CATEQUESE DO PAPA FRANCISCO
Pátio São Dâmaso – Vaticano
Quarta-feira, 9 de setembro de 2019
Boletim da Santa Sé
Tradução: Liliane Borges (Canção Nova)
Caros irmãos e irmãs, bom dia!
A crise que vivemos devido à pandemia afeta a todos; podemos sair melhor se buscarmos todos juntos o bem comum; pelo contrário, sairemos pior. Infelizmente, estamos testemunhando o surgimento de interesses de partes. Por exemplo, há quem queira se apropriar de soluções possíveis, como no caso das vacinas, e depois vendê-las para terceiros. Alguns aproveitam a situação para fomentar divisões: buscar vantagens econômicas ou políticas, gerando ou aumentando os conflitos. Outros simplesmente não se interessam no sofrimento alheio, passam adiante e seguem seu próprio caminho (cf. Lc 10,30-32). Eles são devotos de Pôncio Pilatos, eles lavam as mãos.
A resposta cristã à pandemia e às consequentes crises socioeconomicas baseia-se no amor, sobretudo no amor de Deus que sempre nos precede (cf. 1 Jo 4, 19). Ele nos ama primeiro, Ele sempre nos precede no amor e nas soluções. Ele nos ama incondicionalmente, e quando damos as boas-vindas a esse amor divino, podemos responder de maneira semelhante. Amo não só quem me ama: minha família, meus amigos, meu grupo, mas também aqueles que não me amam, amo também aqueles que não me conhecem, amo também quem é estrangeiro, e também quem me faz sofrer ou a quem considero inimigos (cf. Mt 5, 44). Essa é a sabedoria cristã, essa é a atitude de Jesus. E o ponto mais alto da santidade, por assim dizer, é amar os inimigos, o que não é fácil. Claro, amar a todos, incluindo os inimigos, é difícil – eu diria que é uma arte! Mas uma arte que pode ser aprendida e aprimorada. O amor verdadeiro, que nos torna fecundos e livres, é sempre expansivo e inclusivo. Esse amor cura, cura e faz o bem. Muitas vezes uma carinho faz mais bem do que muitos argumentos, um carinho de perdão e não tantos argumentos para se defender. É o amor inclusivo que cura.
Portanto, o amor não se limita a relacionamentos entre duas ou três pessoas, aos amigos, a família, vai além. Inclui as relações civis e políticas (Catecismo da Igreja Católica [CIC], 1907-1912), incluindo a relação com a natureza (Enc. Laudato si ‘[LS], 231). Por sermos seres sociais e políticos, uma das expressões máximas do amor é precisamente a social e política, decisiva para o desenvolvimento humano e para o enfrentar qualquer tipo de crise (ibid., 231). Sabemos que o amor fecunda famílias e amizades; mas é bom lembrar que também fecunda as relações sociais, culturais, econômicas e políticas, permitindo-nos construir uma “civilização do amor”, como gostava de dizer São Paulo VI [1] e, em seu seguimento, São João Paulo II. Sem essa inspiração, prevalece a cultura do egoísmo, da indiferença, do descarte, ou seja, descartar o que não amo, o que não posso amar ou aqueles que parecem inúteis para a sociedade. Hoje na entrada um casal me disse: “Reze por nós porque temos um filho deficiente”. Eu perguntei: “Quantos anos ele tem? – Tantos- E o que vocês fazem? – Nós o acompanhamos, nós o ajudamos ”. Toda uma vida de pais para aquela criança deficiente. Isto é amor. E os inimigos, os adversários políticos, a nosso ver, parecem ser politicamente e socialmente deficientes, mas parecem. Só Deus sabe se são ou não. Mas devemos amá-los, devemos dialogar, devemos construir esta civilização do amor, esta civilização política, social, da unidade de toda a humanidade. Tudo isso é o oposto de guerras, divisões, inveja e até guerras familiares. O amor inclusivo é social, é família, é político: o amor permeia tudo!
