Reflexão

No Jubileu da Santa Sé, religiosa frisa: grande beleza da Cruz nos salvará

Em sua meditação na Sala Paulo VI, na presença do Papa Leão XIV, irmã Maria Gloria Riva convida a uma esperança que se estende entre o passado e o futuro

Da Redação, com Vatican News

Religiosa da Congregação das Adoradoras Perpétuas do Santíssimo Sacramento, irmã Maria Gloria Riva, durante meditação no Jubileu da Santa Sé /Foto: REUTERS/ Yara Nardi

Em uma reflexão que entrelaçou arte e realidade, passado, presente e futuro, a religiosa da Congregação das Adoradoras Perpétuas do Santíssimo Sacramento, irmã Maria Gloria Riva, meditou sobre o tema-chave do atual Ano Santo: a esperança. Ela fez a meditação na Sala Paulo VI, na presença do Papa Leão XIV, por ocasião do Jubileu da Santa Sé que se realiza nesta segunda-feira, 9.

A irmã religiosa iniciou sua meditação recordando como o Papa Francisco e o responsável pela organização do Jubileu e pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, Dom Rino Fisichella, que pensaram nela para “este grande evento”. Na sequência, dirigiu uma saudação a Leão XIV, destacando seus pontos em comum: a formação segundo a Regra de Santo Agostinho e a aprovação, há dois séculos, de sua comunidade por Leão XII.

Residente na República de São Marino há dez anos, a religiosa destacou o valor dos pequenos Estados num contexto globalizado, onde tradições antigas mantêm “firme o fio da esperança”, enquanto o mundo corre o risco de perder suas “raízes históricas”. Fio e esperança: palavras que, segundo ela, estão profundamente interligadas, já que o termo bíblico tikva, que indica esperança, tem como raiz kav, ou seja, “corda”, “fio” teso entre dois polos. No hebraico bíblico, portanto, “o homem que tem esperança, arraigado em seu passado, sabe lançar-se para o futuro enquanto vive o presente em tensão”.

Viver essa suspensão é difícil, mas necessária, frisou irmã Riva. O equilíbrio entre passado e futuro é “a grande raiz da esperança”, destacou. A religiosa alertou que levar um dos dois polos ao extremo pode ser perigoso: ao olhar demais para o passado, corre-se o risco de “sentir saudade de um passado que não existe mais”, gerando um tradicionalismo estéril. Ao correr demais, acaba-se num “futurismo ilusório”, incapaz de enfrentar os desafios concretos do presente.

“O Retorno do Filho Pródigo”

A referência ao “futurismo” evocou o movimento artístico ao qual Giorgio de Chirico também aderiu. “O passado, com suas glórias e tristezas, pode representar um trampolim para viver o presente na tensão certa”, disse irmã Riva. Ela, portanto, se inspirou numa obra de De Chirico: “O Retorno do Filho Pródigo” (1922). Nele, o artista — inicialmente um intervencionista, depois desiludido com a guerra — retratou a si mesmo como o filho que retorna: ombros largos, quadríceps pronunciados, tornozelos finos. Ele é o homem “self-made”, confuso, mas acolhido pelo pai, uma estátua grega que desce do pedestal para abraçá-lo. “Sim, o passado vem ao nosso encontro com suas perguntas, não para nos esmagar, mas para nos relançar no presente, olhando para o futuro com esperança”, comentou.

As inquietações do passado são amplificadas no presente. A religiosa alerta que a corrida pelo progresso, num mundo onde “os meios de comunicação social moldam novas formas de vida sociocultural”, podem levar à confusão. “Cuidado”, prosseguiu irmã Riva, “os meios são instrumentos: exigem que o utilizador não renuncie às suas raízes nem se lance para um outro lugar indefinido, mas saiba orientar-se”. Em seguida, ela citou Santo Agostinho: “Não se corre bem se não se sabe para onde se corre”.

Trabalhar por grandes horizontes

Há, porém, indicou a religiosa, um caminho a percorrer sem medo: o de João e Pedro rumo ao sepulcro vazio. “É a corrida daqueles que sabem que a esperança está na vida verdadeira, na vida eterna. A eternidade está diante de nós: para os que creem e para os que não creem. Para toda a humanidade”, frisou. A partir disso, ela enfatizou o convite a trabalhar “pelo grande horizonte da vida que não morre”, “perguntando-nos se cada passo está em conformidade com a verdade, que é a caridade e a eternidade”.

