Somos seres capazes de amar e constituídos para amar, afirma psicólogo em reflexão sobre a construção da civilização do amor
Élison Santos*
“O amor é a forma mais alta e mais nobre de relação dos seres humanos inclusive entre si. Consequentemente o amor deverá animar todos os setores da vida humana, estendendo-se também à ordem internacional. Só uma humanidade onde reine a civilização do amor poderá gozar de uma paz autêntica e duradoura”. (João Paulo II)
A proposição de uma civilização do amor presente no cerne das religiões revela, não apenas um acreditado desejo de Deus, mas também um anseio humano, uma necessidade humana também expressada na Declaração Universal dos Direitos Humanos que foi escrita, dentre outros motivos, como consequência da maior guerra que a humanidade vivenciou.
A Organização das Nações Unidas, os tratados de paz, o desenvolvimento das ciências sociais e psicológicas, os avanços dos movimentos interculturais, os congressos internacionais que reúnem pessoas de diferentes culturas e regiões para discutir temas profissionais e sociais em diferentes áreas do saber, o “boom” das redes sociais conectando jovens, adultos e crianças do mundo inteiro em um compartilhamento de experiências e conhecimentos sem precedência na história, a admirável mobilização mundial para o acompanhamento dos Jogos Olímpicos, são todos sinais de que a humanidade caminha a passos largos para um lugar de maior tolerância e maior compreensão entre os povos.
Embora, por outro lado, ainda exista muitos líderes sociais que caminham na paralela de sua própria existência e estejam em lugares de poder, tendendo a buscar conflitos destrutivos para se autoafirmarem, utilizando do poder que possuem para incitar o ódio e promover a guerra, a grande maioria da humanidade deseja viver o amor e a paz.
Immanuel Kant elabora um conceito de paz mundial onde, para ele, esta paz seria possível através de uma ‘república’ única, capaz de representar as aspirações de paz de todos os povos e indivíduos. Hobbes postula sobre a necessidade de um contrato social para a estruturação de um Estado que proteja o direito de todos.
Construímos, ao longo da história, uns pequenos, outros nem tanto, estruturas organizadas que protegessem os interesses destes grupos, estes Estados que visam proteger seus interesses diante dos outros Estados. Países que se organizam ao redor do globo terrestre com o objetivo de proteger o direito dos seres humanos que ali vivem.
Bons e maus – responsabilidade social
A ética do ‘bad News is good News’ rege o jornalismo em sua maioria oferecendo ao cidadão uma ideia de que o mundo piora, uma sensação de medo e insegurança, propiciando que se construa um ambiente onde os bons pareçam ser fracos, incapazes e até mesmo minoria e os maus pareçam ser mais fortes, mais eficazes e poderosos ao ponto de controlar os bons.
Mas, existem bons e maus? Vimos que todos temos a capacidade de amar e nascemos com uma tendência natural ao bem, contudo nossa história de vida pode nos conduzir a uma vida de delinquência, ao crime e nossos atos se tornam maus, pois não consideram o bem comum, é quando o amor é abafado pela insegurança e é controlado pela soberba, pelos sentimentos de ódio e uma necessidade doentia pelo poder sobre os outros.
Se, por um lado, um adolescente ressentido pela falta de amor em casa, que busca conquistar a atenção e o respeito do mundo, que não tenha recebido uma educação de princípios e valores para conviver em harmonia com as pessoas ao seu redor, vê que as pessoas que recebem mais audiência na TV são os criminosos e que logo ali, na esquina de sua casa, tem um traficante lhe oferecendo proteção, dinheiro e oportunidade de poder que de certa forma o valoriza, lhe pareceria razoável optar pela vida no mundo do crime.
A pessoa é responsável por seus atos, sempre, mesmo diante dos condicionamentos mais agressivos, sempre a pessoa terá uma possibilidade de escolha, ainda que mínima, contudo, não podemos deixar de refletir sobre nossas responsabilidades como sociedade.