O coronavírus mostra-nos que o verdadeiro bem para todos é um bem comum, não só individual e, inversamente, o bem comum é um verdadeiro bem para a pessoa (cf. CIC, 1905-1906). Se uma pessoa busca apenas o seu próprio bem, ela é egoísta. Em vez disso, a pessoa é mais pessoa, quando o seu próprio bem se abre a todos, o compartilha.A saúde, além de individual, também é um bem público. Uma sociedade saudável é aquela que cuida da saúde de todos.
Um vírus que não conhece barreiras, fronteiras ou distinções culturais e políticas deve ser enfrentado com um amor sem barreiras, fronteiras ou distinções. Este amor pode gerar estruturas sociais que nos estimulem a compartilhar ao invés de competir, que nos permitem incluir os mais vulneráveis e não descartá-los, e que nos ajudam a expressar o melhor de nossa natureza humana e não o pior. O amor verdadeiro não conhece a cultura do descarte, não sabe o que é. Com efeito, quando amamos e geramos criatividade, quando geramos confiança e solidariedade, é aí que surgem iniciativas concretas para o bem comum. [2] E isso é válido tanto no nível de pequenas e grandes comunidades, quanto no nível internacional. O que se faz na família, o que se faz no bairro, o que se faz na aldeia, o que se faz na cidade grande e internacionalmente é o mesmo: é a mesma semente que cresce e dá fruto. Se você na família, na vizinhança, começa com a inveja, com a luta, no final vai ter “guerra”. Em vez disso, se você começar com amor, para compartilhar amor e perdão, então haverá amor e perdão para todos.
Ao contrário, se as soluções para a pandemia trazem a marca do egoísmo, seja de pessoas, empresas ou nações, talvez possamos sair do coronavírus, mas certamente não da crise humana e social que o vírus evidenciou e acentuou. Portanto, tome cuidado para não construir na areia (cf. Mt 7, 21-27)! Para construir uma sociedade sã, inclusiva, justa e pacífica, devemos fazê-lo sobre a rocha do bem comum. [3] O bem comum é uma rocha. E essa é a tarefa de todos nós, não apenas de alguns especialistas. Santo Tomás de Aquino dizia que a promoção do bem comum é um dever de justiça que recai sobre cada cidadão. Cada cidadão é responsável pelo bem comum. E para os cristãos também é uma missão. Como ensina Santo Inácio de Loyola, direcionar nossos esforços diários para o bem comum é uma forma de receber e difundir a glória de Deus.
Infelizmente, a política muitas vezes não tem uma boa reputação e sabemos porquê. Isso não significa que os políticos sejam todos ruins, não, não é isso que eu quero dizer. Só estou dizendo que, infelizmente, a política nem sempre goza de boa reputação. Mas não devemos nos resignar a esta visão negativa, mas reagir demonstrando com fatos que é possível, mais que isso, é um dever de ter uma boa política, [4] aquela que coloca no centro a pessoa humana e o bem comum. Se lermos a história da humanidade, encontraremos muitos políticos santos que seguiram esse caminho. É possível na medida em que cada cidadão e, em particular, quem assume compromissos e posições sociais e políticas, enraíze sua ação em princípios éticos e a anime com amor social e político. Os cristãos, especialmente os fiéis leigos, são chamados a dar um bom testemunho disso e podem fazê-lo graças à virtude da caridade, cultivando a sua intrínseca dimensão social.
É, portanto, tempo de fazer crescer o nosso amor social – quero enfatizar isto: o nosso amor social – contribuindo com todos, a partir da nossa pequenez. O bem comum requer a participação de todos. Se todos fazem a sua parte e ninguém for deixado de lado, poderemos regenerar boas relações a nível comunitário, nacional, internacional e também em harmonia com o meio ambiente (cf. LS, 236). Assim, nos nossos gestos, mesmo os mais humildes, se tornará visível algo da imagem de Deus que carregamos em nós, porque Deus é Trindade, Deus é amor. Esta é a mais bela definição de Deus na Bíblia. O apóstolo João, que tanto amou Jesus, nos diz isso: Deus é amor. Com sua ajuda, podemos curar o mundo trabalhando juntos para o bem comum, não apenas para o próprio bem, mas para o bem comum, bem de todos.