Assim, portanto, irmã Riva afirmou que  a esperança se manifesta em “afirmar a verdade que respeita a vida, desde a sua concepção até ao seu fim; que respeita a dignidade de cada pessoa, para além do seu gênero, do seu credo ou da sua nacionalidade; que respeita os costumes e as culturas particulares de cada povo, uma grande riqueza universal”.

O Jubileu é, portanto, um estímulo à reflexão sobre as “coisas últimas”, que podem causar terremotos interiores, sentimentos de inadequação ou fracasso. Dessa humildade, reforçou a religiosa, nasce “aquele pequeno nada”, a esperança, segundo a sugestiva definição de Charles Péguy.

Não apenas saber, mas crer

Irmã Riva, citando Victor Hugo, sublinhou que os humildes “são os verdadeiros fortes, capazes de olhar a vida com olhos maravilhados”. A humildade vence o “grande inimigo do homem, o Maligno, que ameaça justamente os lugares onde a santidade mais se manifesta”. Por isso, ela defendeu que é preciso se munir de modéstia, para reconhecer, “com os olhos maravilhados, os pequenos, mas seguros passos da esperança”.

Recordando as palavras da Beata Maria Madalena da Encarnação, fundadora das Adoradoras Perpétuas, a irmã Riva ressaltou que “as últimas palavras de um homem santo são as mais importantes a guardar”. As de Jesus na Última Ceia conectam “a fé no Pai e a esperança da vida eterna à caridade entre nós”. Esperar, portanto, significa viver em unidade, e a Eucaristia é um canal privilegiado de esperança, capaz de dissolver as tensões entre passado, presente e futuro. Não basta conhecê-la, disse a religiosa, é preciso “crer” nela e proclamá-la.

Entre perseguições e consolações

“Como podemos vencer o olhar habitual e desenvolver o olhar humilde da admiração?”, perguntou. A resposta vem da sua própria comunidade, nascida em Roma na época napoleônica, em meio às perseguições e ao “sequestro” de Pio VII. Foi o Papa quem quis o primeiro mosteiro junto ao Quirinale, onde então residia um convite a voltar o olhar para a Eucaristia, “entre as perseguições do mundo e as consolações divinas”, como escreveu Santo Agostinho.

A consolação suprema reside em Deus, destacou irmã Riva. “Ele nos ama com um amor eterno. Cabe a nós deixar-nos moldar e realizar ao longo do tempo as iluminações oferecidas pelo Espírito Santo, através da Eucaristia e da Virgem Maria, sinal seguro de esperança”.

Dostoiévski então retorna. O Príncipe Myškin se encontra diante da obra de Cristo Morto, de Holbein, que retrata Jesus em tamanho real, com olhos fundos e membros já marcados pela decomposição. “Que beleza nos salvará? A da cruz? A da derrota?”, questionou. A religiosa respondeu: “Sim, a cruz ainda pode nos salvar: uma cruz aceita e oferecida.”

Dalí, sinais de renascimento

A última imagem evocada é a de Nossa Senhora de Port Lligat, de Salvador Dalí, pintada depois de Hiroshima: símbolo da tragédia “que uma ciência e uma técnica desvinculadas da ética poderiam nos causar”, refletiu a pregadora. O rosto de Nossa Senhora é o de Gala, esposa e consolação do artista. Ao redor, sinais de ruína: o arco quebrado que se ergue sobre ela (“assim são nossas instituições, antigas, mas frequentemente com sinais de deterioração”), o peixe cristológico na predella, montanhas suspensas. Mas também há sinais de renascimento: um ovo, anjos com as mãos estendidas, mulheres grávidas. As entranhas de Maria e do Menino Jesus são estruturas abertas, como as Portas do Jubileu. No centro do corpo do Divino Menino, o Pão Eucarístico. Nas mãos do Menino, dois elementos: “o universo e o Verbo, a sabedoria humana e divina”. É daqui, finalmente, que renasce a esperança: da Eucaristia, “da força do passado”, para interpretar criativamente o presente e “apostar” com confiança no futuro — confiando sempre na ajuda solícita de Maria.

Ao final da meditação da religiosa, o Santo Padre saiu em procissão, da Sala Paulo VI, carregando a Cruz do Jubileu até a entrada da Basílica de São Pedro, passando pelo Arco dos Sinos. Entrou na Basílica Vaticana, passando pela Porta Santa.

Papa Leão XIV em procissão com a Cruz do Jubileu nesta segunda-feira, 9/ Foto: REUTERS/ Guglielmo Mangiapane

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

↑ topo