Discussão acerca da proibição do uso de celulares nas escolas liga alerta para consequências da utilização excessiva de aparelhos eletrônicos por crianças e adolescentes
Gabriel Fontana
Da Redação
Recentemente, o uso de aparelhos celulares por crianças e adolescentes nas escolas chamou a atenção entre pais e educadores. O assunto foi colocado no centro de discussões devido à preocupação com o desenvolvimento e o aprendizado de jovens, uma vez que a utilização não moderada dos telefones pode gerar alguns prejuízos.
O Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2023, publicado recentemente pela Organização das Nações Unidas para a Cultura, a Ciência e Educação, reconhece as potencialidades da aplicação de recursos tecnológicos na educação. Contudo, entre outros alertas, o estudo chama a atenção para o risco de distração e a falta de interação humana entre os alunos.
Atuante na área da educação, Older Leite já teve experiências em instituições que proíbem o uso do celular e em escolas que permitem a utilização dos aparelhos. O professor e auxiliar de coordenação pedagógica partilha que os colégios têm adotado uma postura cada vez mais rígida quanto à presença dos dispositivos, forçando os alunos a prestarem atenção nas aulas. Contudo, ainda há estudantes que resistem e tentam burlar as regras.
Leite testemunha que o maior número de ocorrências se dá a partir do 9º ano do Ensino Fundamental, de forma que o comportamento dos alunos mais velhos tende a ser de maior resistência às regras de proibição do celular de maior frequência de uso.
Tal comportamento impacta no processo de ensino-aprendizagem, que exige atenção e pode ser prejudicado por qualquer elemento que cause distração. “O que ocorre é que, entre os fatores de distração, o celular talvez seja o maior de todos”, cita o professor, indicando que prejuízos no aprendizado podem gerar, a curto prazo, baixas notas nas avaliações, e, a longo prazo, uma enorme lacuna no conhecimento.
Riscos para o desenvolvimento
O psicólogo Arthur de Souza comenta que o desenvolvimento infantil, inclusive da atenção e da concentração, acontece de forma gradual e constante, levando em consideração aspectos biológicos e socioculturais. Isso significa que a capacidade de atenção e concentração de uma criança é limitada de acordo com a sua idade.
“Dessa forma, quanto mais jovem, maior a vulnerabilidade à distração, tornando o uso de celulares um risco significativo para o desenvolvimento em idades menores, visto que as telas proporcionam excesso de estímulos sensoriais de forma rápida e prática, gerando uma experiência muito satisfatória e recompensadora”, explica Souza.
Consequências do uso excessivo de telas
Entre as possíveis consequências do uso de celulares na infância, ele lista: dependência, dificuldades nas relações sociais, tendência a evitar exercícios físicos, baixa tolerância a frustrações, dificuldade de aprendizagem, impaciência, distorção da realidade entre outros.
Neste contexto, o psicólogo confirma que a utilização desses aparelhos na escola pode ser um fator importante de distração, podendo interferir na concentração e atenção dos alunos devido à quantidade de notificações e estímulos. Além disso, sinaliza que os celulares podem até mesmo servir como uma forma de fuga diante de tarefas complexas, evitando lidar com desafios e responsabilidades e preferindo buscar por conteúdos rápidos e fáceis que proporcionem prazer imediato com pouquíssimo esforço.
A neurocientista Emily Pires detalha que o uso intenso de telas ativa circuitos dopaminérgicos, reforçando mecanismos de recompensa rápida que dificultam o foco em atividades menos estimulantes, como o estudo. “Além disso”, acrescenta, “pode afetar a arquitetura cerebral de regiões responsáveis pelo planejamento e pela resolução de problemas, aspectos essenciais para o desempenho acadêmico”.
“Diante desta alta exposição a estímulos rápidos e fáceis”, retoma Souza, “o uso da tecnologia diminui a capacidade do indivíduo em resistir a impulsos, enfraquecendo o controle inibitório, proporcionando baixa tolerância à frustração e, consequentemente, dificultando as relações sociais devido à diminuição da paciência, atenção e percepção”.
Riscos no campo emocional e mental
Outro aspecto prejudicado pelo uso de celulares que o psicólogo ressalta é a autorregulação emocional, que é a capacidade de controlar emoções, pensamentos e comportamentos em prol de objetivos de longo prazo. “Na prática, crianças com baixo controle inibitório têm mais dificuldade em manter a disciplina em atividades acadêmicas, prejudicando o desempenho escolar e o desenvolvimento cognitivo”, observa.
“O uso intenso de telas ativa circuitos dopaminérgicos, reforçando mecanismos de recompensa rápida que dificultam o foco em atividades menos estimulantes, como o estudo.”
– Emily Pires, neurocientista
O excesso de uso de telas também está fortemente ligado ao desenvolvimento de transtornos psicológicos como ansiedade e depressão, aponta Souza, devido à comparação proveniente das redes sociais.
Apesar de tantos aspectos negativos, pontua o psicólogo, também é possível encontrar benefícios na utilização da tecnologia. Entre os pontos positivos encontram-se o aumento da comunicação e facilitação ao acesso a informações, proporcionando conhecimento e pesquisa para adolescentes com necessidade de mediação do professor em sala de aula com opção de utilizar aplicativos e jogos interativos que estimulam o conhecimento e o desenvolvimento do aluno.
Recomendações
Pires recorda as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de associações pediátricas quanto ao tempo de exposição a telas recomendado para cada faixa etária. Para crianças com idade entre dois e cinco anos, o ideal é até 1 hora por dia de tela de alta qualidade, com a supervisão de um adulto.
Para aqueles que têm entre seis e 12 anos, a recomendação é de cerca de uma a duas horas por dia, para uso recreativo. Por fim, para adolescentes de 13 a 18 anos, recomenda-se não mais do que duas a três horas por dia, para lazer – esse tempo exclui o uso para atividades escolares e educativas, mas é importante manter o equilíbrio.
“Esses limites ajudam a prevenir os efeitos prejudiciais do uso excessivo”, sinaliza a neurocientista, “proporcionando intervalos para que o cérebro se desenvolva em um ambiente com mais estímulos físicos e sociais”.
Entre algumas estratégias neurocientificamente recomendadas para a promoção de um desenvolvimento saudável, Pires cita a criação de “zonas livres de tecnologia”, o estímulo a atividades físicas e sociais, a criação de uma rotina equilibrada, com horários claros para cada momento do dia, e o incentivo a atividades de leitura e aprendizado offline.