CNBB
Em todos os momentos da história da humanidade, as pessoas com deficiência foram alvo de comportamentos e reações distintas e contraditórias de exclusão e integração, conforme os diferentes contextos da sociedade.
Esses comportamentos foram mudando de acordo com as transformações sociais, as descobertas científicas e tecnológicas e as mudanças culturais e econômicas ocorridas. A atenção com as deficiências e as pessoas com deficiência no Brasil tem uma história rica de eventos e é pouco conhecida.
A Igreja teve papel relevante nessa história. Ao tratar desse aspecto, muitos julgam e condenam os atores de uma época passada, com os pretensos valores culturais e morais contemporâneos.
Julgamentos e preconceito
Diante dessas críticas, o passado fica sem direito à defesa. Um dos maiores problemas e desafios de quem deseja olhar para o passado e enxergar seu futuro é evitar a cegueira do anacronismo.
E uma das piores discriminações no tema das deficiências é a de assumir nosso tempo como centro e referência, julgando épocas passadas e seus personagens, por meio das idéias, valores, sentimentos e padrões de comportamento do meio social de hoje, rompendo a unidade do elo temporal e histórico. Já no século XVI, os jesuítas desenvolveram pequenos sistemas para permitir a locomoção para pessoas com problemas de deficiências motoras.
O próprio padre Anchieta tem escritos sobre sua deficiência motora. Apesar da pouca documentação disponível, por volta de 1600, há registro de atendimento escolar para aluno portador de deficiência física em uma instituição especializada e particular, em São Paulo.
O Método Braille
Foi no final do século XVIII que se iniciou, de forma sistemática, o ensino dos cegos, na França. Em 1784, Valentin Haüy (1745-1822), homem de ciência e coração, fundou em Paris a primeira escola destinada à educação dos cegos e à sua preparação profissional, com apoio da Coroa francesa: Instituição Real dos Jovens Cegos.
Nela, Louis Braille desenvolveu seu sistema, e a publicação Processo para escrever as palavras, a música e o cantochão por meio de pontos, para uso dos cegos e dispostos para eles, de forma definitiva, ocorreu em 1837.
No Brasil, em 1835, o deputado Cornélio França apresentou um projeto, propondo a criação do cargo de professor de primeiras letras para o ensino de surdos-mudos, tanto no Rio de Janeiro quanto nas províncias. Num contexto legislativo difícil, seu projeto não prosperou.
Em 1839, o desembargador Maximiliano Antônio de Lemos sabia da existência, na Europa, das primeiras escolas para a instrução de cegos. Indo à França, conheceu essas iniciativas e trabalhou para viabilizar, tanto com as autoridades francesas como com os brasileiros residentes em Paris, a formação de uma criança cega, brasileira, no Instituto dos Cegos.
Em 1842 voltou ao Brasil, e após várias gestões, em 1844, partiu para Paris um menino cego, José Álvares de Azevedo, com pouco mais de 9 anos de idade. Em seis anos de estada no Instituto dos Cegos de Paris alcançou excelente educação e retornou em 1850.
Trouxe uma coleção de livros impressos e manuscritos em pontos salientes, cartas geográficas, pranchas e grades para escrita e operações de aritmética, objetos até então, aqui, nunca vistos.
Criação do Instituto Nacional de Educação dos Surdos
Azevedo foi convidado a expor seus conhecimentos ao imperador D. Pedro II. O monarca, antevendo imediatamente a extensão dos benefícios que podiam auferir os cegos, proclamou: “A cegueira já não é uma desgraça!”. Imediatamente planejou a fundação, na corte, de uma instituição para educação dos meninos cegos.
O conselheiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz encaminhou o projeto para a criação de tal instituição. Em 12 de setembro de 1854, o imperador D. Pedro II, com o Decreto Imperial n. 428, fundou no Rio de Janeiro o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, nome esse que mudou para Instituto Nacional dos Cegos. Hoje denominado Instituto Benjamin Constant, com 152 anos de existência.
Foi ainda D. Pedro II que, com a Lei n. 839, de 26 de setembro de 1857, fundou o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, hoje denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), com 149 anos de existência.
O atendimento feito pelo Instituto dos Cegos e pelo Instituto de Surdos-Mudos, considerado no seu contexto histórico, foi muito significativo para seu tempo. Eles tiveram o mérito de realizar, em 1883, o 1º Congresso de Instrução Pública, que abriu a discussão da educação dos portadores de deficiência no país. Durante o congresso, foram tratados temas como sugestão de currículo e formação de professores para cegos e surdos. Em 1883!
No século XX
A Reforma Francisco Campos/Mário Casassanta, instituída pelo Decreto-Lei n. 7.870-A, de 15 de outubro de 1927 (Ensino Primário), tratou do tema da inclusão escolar das pessoas com deficiência e prescrevia a obrigatoriedade de freqüência à escola para crianças de 7 a 14 anos, podendo ser ampliada até 16 anos para os que não concluíssem o primário aos 14 anos.
