Em sua homilia, o cardeal James Harvey reafirma o tema central do Jubileu: uma confiança capaz de atravessar a história sem sucumbir ao ‘otimismo ingênuo’
Da redação, com Vatican News

O cardeal lituano Rolandas Makrickas, arcipreste da Basílica Papal de Santa Maria Maior em Roma, celebra o fechamento de uma Porta Santa / Foto: Andreas Solaro – Pool via Reuters
A esperança cristã não ignora as guerras, crises, injustiças e confusões que o mundo vivencia hoje, disse o Cardeal James Michael Harvey, Arcipreste da Basílica Papal de São Paulo Fora dos Muros, em sua homilia durante a celebração eucarística com o fechamento da Porta Santa, que ocorreu na manhã deste domingo, 28.
Evadir, fugir da realidade das próprias limitações e imperfeições, da história coletiva ferida de hoje, ou permanecer, acorrentado em suas próprias prisões internas, permitindo que a resignação se torne hábito e, depois, ferida. Dois movimentos opostos e complementares, como a abertura e o fechamento de uma Porta Santa. Contudo, nestes dois últimos, preservamos a memória de uma misericórdia que não se consome, de uma “salvação já doada” que, uma vez inserida na história, torna-se semente capaz de germinar sem murchar. Este é o horizonte de significado evocado pelo cardeal.
Paz e a única esperança
O sol alto acima da estátua de São Paulo, no centro do quadripórtico da Basílica, aquece os fiéis reunidos, amenizando as temperaturas gélidas do inverno. A Porta Santa está situada à direita da fachada, sob cuja cruz encontra-se a inscrição “Spes unica”. E “a única esperança”, como o cardeal estadunidense lembrou na missa, reside na “Cruz de Cristo”: uma esperança pascal que brota da doação incondicional de si e “floresce na nova vida da ressurreição”. Em vez disso, a frase gravada na Porta Santa que acompanhou os peregrinos ao longo do ano — “Ad sacram Pauli cunctis venientibus aedem — sit pacis donum perpetuumque salus” — torna-se uma esperança constante de que o “dom da paz” possa realmente se espalhar em um mundo marcado por “guerras, crises, injustiças e confusão”.
O fechamento da Porta Santa
O rito de fechamento foi marcado por um silêncio contemplativo que acompanhou o cardeal Harvey em direção à Porta Santa, cujos três painéis recordam os três anos preparatórios para o Ano Santo de 2000, encomendados por São João Paulo II e dedicados ao Pai, rico em misericórdia, ao Espírito Santo, principal agente da evangelização, e ao Filho Redentor. O cardeal ajoelhou-se diante da Porta Santa e, após alguns momentos de reflexão em oração, a fechou.
Esperança em meio às “dificuldades da vida”
“A misericórdia de Deus permanece sempre aberta”, disse o cardeal em sua homilia. Ele convidou a prosseguir no caminho de “conversão e esperança” inspirado pelo Ano Santo. No lugar confiado à memória de São Paulo, as palavras da Carta aos Romanos ressoam com particular força: “a esperança não decepciona”, que acompanharam todo o Jubileu. Um “lema” que é muito mais do que isso: uma verdadeira “profissão de fé”. O Apóstolo dos Gentios, de fato, confia essas palavras à história consciente das “dificuldades da vida”, tendo experimentado a prisão, a perseguição e o “aparente fracasso”. Contudo, a esperança não desfalece, porque não se fundamenta em frágeis capacidades humanas, mas “no amor fiel de Deus”.
Entrar no espaço da misericórdia
A Porta Santa não é, portanto, um mero limiar material, mas um pórtico a ser atravessado, deixando para trás “o que pesa no coração” para entrar “no espaço da misericórdia”. Atravessá-la significa, acrescentou o cardeal arcipreste, renunciar a toda “pretensão de autossuficiência” e confiar-se humildemente “Naquele que pode dar sentido pleno às nossas vidas”. O pórtico também está ligado à caminhada penitencial, como um lugar “de reentrada na comunhão” e “um sinal do retorno à casa do Pai”. Um gesto que, ao longo dos anos, não perdeu sua força simbólica: “Deus nunca fecha a porta ao homem; é o homem que é chamado a atravessá-la”.
