Palavra do Papa

Discurso de Bento XVI na visita ao Arcebispo de Canterbury

Sua Graça,é uma satisfação retornar a cortesia das visitas que tendes feito a mim em Roma através da visita fraterna à vossa residência oficial. Sou grato pelo vosso convite e pela hospitalidade que vós generosamente providenciastes. Meus cumprimentos também aos arcebispos anglicanos aqui presentes de todas as partes do Reino Unido, meus irmãos Bispos das dioceses católicas da Inglaterra, Gales e Escócia e todos conselheiros ecumênicos aqui presentes.Vós tendes falado, Sua Graça, do encontro histórico realizado, há trinta anos atrás, entre nossos predecessores – Papa João Paulo II e o Arcebispo Robert Runcie – na Catedral de Canterbury. Lá, no mesmo lugar onde São Tomás de Canterbury testemunhou a Cristo derramando seu sangue, eles oraram juntos pelo dom da unidade entre os seguidores de Cristo. Nós continuamos hoje a rezar por este dom, sabendo que a unidade que Cristo desejou aos seus discipulos só virá em resposta à oração, através do Espírito Santo, que incessantemente renova a Igreja e a guia rumo à plenitude da verdade.

Não é a minha intenção hoje falar das dificuldades que o caminho ecumênico encontrou e continua a encontrar. Essas dificuldades são bem conhecidas de todos aqui. Antes, desejo unir-me em agradecimento pela profunda amizade que tem crescido entre nós e pelo excepcional progresso que tem sido feito em muitas areas de diálogo durante os quarenta anos que se passaram desde que a Comissão Anglicano-Católica iniciou seu trabalho. Confiemos o fruto deste trabalho ao Senhor da colheita, confiantes de que vai abençoar nossa amizade com um crescimento ainda mais significativo.

O contexto no qual acontece o diálogo entre a Comunidade Anglicana e a Igreja Católica evoluiu de maneira considerável desde o encontro privado entre o Papa João Paulo II e o Arcebispo Geoffrey Fisher em 1960. Por um lado, a cultura à nossa volta cresce distante de suas raízes cristãs, apesar de uma fome profunda e generalizada pelo alimento espiritual. Por outro lado, a dimensão cada vez mais multicultural da sociedade, particularmente marcada neste país, traz consigo a oportunidade de encontrar outras religiões. Para nós, cristãos, abre-se a possibilidade de explorar, juntamente com membros de outras tradições religiosas, meios de testemunhar a dimensão transcendente da pessoa humana e o chamado universal à santidade, levando à prática da virtude em nossas vidas pessoais e sociais. A cooperação ecumênica nessa tarefa continua sendo essencial, e vai certamente dar frutos na promoção da paz e da harmonia num mundo que tantas vezes parece em risco de fragmentação.

Ao mesmo tempo, nós cristãos nunca devemos hesitar em proclamar nossa fé na singularidade da salvação dada a nós por Cristo, e de explorar em conjunto uma compreensão mais profunda dos meios que ele colocou à nossa disposição para alcançar a salvação. Deus “quer que todos sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1 Tm 2, 4),  e a verdade não é outra a não ser Jesus, Filho Eterno do Pai, que reconciliou todas as coisas em si pela força da Cruz. Na fidelidade à vontade do Senhor, conforme expressado naquela passagem da primeira Carta de São Paulo a Timóteo, reconhecemos que a Igreja é chamada a ser inclusiva, mas nunca em detrimento da verdade cristã. Aqui reside o dilema que envolve todos os que estão genuinamente comprometidos com o caminho ecumênico.

Na figura de John Henry Newman, que será beatificado no domingo, celebramos um eclesiástico cuja visão eclesial foi nutrida pela experiência Anglicana e amadurecida durante seus muitos anos de ministro ordenado na Igreja da Inglaterra. Ele pode nos ensinar as virtudes que o ecumenismo demanda: por um lado, foi movido a seguir sua consciência, apesar de um grande custo pessoal; por outro lado, a intensidade de sua amizade continuou com seus antigos colegas, levou a explorar com eles, em um verdadeiro espírito conciliador, as questões em que divergiam, direcinoados por um profundo anseio pela unidade da fé.Sua Graça, neste mesmo espírito de amizade, renovemos a nossa determinação em buscar a unidade na fé, esperança e amor, de acordo com a vontade de Jesus Cristo, nosso único Senhor e Salvador.Com esses sentimentos, despeço-me de vós. Que a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós (cf. 2 Cor 13, 13).



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