Artigo - Frei Moser

RNA: Emerge mais um misterioso personagem

Nas mais do que justificadas solenidades que, na virada do século e do milênio, comemoraram o fechamento do Projeto Genoma Humano, colocava-se uma questão: estaríamos na conclusão definitiva de um megaprojeto que desvelou os mistérios da vida do ponto de vista genético, ou esse teria sido, ao mesmo tempo, a abertura para novas e mais emocionantes pesquisas?

Não demorou muito para que certas conclusões então consideradas definitivas sobre o patrimônio genético humano fossem  suplantadas por novas descobertas. Assim, por exemplo, dava-se como certo que o número de genes constitutivos do nosso genoma seria de 30 mil. Hoje há quem julgue que talvez sejam 20 mil. Havia quem afirmava que apenas 3% do material genético seriam "codificantes", ou seja, responsáveis pela constituição do nosso ser, enquanto que 97% não passariam de "refugo" ou "lixo genético". Mas logo se percebeu que nesse "lixo" se encontram pedras preciosas; mais exatamente, é nele que vem guardada nossa história genética.

Nos anos seguintes, em meio a um verdadeiro turbilhão de descobertas reais e teorias nem sempre bem fundamentadas, junto com o "genes" o personagem mais importante chamava-se DNA; expressão para designar substâncias químicas envolvidas na transmissão de caracteres hereditários e na construção das proteínas. Outros personagens só apareciam como coadjuvantes.

Dia após dia anunciava-se o sucesso na leitura do código genético de mais algum ser vivo. Há pouco tempo se anunciava que um dos cientistas que descobriram a estrutura de dupla hélice do DNA, James Watson, havia colocado o mapeamento de seu próprio DNA à disposição de estudos. E assim, aos poucos, ia se firmando a convicção que em matéria de genética já se conhecia quase tudo e que em termos de terapia genética os avanços eram tão rápidos que em pouco tempo até as mais terríveis doenças seriam vencidas.

Para confirmar essas convicções há poucos dias foi "decodificado" o DNA de ninguém menos do que o vírus da Aids (HIV1). Temos mais do que razões para comemorar mais essa descoberta. Acontece que tal descoberta trouxe novas interrogações a respeito de um personagem até aqui considerado mero coadjuvante: o RNA, uma espécie de simples mensageiro encarregado de transportar as informações necessárias para a produção das proteínas das células.

Basicamente essa descoberta trouxe duas surpresas. A primeira é a de que não existem somente várias classes de RNA, com funções diferentes, mas que, também, ao contrário do DNA, com duas fitas, o RNA é constituído por uma única fita. A segunda surpresa: as informações contidas no RNA são muito complexas para serem "decodificadas", pois essa única fita como que se dobra em intrincadas estruturas que mais ocultam do que revelam as informações. Inclusive, seria em meio ao emaranhado de informações aparentemente contraditórias que o vírus do HIV encontraria modos surpreendentes para escapar das defesas imunológicas do organismo.

Diante disso  temos um motivo a mais para subscrever uma declaração do microbiologista Carlos Frederico Menk, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, publicadas recentemente: "A genética é um livro que acabamos de abrir. Estamos agora decifrando as primeiras sílabas. Em breve descobriremos como se formam as palavras e frases nesse idioma desconhecido" (Revista Veja. 12/08/09, p. 128). E uma vez mais deve-se concluir que os verdadeiros cientistas são ao mesmo tempo sábios: diante da complexidade dos mecanismos da vida, celebram suas conquistas, mas com muita humildade.

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