VIAGEM DO PAPA FRANCISCO A LUXEMBURGO E À BÉLGICA
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO NO ENCONTRO COM BISPOS, SACERDOTES, DIÁCONOS, CONSAGRADOS, SEMINARISTAS E AGENTES PASTORAIS NA BÉLGICA
Sábado, 28 de setembro de 2024
Boletim da Santa Sé
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Estou feliz por estar aqui entre vós. Agradeço ao senhor D. Luc Terlinden as suas palavras e porque nos recordou a prioridade do anúncio do Evangelho. Obrigado a todos vós.
Nesta encruzilhada que é a Bélgica, sois uma Igreja “em movimento”. Na verdade, já há algum tempo que procurais transformar a presença das paróquias no território e dar um forte impulso à formação dos leigos; e sobretudo, esforçais-vos por ser uma Comunidade próxima, que acompanha as pessoas e testemunha com gestos de misericórdia.
Inspirando-me nas vossas perguntas, gostaria de propor algumas pistas de reflexão à volta de três palavras: evangelização, alegria, misericórdia.
O primeiro caminho a percorrer é a evangelização. As mudanças da nossa época e a crise da fé que vivemos no Ocidente impeliram-nos a regressar ao essencial, isto é, ao Evangelho, para que se anuncie novamente a todos a boa nova que Jesus trouxe ao mundo, fazendo brilhar a sua beleza. A crise – cada uma delas – é um momento que nos é oferecido para nos sacudir, para nos questionar e para mudar. É uma oportunidade preciosa – na linguagem bíblica diz-se kairòs, oportunidade especial –, como aconteceu com Abraão, Moisés e os profetas. Quando experimentamos a desolação, devemos sempre perguntar-nos qual é a mensagem que o Senhor nos quer comunicar. E o que é que a crise nos mostra? Passámos de um cristianismo instalado num quadro social acolhedor para um cristianismo “minoritário”, ou seja, um cristianismo de testemunho. E isto requer a coragem de uma conversão eclesial, para iniciar aquelas transformações pastorais que afetam também os costumes, os estilos e as linguagens da fé, de modo a que estejam verdadeiramente ao serviço da evangelização (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 27).
Gostaria de dizer ao Helmut que esta coragem é também exigida aos padres. Sejam padres que não se limitam a conservar ou a gerir um património do passado, mas pastores apaixonados por Cristo e atentos a acolher as questões do Evangelho, frequentemente implícitas, enquanto caminham com o povo santo de Deus; e nós caminhamos mais à frente, no meio ou atrás. E quando levamos o Evangelho – penso no que nos disse Yaninka – o Senhor abre o nosso coração ao encontro de quem é diferente. É bonito, aliás é necessário, que entre os jovens existam sonhos e espiritualidades diferentes. Deve ser exatamente assim, porque pode haver muitos percursos pessoais ou comunitários, mas que nos levam à mesma meta, ao encontro com o Senhor: na Igreja há lugar para todos e ninguém deve ser uma fotocópia do outro. A unidade na Igreja não é uniformidade, é antes encontrar a harmonia das diversidades! E gostaria também de dizer ao Arnaud: o processo sinodal deve ser um regresso ao Evangelho; não deve ter entre as suas prioridades uma reforma consoante “a moda”, mas perguntar-se como fazer chegar o Evangelho a uma sociedade que já não o escuta ou que se afastou da fé. Perguntemo-nos todos sobre isto.
Segundo caminho a seguir: a alegria. Não se trata aqui das alegrias associadas a algo momentâneo, nem podemos pactuar com modelos de fuga e de entretenimento consumista. Trata-se, sim, de uma alegria maior, que acompanha e sustenta a vida – mesmo nos momentos sombrios ou dolorosos –, e isto é um dom que vem do alto, de Deus. É a alegria do coração suscitada pelo Evangelho; é saber que não estamos sós ao longo do caminho e que, mesmo em situações de pobreza, pecado, aflição, Deus está próximo, cuida de nós e não deixará que a morte tenha a última palavra. Deus está próximo, é proximidade. Muito antes de ser Papa, Joseph Ratzinger escrevia que uma regra do discernimento é esta: “Onde falta a alegria, onde morre o humor, aí nem sequer se encontra o Espírito Santo […] e vice-versa: a alegria é sinal da graça” (Il Dio di Gesù Cristo, Brescia 1978, 129). Isso é belo! Por isso, gostaria de vos dizer: que a vossa pregação, a vossa celebração, o vosso serviço e o vosso apostolado deixem transparecer a alegria do coração, porque esta suscita interrogações e atrai também aqueles que estão longe. A alegria do coração: não aquele sorriso falso, de momento, mas a alegria do coração. Quero agradecer à Irmã Agnes e dizer-lhe que a alegria é o caminho. Quando a fidelidade parece difícil, devemos mostrar – como disseste, Agnes – que ela é um “caminho para a felicidade”. Então, vislumbrando o caminho, estamos mais preparados para iniciar a viagem.