Aguardar a salvação já doada
A esperança, mas também a fé e a caridade, foram definidas pelo Papa Francisco como o “coração da vida cristã”. A virtude associada ao Jubileu de 2025, afirmou o cardeal Harvey, vai muito além do “otimismo ingênuo” e de qualquer “fuga da realidade”. Como ele mesmo recordou por ocasião da abertura da Porta Santa, em 5 de janeiro passado, não se trata de uma “palavra vazia” ou de um “vago desejo de que as coisas deem certo”. Esperar significa aguardar com confiança a “salvação já doada” e ainda a caminho para a sua realização. Uma realização que se desdobra na história da humanidade, a ser percorrida com o olhar “fixo em Cristo”, enfrentando a dor na certeza de que “a última palavra pertence à vida e à salvação”.
A coragem de descer na profundidade, livre das correntes
A esperança, portanto, está longe de ser abstrata, transmitida através da “conversão do coração” e da experiência libertadora do perdão vivida no sacramento da Reconciliação. O Papa Francisco insistiu nesse aspecto, e seu sucessor, Leão XIV, retomou-o, como lembrou Harvey, explicando que a esperança se alimenta da coragem de “descer na profundidade”, cavando “sob a superfície da realidade” e rompendo a “crosta da resignação”. Uma virtude frágil, mas com imenso potencial: o de “mudar o mundo”.
O cardeal evocou mais uma vez a figura de São Paulo, que, tendo experimentado a sua própria fraqueza, afirmou na Segunda Carta aos Coríntios que foi precisamente dela, por meio do seu encontro com Cristo, que tirou a sua força. As correntes das prisões em que esteve confinado — de Filipos a Jerusalém, de Cesareia a Roma — não sufocaram o seu anseio de confiança, consolação e esperança. “Nenhuma prisão pode extinguir a liberdade interior de quem vive em Cristo.”
A maior esperança
À esperança, recordou o cardeal Arcipreste, o Papa Bento XVI dedicou a Encíclica Spe Salvi, na qual enfatizou como o homem precisa de “muitas esperanças” para iluminar o seu caminho: pequenas e grandes, mas todas convergindo para a única grande esperança, o próprio Deus, na sua “face humana”, manifestada como uma “realidade viva e presente” que abraça toda a história da humanidade. Um amor que sustenta a perseverança na vida quotidiana, mesmo num mundo marcado pela “imperfeição e limitação”, porque garante a existência daquilo que o homem deseja em última instância: “A vida que é verdadeiramente vida”.
A responsabilidade do peregrino
Passar pela Porta Santa torna-se, assim, um convite a “voltar ao mundo”, testemunhando o dom recebido no ordinário. Um caminho tanto interior quanto concreto, que começa com o reconhecimento das próprias limitações e da “incompletude do olhar”, confiando-se à orientação do Senhor. Um processo passo a passo, como na oração, na confiança de que cada passo é suficiente. Cada peregrino, enfatizou Harvey, carrega consigo a responsabilidade de ser uma testemunha crível do que recebeu, um “sinal humilde, porém luminoso, da presença de Deus” num mundo marcado por “divisões e medo”.
As portas abertas do coração
Um fardo que os santos assumiram, permanecendo fiéis ao seu lugar na história e vivendo a esperança da vida cotidiana, como a Sagrada Família de Jesus, Maria e José, lembrada na liturgia de hoje: uma vida comum de trabalho silencioso, “cuidado recíproco” e escuta da vontade de Deus nas dobras da existência. Gestos repetidos com amor e, portanto, capazes de brilhar, sustentados por uma confiança que “persevera mesmo na escuridão”. “Com o fechamento da Porta Santa”, disse o cardeal, “que a porta da fé, da caridade e da esperança permaneça aberta em nossos corações. Que a porta da missão permaneça aberta, porque o mundo precisa de Cristo.”
A Porta Santa da Basílica de São Paulo Fora dos Muros foi a terceira basílica papal a ser fechada. A primeira foi a de Santa Maria Maior, no dia de Natal. Na manhã de sábado, 27 de dezembro, foi a vez de São João de Latrão. Leão XIV fechará a Porta Santa da Basílica de São Pedro em 6 de janeiro, Solenidade da Epifania do Senhor.




