do beato Nicolau Bunkerd Kitbamrung
Sexta-feira, 22 de novembro de 2019
Boletim da Santa Sé
Agradeço a Sua Eminência, o Cardeal Francis Xavier Kriengsak Kovithavanij, as suas amáveis palavras de introdução e boas-vindas. Sinto-me feliz por estar convosco e partilhar, embora brevemente, as vossas alegrias e esperanças, as vossas iniciativas e sonhos, e também os desafios que enfrentais como pastores do santo povo fiel de Deus. Obrigado pela vossa receção fraterna.
O nosso encontro de hoje tem lugar no Santuário do Beato Nicolau Bunkerd Kitbamrung, que dedicou a sua vida à evangelização e à catequese, formando discípulos do Senhor, principalmente aqui na Tailândia, mas também em parte do Vietname e ao longo da fronteira com o Laos, e coroou o seu testemunho de Cristo com o martírio. Coloquemos este encontro sob o seu olhar, para que o seu exemplo estimule em nós um grande zelo pela evangelização em todas as Igrejas locais da Ásia e possamos ser cada vez mais discípulos missionários do Senhor; assim a sua Boa-Nova poderá ser espalhada como bálsamo e perfume neste grande e magnífico continente.
Sei que está em programa para 2020 a Assembleia Geral da Federação de Conferências dos Bispos da Ásia, no cinquentenário da sua fundação. Uma boa ocasião para voltar a visitar os «santuários», onde se guardam as raízes missionárias que marcaram estas terras, e para deixar o Espírito Santo impelir-vos pelos passos do primeiro amor; isto permitir-vos-á abrir com coragem, com ousadia para um futuro que sois chamados a gerar e implementar, a fim de que tanto a Igreja como a sociedade na Ásia beneficiem dum impulso evangélico compartilhado e renovado. Enamorados de Cristo, capazes de fazer enamorar compartilhando o mesmo amor.
Viveis num continente multicultural e multirreligioso, de grande beleza e prosperidade, mas ao mesmo tempo provado por uma pobreza e exploração a vários níveis. Os rápidos progressos tecnológicos podem abrir imensas possibilidades para facilitar a vida, mas podem também suscitar um crescente consumismo e materialismo, sobretudo entre os jovens. Carregais aos ombros as preocupações dos vossos povos ao ver o flagelo das drogas e o tráfico de pessoas, a necessidade de atender a um grande número de migrantes e refugiados, as más condições de trabalho, a exploração laboral sofrida por muitos, bem como a desigualdade económica e social que existe entre os ricos e os pobres.
No meio destas tensões, encontra-se o pastor lutando e intercedendo com o seu povo e pelo seu povo. Por isso, penso que a memória dos primeiros missionários, que nos precederam com coragem, alegria e uma resistência extraordinária, permitirá medir e avaliar o nosso presente e a nossa missão a partir duma perspetiva muito mais ampla, muito mais inovadora. Tal memória liberta-nos, em primeiro lugar, de pensar que os tempos passados foram sempre mais favoráveis ou melhores do que os atuais para o anúncio e ajuda-nos a não nos refugiarmos em pensamentos e debates estéreis que acabam por nos concentrar e fechar em nós mesmos, paralisando todo o tipo de ação. «Aprendamos com os Santos que nos precederam e enfrentaram as dificuldades próprias do seu tempo» (Evangelli gaudium, 263) e deixemo-nos despojar de tudo o que se nos «apegou» ao longo do caminho, tornando mais pesado o andar. Temos consciência de que «há estruturas [e mentalidades] eclesiais que podem chegar a condicionar [negativamente] um dinamismo evangelizador; de igual modo, as boas estruturas servem quando há uma vida que as anima, sustenta e avalia; [porque, em última análise], sem vida nova e espírito evangélico autêntico, sem fidelidade da Igreja à própria vocação, toda e qualquer nova estrutura se corrompe em pouco tempo» (Ibid., 26) e pode tornar difícil ao nosso coração o importante ministério da oração e intercessão. Isto pode ajudar, às vezes, a regular-nos face a entusiasmos imprudentes com métodos que têm um êxito aparente, mas pouca vida.
