Doutrina Social da Igreja

Trabalho foi feito para o homem e não o contrário, diz especialista

Necessário para a subsistência humana, porém problemático quando exaltado em detrimento das demais relações sociais. Nesta última reportagem da série especial sobre Doutrina Social da Igreja, o tema é a visão cristã do trabalho.

A Igreja sempre viu o trabalho como muito importante, pois foi colocado pelo próprio Deus como meio de redenção. Quem explica é o professor Felipe Aquino, que dá aulas sobre História da Igreja.

Ele destaca as duas finalidades do trabalho, sendo a primeira delas a construção da obra de Deus. “Deus não entregou o mundo pronto pra gente. Deus valoriza o homem quando Ele dá inteligência e as mãos para com isso o homem trabalhar e construir, colocar a sua marca na criação de Deus”. Outra perspectiva é a da redenção, tendo em vista que com o trabalho o homem fica ocupado e não tem desvio para os vícios.

Felipe acrescenta que, desde os primeiros séculos, o trabalho foi visto como importante na vida da Igreja. Os monges beneditinos, por exemplo, dividiam sua vida em duas partes: rezar e trabalhar. Ele explica que foi justamente no contexto da Revolução Industrial que a Igreja iniciou sua doutrina social, com o Papa Leão XIII. Com a Encíclica Rerum Novarum, o então Pontífice pediu a justiça social, incentivando as classes trabalhadoras a defenderem seus direitos justos.

“Nós podemos dizer que a Igreja foi uma das primeiras instituições que levantou essa bandeira da justiça social. Mas ela nunca aceitou o confronto, a luta de classes, a violência”.

Outra relação direta do trabalho é com a dignidade humana. Membro da Comissão para a Caridade, Justiça e Paz da CNBB, Dom Pedro Luís Stringhini diz que o trabalho é a medida da dignidade. “Quem não tem trabalho sente-se ferido em sua dignidade. (…) O desemprego é uma grande chaga, já que o trabalho, como dizia o Papa João Paulo II, é a 'chave da questão social'".

Excesso x necessidade

Embora necessário para a dignidade humana, professor Felipe lembra que o homem não foi feito para o trabalho, e sim o contrário. "O homem não pode ser escravo do trabalho. E isso acontece quando ele se torna egoísta e quer se enriquecer demais pelo trabalho e acaba sacrificando sua própria vida, a vida da família, aí é um perigo".

O perigo é eminente tendo em vista que o trabalho, na verdade, não é um fim, e sim um meio. Mas no contexto atual não é raro encontrar uma inversão de valores, que colocam o trabalho e o dinheiro acima da pessoa humana. Um exemplo disso, segundo Dom Pedro, é a exploração.

"A exploração acontece sempre quando alguém está buscando lucro para si de modo egoísta, e lucro exagerado, pior ainda quando vindo da corrupção", disse.

Outra questão levantada por alguns é a não-necessidade de trabalhar. A justificativa é o princípio da transitoriedade humana, dizendo que a vida verdadeira é na eternidade. Professor Felipe lembra, porém, que esta vida eterna se prepara aqui no mundo.

“Cada minuto que a gente vive aqui a gente está semeando a eternidade e o trabalho é um desses meios. O trabalho é santificador. A precariedade das coisas exige mais ainda que o homem trabalhe, porque se eu não trabalho eu não consigo vencer essa precariedade”.

Descanso

A Igreja valoriza as férias, o período de descanso para o trabalhador. Mas o conceito de descanso, segundo esclarece Felipe, não é ficar sem fazer nada, e sim mudar de atividade. Ele explica que há a necessidade de sair da rotina de trabalho e ter, por exemplo, mais tempo de lazer e para os filhos.

“O conceito que a Igreja coloca de descanso e de férias não é ociosidade, mas uma mudança de atividade para re-oxigenar a cabeça, o corpo, descansar. O conceito de descanso não é o do ócio, porque o ócio pode levar ao pecado e ao vício. Então, é você se ocupar com outras atividades que levem ao descanso”.

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