Artigo Frei Moser

Terapia Celular: Esperanças e Ilusões

Em termos midiáticos, o Projeto Genoma Humano marcou a virada do século e do milênio como um dos personagens mais destacados. Junto com sensacionais descobertas na linha de conhecimentos genéticos, abriram-se perspectivas inusitadas em termos terapêuticos, sobretudo a partir das células-tronco. No Brasil, os debates relacionados com a Lei de Biosegurança fizeram com que até  pessoas simples passassem a tomar partido frente ao que se  configurou como um impasse sem precedentes entre ciência e fé.

Para um certo número de pessoas, ciência virou sinônimo de poderes divinos e religião sinônimo de entrave maléfico para o progresso e para a cura de uma série de doenças de cunho genético. Para lançar um pouco de luz sobre toda esta problemática convém ter presentes ao menos dois  ângulos subjacentes às discussões: o do mundo das células e o do seu poder terapêutico. Com isto muitas tensões e mal entendidos poderão ser superados, abrindo caminho para um frutuoso diálogo de cunho ético entre dois campos aparentemente antagônicos.

Os progressos em termos de conhecimentos genéticos e poder de interferência humana sobre os mecanismos mais secretos da vida são inegáveis. E todos devemos nos alegrar com eles. Acontece que o mundo das células revela-se como extremamente complexo. São milhões, bilhões e até trilhões de elementos que se articulam dentro de fora dos organismos para possibilitar a vida. Neste emaranhado, qualquer simplismo cria falsas expectativas e acirra as contradições. Infelizmente, os meios de comunicação social nem sempre colaboram para uma atitude de maduro discernimento. Isto só poderá ocorrer na medida em que se mantenham vivas distinções básicas, sobretudo entre células embrionárias e células adultas.

As células denominadas embrionárias já não são um simples conglomerado de células: são expressão de um novo código genético que carrega consigo todos os elementos necessários para a execução de um determinado projeto. Isto nos faz desconfiar que, a rigor, não existem células indiferenciadas. Concretamente, o sonho de “direcionar” células embrionárias tem mais a ver com ilusões do que com ciência. Ademais, as experiências até agora realizadas com embriões de animais se revelaram negativas. E de qualquer modo, extrair células de um embrião significa interromper sua trajetória vital.

Já as células adultas, espalhadas por todo o organismo, ainda que mais  concentradas na medula óssea e no cordão umbilical, são mecanismos de reposição, com propriedades regenerativas. O anúncio da descoberta de tais células no líquido do saco amniótico não se constitui em nenhuma surpresa. O que surpreende é que no anúncio se confundam estas células adultas, com células embrionárias. Como também as notícias recentes sobre a eventual possibilidade de transformar células adultas em embrionárias a rigor não é tão nova assim, uma vez que um bom segmento de especialistas sempre sustentou que as esperanças verdadeiras, ainda que a longo prazo, se localizam nas células adultas. De qualquer forma, célula é célula e embrião é embrião.

Uma vez feitos estes esclarecimentos, logo se percebe que Eistein teve uma expressão muito feliz quando afirmou não existir verdadeiro conflito entre ciência e fé. Para Eistein, e outros cientistas de renome, quem sustenta tal conflito é porque não entende nem de religião, nem de ciência.

Religião e ciência se constituem em olhares diferentes e necessários para uma mais adequada compreensão da realidade e dos caminhos que conduzem à realização dos seres humanos. Esta realização só pode ocorrer na medida em que a vida seja respeitada em todas as suas manifestações e em todas as suas fases. Ademais, tanto cientistas quanto teólogos, desde que sérios e competentes, sabem que qualidade de vida não se confunde pura e simplesmente com mecanismos genéticos. Qualidade de vida pressupõe um árduo trabalho que conjugue as múltiplas dimensões da vida, envolvendo aspectos econômicos, sociais, culturais, psicológicos, afetivos  e espirituais.

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