E o terceiro caminho: a misericórdia. O Evangelho, acolhido e partilhado, recebido e dado, conduz-nos à alegria porque nos faz descobrir que Deus é o Pai da misericórdia, que se comove conosco, que nos levanta das nossas quedas, que nunca desiste de nos amar. Gravemos isto no nosso coração: Deus nunca desiste de nos amar. “Mas Padre, até mesmo se eu cometi algo de grave?” Deus nunca deixa de te amar. Diante da experiência do mal, isto pode, por vezes, parecer-nos “injusto”, porque nos limitamos a aplicar a justiça terrena que diz: “Quem erra tem de pagar”. No entanto, a justiça de Deus é superior: quem errou é chamado a reparar os danos, mas para curar o seu coração precisa do amor misericordioso de Deus. Não esqueçais: Deus perdoa tudo, Deus perdoa sempre; é com a sua misericórdia que Deus nos justifica, ou seja, nos torna justos, porque nos dá um coração novo, uma vida nova.
Por isso, gostaria de dizer à Mia: obrigado pelo grande trabalho realizado para transformar a raiva e a dor em ajuda, proximidade e compaixão. Os abusos geram sofrimentos e feridas atrozes, minando até mesmo o caminho da fé. E é necessária tanta misericórdia, para não ficar com um coração de pedra diante do sofrimento das vítimas, para as fazer sentir a nossa proximidade e lhes oferecer toda a ajuda possível, para aprender com elas – como disseste – a ser uma Igreja que se torna serva de todos sem subjugar ninguém. Sim, porque uma das raízes da violência é o abuso de poder, quando usamos as nossas funções para esmagar ou manipular os outros.
E a misericórdia – estou a pensar no serviço do Pieter – é uma palavra-chave para os prisioneiros. Quando entro em uma prisão me questiono: porque eles e não eu? Jesus mostra-nos que Deus não se afasta das nossas feridas e impurezas. Ele sabe que todos nós podemos errar, mas ninguém é um fracassado. Ninguém está perdido para sempre. Por conseguinte, convém seguir todos os percursos da justiça terrena e os trâmites humanos, psicológicos e penais; mas a pena deve ser um remédio, deve levar à cura. É preciso ajudar as pessoas a levantarem-se e a encontrarem o seu caminho na vida e na sociedade. Somente em uma ocasião na vida de todos nos é permitido ver uma pessoa olhando para baixo: para ajudá-la a levantar-se. Lembremo-nos disto: todos podemos errar, mas ninguém é um fracassado, ninguém está perdido para sempre. Misericórdia, sempre misericórdia.
Irmãs e irmãos, muito obrigado. E ao despedir-me de vós, gostaria de recordar uma obra do vosso ilustre pintor Magritte, intitulada “O Ato de Fé”. Representa uma porta fechada por dentro, mas com a parte do meio rasgada, aberta para o céu. É um rasgão que nos convida a ir mais longe, a olhar para a frente e para cima, a nunca nos fecharmos em nós próprios. Eis uma imagem que vos deixo, como símbolo de uma Igreja que nunca fecha as portas – por favor, nunca fecheis as portas! –, que oferece a todos uma abertura para o infinito, que sabe olhar mais além. Esta é a Igreja que evangeliza, que vive a alegria do Evangelho, que pratica a misericórdia.
Irmãs e irmãos: para serdes Igreja deste modo, praticai a misericórdia e caminhai juntos, vós e o Espírito Santo. Sem o Espírito, não acontece nada de cristão. É o que nos ensina a Virgem Maria, nossa Mãe. Que Ela vos guie e vos guarde. Abençoo a todos de coração. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!