Artigo Frei Moser

Qualidade de vida: prenda genética ou conquista dos laboratórios?

Falar em "qualidade de vida" tornou-se uma constante em todos os níveis sociais. Desde o mais rico até o mais pobre, todos buscam uma melhor qualidade de vida. É claro que não há nada de negativo nisto. De alguma forma pode-se dizer que isto sempre correspondeu aos anseios humanos: viver mais e melhor. A problemática começa a surgir quando nos perguntamos pelo sentido desta expressão e pelos fatores que vão incidir sobre a qualidade de vida.

Embora ainda haja quem confunda “qualidade” com “longevidade”, hoje fica cada vez mais claro que alguém pode gozar de boa qualidade e viver pouco; outros podem viver muito e jamais ser beneficiado por uma boa qualidade de vida. Por isto mesmo cabe a pergunta sobre os fatores que determinam a qualidade de vida.

Hoje, em certos ambientes, a resposta parece ser muito simples: é uma questão genética. Desde a fecundação uns seriam portadores de um código genético privilegiado, e outros, ao contrário, já teriam partido em desvantagem. Ou seja: nesta concepção a qualidade de vida seria, praticamente, desvinculada de qualquer outro fator e até mesmo de qualquer empenho pessoal. Outros dão um passo em frente, no sentido de pressuporem um “trabalho”, mas este trabalho remeteria mais para os laboratórios com tudo o que significam hoje em termos de diagnósticos e de medicamentos cada vez mais precisos.

Aqui, como em tantos outros aspectos se percebe logo que nenhuma destas concepções é aceitável, porque todas são reducionistas. Claro que o fator genético não pode ser simplesmente ignorado. Ele é tanto mais importante, quanto mais vinculado aos primeiros anos de vida; tanto menos importante quanto mais a pessoa avança em termos de longevidade. Também é claro que os laboratórios podem prestar serviços importantíssimos nas direções acima indicadas, tanto de diagnósticos, quanto de tratamentos mais precisos.

Entretanto, o que fica cada vez mais claro é que “qualidade de vida” tem tudo a ver com um esforço pessoal e social para que a todos sejam propiciadas melhores condições de vida. Com isto se sinaliza que uma pessoa privada das condições básicas, como as de alimentação, higiene, assistência médica, vai se deparar com desafios especiais. Mas com isto se sinaliza também que qualidade de vida remete para condições ambientais, políticas, sociais, econômicas. Sinaliza-se também, e sobretudo, que sem boas relações humanas ninguém goza de qualidade de vida. Assim, qualidade de vida tem tudo a ver com amizade, amor, ternura, acolhida, partilha, convívio harmônico.

Só que ao falarmos em qualidade de vida não podemos esquecer a dimensão espiritual. Será que um pecador, no sentido mais forte da palavra, pode ter qualidade de vida? Será que um portador de deficiências, pode ter qualidade de vida? E aqui os deparamos com um certo paradoxo: nem sempre qualidade de vida se conjuga com vida “saudável” no sentido usual da palavra.

Sempre houve e sempre haverá muitos homens e mulheres que desenvolveram melhor qualidade de vida justamente em condições que aparentemente seriam desfavoráveis. Traduzindo: para quem desenvolve uma espiritualidade forte, as limitações e provações são incapazes de anular a qualidade de vida. Até pelo contrário: podem favorecer o amadurecimento humano, e com isto favorecer o desabrochar de uma vida cheia de sentido.

Podemos finalizar estas reflexões com uma certeza: qualidade de vida não é em primeiro lugar fruto da genética, nem em segundo lugar é fruto das conquistas dos laboratórios. É antes o resultado de fatores múltiplos que são trabalhados de maneira adequada pelas pessoas e pelas sociedades.

No que se refere à longevidade, não há muito o que dizer, a não ser isto: todos, no fundo, queremos viver muito, mas isto nem sempre depende de nós. E deveríamos acrescentar uma observação curiosa: grandes personalidades, como Jesus Cristo, São Francisco, Santa Terezinha … e tantas outras pessoas viveram pouco, mas deixaram marcas profundas na história.

Outras pessoas viveram muito mas, como observa o livro do Eclesiástico, cap.44, foi como se não tivessem vivido. Talvez uma maneira prática para entender o sentido de qualidade de vida e longevidade seja ler com atenção uma frase que se encontra gravada no túmulo de São Domingos Sávio, que viveu apenas 15 anos: “quia plenus”. Traduzindo livremente: partiu cedo porque, num curto espaço de tempo já havia cumprido plenamente sua missão.

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

↑ topo