Ao observar o caminho missionário nestas terras, uma das primeiras lições colhidas é esta: a confiança de saber que o primeiro a ir à frente e a chamar é precisamente o Espírito Santo; Ele precede a Igreja, convidando-a a alcançar todos os pontos decisivos «onde são concebidas as novas histórias e paradigmas [para] alcançar com a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma das [nossas] cidades» (Ibid., 74) e culturas. Não esqueçamos que o Espírito Santo chega antes do missionário, e permanece com ele. O impulso do Espírito Santo sustentou e motivou os Apóstolos e tantos missionários para não descartarem qualquer terra, povo, cultura ou situação. Não procuraram um terreno com «garantias de sucesso»; pelo contrário, a sua «garantia» residia na certeza de que nenhuma pessoa e cultura seja a priori incapaz de receber a semente de vida, de felicidade e especialmente da amizade que o Senhor lhes quer dar. Não esperavam que uma cultura fosse afim ou facilmente sintonizada com o Evangelho; pelo contrário, mergulharam nessas realidades novas, convencidos da beleza de que eram portadores. Toda a vida tem valor aos olhos do Mestre. Eram ousados, corajosos, porque sabiam, antes de mais nada, que o Evangelho é um dom para ser semeado em todos e para todos, disseminado por todos: doutores da lei, pecadores, publicanos, prostitutas, todos os pecadores de ontem e de hoje. Apraz-me salientar que a missão, mais do que atividades a realizar ou projetos a implementar, requer um olhar e um olfato que se deve educar; requer uma preocupação paterna e materna, porque a ovelha se perde quando o pastor a dá por perdida; nunca antes. Três meses atrás, tive a visita dum missionário francês, que trabalha há quase 40 anos no norte da Tailândia, no meio das tribos. Veio com um grupo de 20, 25 pessoas, todas elas pais e mães de família: jovens, não tinham mais de 25 anos! Ele mesmo os batizara – eram a primeira geração – e agora batizava os seus filhos. Alguém poderia pensar: perdestes a vida por 50, 100 pessoas. Tal foi a sua sementeira; e Deus consola-o, fazendo-lhe batizar os filhos daqueles que batizara primeiro. Simplesmente viu aqueles indígenas do norte da Tailândia como uma riqueza para a evangelização. Não deu por perdida aquela ovelha, preocupou-se com ela.
Um dos pontos mais belos da evangelização é dar-se conta de que a missão confiada à Igreja não consiste apenas na proclamação do Evangelho, mas também em aprender a crer no Evangelho. Quantos proclamam, ou melhor, às vezes, em momentos de tentação, nós proclamamos o Evangelho e não acreditamos no Evangelho! Aprender a crer no Evangelho, deixar-se transformar por ele. Consiste em viver e caminhar à luz da Palavra que temos de proclamar. Far-nos-á bem recordar estas palavras importantes de Paulo VI: «Evangelizadora como é, a Igreja começa por se evangelizar a si mesma. Comunidade de crentes, comunidade de esperança vivida e comunicada, comunidade de amor fraterno, ela tem necessidade de ouvir sem cessar aquilo que ela deve acreditar, as razões da sua esperança e o mandamento novo do amor» (Evangelii nuntiandi, 15). Assim, a Igreja entra na dinâmica do discipulado: conversão-anúncio; purificada pelo seu Senhor, torna-se testemunha por vocação. Uma Igreja em caminho, sem medo de descer à rua e tomar contacto com a vida das pessoas que lhe foram confiadas, é capaz de se abrir humildemente ao Senhor e, com o Senhor, viver a maravilha da aventura missionária sem necessidade, consciente ou inconsciente, de querer aparecer ela em primeiro lugar, ocupando ou pretendendo talvez que lhe atribuam lugar de destaque. Quanto devemos aprender convosco que, apesar de em muitos dos vossos países ou regiões serdes minorias e, às vezes, minorias ignoradas, obstaculizadas ou perseguidas, nem por isso vos deixais levar ou contaminar pelo complexo de inferioridade ou pela lamentação de não se sentirem reconhecidos. Continuai para diante! Anunciai, semeai, rezai e esperai. E não percais a alegria!
Irmãos, «unidos a Jesus, procuremos o que Ele procura, amemos o que Ele ama» (Evangelii gaudium, 267) e não tenhamos medo de fazer nossas as suas prioridades. Vós sabeis muito bem o que é uma Igreja pequena em pessoas e recursos, mas ardente e ansiosa por ser um instrumento vivo da promessa do Senhor para todas as pessoas das vossas aldeias e cidades (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Lumen gentium, 1)! O vosso compromisso de realizar esta fecundidade evangélica, anunciando o querigma por obras e palavras nos diferentes campos onde se encontram os cristãos, é um testemunho que marca.