Após a década de 1930, surgem novas instituições, de caráter filantrópico, especializadas em educação para pessoas com deficiência, tais como o Lar das Moças Cegas (SP) e a Sociedade Pestalozzi (MG),21 hoje congregando mais de cem entidades no país. Elas foram pioneiras na educação especial.
Até a metade do século XX, destinados ao atendimento escolar especial à pessoa com deficiência mental, havia quarenta estabelecimentos públicos de ensino regular, sendo um federal e os demais estaduais.
Havia também catorze estabelecimentos de ensino regular, dos quais um federal, nove estaduais e quatro particulares, que atendiam alunos com outras deficiências. Também havia três instituições especializadas (uma estadual e duas particulares) no atendimento de pessoas com deficiência mental e oito (três estaduais e cinco particulares) na educação de outras pessoas com deficiência. Além das instituições de caráter religioso, ajudadas por subvenções do Estado e donativos da comunidade.
Surgimento dos Centros de Reabilitação
Após a Segunda Guerra Mundial, apareceu no Brasil uma forte epidemia de poliomielite, afetando indistintamente todas as classes sociais. Isso levou ao surgimento dos primeiros centros de reabilitação.
A sociedade civil se organizou para formar instituições geridas fora do aparelho estatal, tais como, em 1952, a então Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD), em São Paulo.
Em 1954, no Rio de Janeiro, é criada a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR). Em meados da década de 1950, foi fundada, no Rio de Janeiro, então Capital Federal, a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).
Atualmente, existem mais de 2 mil APAEs espalhadas 21 pelo Brasil. . Elas atendem cerca de 280 mil pessoas com algum tipo de deficiência intelectual. No século XX, deficiências e pessoas com deficiência foram objeto de muitos estudos científicos, no campo da Psicologia,da Medicina, da Pedagogia, da Terapia Ocupacional, da Fonoaudiologia, da Fisioterapia, da Psicopedagogia etc.
Obtiveram-se novidades e alternativas terapêuticas de toda ordem. Nesse esforço emergiu o chamado “modelo médico da deficiência”, muito ligado à temática da reabilitação. Esse modelo tende a considerar a deficiência como um “problema” da pessoa, a ser resolvido com tratamento individual prestado por profissionais, com vistas a se obter a cura ou a adaptação da pessoa ao ambiente.
Segundo essa tendência, cabe sobretudo à pessoa a tarefa de tornar-se apta a participar da sociedade. Seu corpo precisa ser “consertado”, “adaptado”, “normalizado” para poder funcionar a contento no ambiente social existente. Isso levou ao surgimento de muitas clínicas, instituições de educação e reabilitação e a um aumento dos internamentos.
A política de prevenção evoluiu. No final da década de 1950, surge nos países escandinavos o “princípio da normalização”, preconizando que as pessoas com deficiência poderiam viver uma vida mais “normal”.
A sociedade deveria processar ajustes para interagir com as pessoas com deficiência – “paradigma integracionista”. Embora difundido em diversos países, sua aprovação pelos formuladores de políticas públicas não foi o ideal. Em muitos casos, houve uma tendência a valorizar a cura ou melhoria da deficiência, em detrimento de efetivas mudanças na sociedade.
No Brasil: inclusão social a caminho
Enquanto isso, no Brasil, a ação governamental continuava insuficiente, limitando-se à concessão de aposentadorias por invalidez administradas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP).
Progressivamente, a partir da segunda metade do século XX, deu-se início ao modelo da inclusão social, marcado pelas conquistas dos direitos humanos e uma progressiva busca pelo reconhecimento de direitos específicos. Na década de 1950 configurou-se um arcabouço jurídico voltado às pessoas com deficiência.
Com o Decreto n. 44.236, o Governo Federal instituiu uma campanha de educação e reabilitação para pessoas com deficiência visual, e com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), surgido a partir da fusão dos institutos existentes, apareceu o primeiro serviço governamental de reabilitação. Até o ano 2000, o país conheceu uma enorme evolução na legislação relativa às pessoas com deficiência (Anexo 2).
O Estatuto da Pessoa com Deficiência é um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional. Dentre esses avanços legislativos, abrangendo problemas de assistência econômica e social, acesso aos locais públicos, combate à discriminação etc., cabe destaque à aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n. 9.394/96. Ela garante a educação e o atendimento especializado, na rede regular de ensino, com apoios necessários.
O aluno com deficiência já tem assegurado, conforme a Lei n. 7.853/89, a matrícula compulsória em estabelecimentos públicos e privados de ensino, considerando-se crime recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da sua deficiência.