Os pais têm um papel determinante na educação e na transmissão de valores para os filhos, a escola e seus modelos educacionais exercem um papel de formação intelectual e cultural que influenciam também de forma determinante no desenvolvimento da criança e do adolescente, os meios de comunicação, os governantes, as políticas públicas, os artistas, os desportistas, os vizinhos, parentes, colegas e amigos que convivem com o indivíduo.
Todos compartilhamos certo grau de responsabilidade sobre como as crianças e adolescentes desenvolvem suas capacidades para viver o bem e suas possibilidades para viver o mau.
Sentido da vida
A vida tem sentido e o sentido é projetado pela consciência de uma pessoa em uma perspectiva de futuro, não somos seres do passado, nem mesmo seres do presente, a mobilização de nossa vida se movimenta para o futuro, todos os exemplos de busca de sentido da vida descritos por Frankl estão relacionados a uma perspectiva futura, e todas se relacionam direta ou indiretamente ao vínculo com outras pessoas.
Somos seres capazes de amar, constituídos para amar, moldados para o convívio harmonioso com outras pessoas. Se perguntarmos a um pai que ama sua família o que lhe traz sentido, ele certamente falará de seus filhos e sua esposa e como ele projeta sua vida para o futuro tendo em vistas o bem-estar de sua família, também buscará estar ligado a esta família sempre.
Quando se pergunta a um jogador de futebol que ama o que faz sobre o que lhe traz sentido, entre sua família e outros amores, ele certamente falará que é o futebol e apresentará planos futuros de como defender seu time e fará de tudo para estar em um bom relacionamento com seu time.
Nossa mobilização futura em busca do sentido da vida está intrinsecamente relacionada com nossos vínculos afetivos e como nós convivemos com estas pessoas. O que representaria uma Civilização do Amor baseada nestes princípios? Como poderíamos construir uma Civilização do Amor, partindo do pressuposto de que esta construção nos auxiliaria a superar os principais problemas sociais de preconceito, intolerância, violência e guerras?
Construir a civilização do amor
Somos um grupo gigantesco de mais de 7 bilhões de pessoas que temos muitas coisas em comum, estas coisas precisam ser valorizadas, há que se ajudar as pessoas em todo o mundo a compreender o quanto o planeta terra, com sua natureza, o meio ambiente, as riquezas e recursos naturais, bem como os avanços tecnológicos, a medicina, as ciências sociais, psicológicas, e todos os tipos de conhecimentos científicos, são todos compartilhados e fazem parte de uma só riqueza que pertence a todos.
Contudo, a compreensão de que tudo é de todos não é o bastante para se fundamentar uma Civilização do Amor. É necessário a construção de objetivos em comum que não se visa apenas a manutenção deste grupo em si mesmo, pois o amor próprio como vimos, representa uma preservação que só tem sentido quando voltada para o outro, ou seja, só faz sentido estarmos unidos se for para uma tarefa em comum que vá além da manutenção do que possuímos no presente.
A possibilidade de avanço nas ciências mobiliza e une cientistas do mundo todo, é o que fundamenta a realização de congressos internacionais nas diversas áreas, estão todos entusiasmados em produzir conhecimentos novos e compartilhá-los para se produzir mais e mais. Estes avanços no mundo das ciências podem unir pessoas do mundo todo, assim como no mundo das artes e do esporte. Quanto mais pessoas receberem uma educação de alto nível, mais as pessoas estarão projetadas para um futuro de unidade planetária e de uma vida repleta de sentido que contribuirão para a construção desta Civilização do Amor.
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* Élison Santos, Psicólogo e Palestrante. Atende adultos e adolescentes e é Terapeuta de Casais em São José dos Campos. Realiza aconselhamento psicológico Online através do Skype. É especialista em Análise Existencial e Logoterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Curitiba. Oferece Cursos Online sobre relacionamento e comportamento humano em sua página www.elisonsantos.com. É participante do Programa Trocando Ideias.