Uma Igreja missionária sabe que a sua melhor palavra é o deixar-se transformar pela Palavra que dá Vida, fazendo do serviço a sua nota distintiva. Não somos nós que temos a chave da missão, e menos ainda as nossas estratégias. O verdadeiro protagonista é o Espírito, que nos impele a nós, pecadores perdoados, enviando-nos continuamente para partilhar este tesouro em vasos de barro (cf. 2 Cor 4, 7); transformados pelo Espírito, para transformar cada canto onde nos toque estar. O martírio da dedicação diária e frequentemente silenciosa dará os frutos de que precisam os vossos povos.
Esta realidade encoraja-nos a desenvolver uma espiritualidade muito particular. O pastor é uma pessoa que, antes de mais nada, ama entranhadamente o seu povo, conhece as suas inclinações, as suas fraquezas e forças. Certamente amor por Jesus Cristo, a missão é ao mesmo tempo «paixão pelo seu povo. Quando paramos diante de Jesus crucificado, reconhecemos todo o seu amor que nos dignifica e sustenta, mas lá também, se não formos cegos, começamos a perceber que este olhar de Jesus se alonga e dirige, cheio de afeto e ardor, a todo o seu povo» (Evangelii gaudium, 268).
Lembremo-nos de que também nós fazemos parte deste povo; não somos os senhores, fazemos parte do povo; fomos escolhidos como servidores, não como patrões ou senhores. Isto significa que temos de acompanhar aqueles que servimos com paciência e amabilidade, escutando-os, respeitando a sua dignidade, promovendo e valorizando sempre as suas iniciativas apostólicas. Não percamos de vista que muitas das vossas terras foram evangelizadas por leigos. Por favor, não clericalizemos a missão, e menos ainda os leigos. Estes leigos puderam falar o dialeto do povo, um exercício simples e direto de inculturação, não teórica nem ideológica, mas fruto da paixão por partilhar Cristo. O santo povo fiel de Deus possui a unção do Santo, que somos chamados a reconhecer, valorizar e difundir. Não percamos esta graça de ver Deus que age no meio do seu povo: como o fizera antes, fá-lo agora e continuará a fazê-lo. Acode-me à mente uma imagem que não estava no programa: o menino Samuel que acordava de noite. Deus respeitou o sacerdote ancião, fraco de caráter; deixava-o fazer, mas não lhe falava. Falou a um rapaz, a um do povo.
De maneira particular, convido-vos a ter sempre a porta aberta para os vossos sacerdotes: a porta e o coração. Não esqueçamos que o próximo mais próximo do bispo é o sacerdote. Mantende-vos próximo deles, escutai-os, procurai sustentá-los em todas as situações que enfrentam, sobretudo quando os virdes desanimados ou apáticos, que é a pior das tentações do demónio. A apatia, o desânimo. E isso fazei-o, não como juízes, mas como pais, não como gerentes que se servem deles, mas como verdadeiros irmãos mais velhos. Criai um clima de confiança que favoreça um diálogo sincero, um diálogo aberto, buscando e pedindo a graça de terdes a mesma paciência que o Senhor tem com cada um de nós… e tem tanta, tanta!
Queridos irmãos, sei que são variadas as questões que tendes de enfrentar dentro das vossas comunidades, tanto no dia a dia como pensando no futuro. Nunca percamos de vista que precisamente neste futuro, muitas vezes tão incerto como problemático, é precisamente o Senhor que vem com a força da Ressurreição para transformar cada chaga, cada ferida, em fonte de vida. Olhemos para o amanhã com a certeza de que não estamos sozinhos, não vivemos sozinhos, não caminhamos sozinhos; lá nos espera Ele, convidando-nos a reconhecê-Lo principalmente ao partir o pão.
Supliquemos a intercessão do Beato Nicolau e de tantos santos missionários para que os nossos povos sejam renovados com a mesma unção.
Uma vez que hoje se encontram aqui numerosos Bispos da Ásia, aproveito a ocasião para estender a bênção e o meu afeto a todas as vossas comunidades e, de forma especial, aos doentes e a todos aqueles que estão a atravessar momentos de dificuldade. Que o Senhor vos abençoe, proteja e sempre vos acompanhe. E, a vós, que vos tome pela mão; e que vós vos deixeis guiar pela mão do Senhor e não procureis outras mãos.
E, por favor, não vos esqueçais de rezar e fazer rezar por mim, porque tudo aquilo que vos disse a vós, tenho de o repetir também a mim próprio.
Muito obrigado!