Artigo Frei Moser

Onde se encontram as raízes da crise financeira?

Poucos são os analistas que há algum tempo vêm alertando para a possibilidade de uma crise financeira profunda e global. Absolutamente ninguém ousou fazer um diagnóstico sobre as proporções que ela está ganhando no decorrer dos dias. Até parece que os bilhões injetados no sistema financeiro em todo o mundo nada mais fazem do que alimentar a própria crise. Isto nos leva a desconfiar que esta não é apenas financeira; mas parece ter outras dimensões mais profundas.

De fato, se fosse apenas financeira, bastaria juntar as muitas reservas, sobretudo dos países mais ricos, para amainá-la. Passadas algumas semanas, a crise deixa de mostrar apenas seu rosto financeiro para ir revelando também seu rosto econômico. Ou seja: a questão não está apenas no gerenciamento do dinheiro, mas aponta para modos de produção. Até agora a inadequação destes modos de produção vinha sendo localizada sobretudo na direção do "drama ecológico" . Agora se começa a evidenciar que também este é apenas um ângulo a ser levado em consideração, mas ainda não nos permite afirmar que conseguimos fazer um diagnóstico autêntico da raiz mais profunda desses males.

É nesta altura que justamente os mais liberais e os mais avessos a qualquer referência de cunho religioso e ético se vêem obrigados a reconhecer onde se encontra o nó da questão: o que está vindo à tona em meio à crise financeira e econômica é a falência de uma concepção de sociedade e de economia fundamentada em "valores" tão voláteis quanto os das bolsas virtuais.

De fato, se a algum tempo nos vemos obrigados a reconhecer a inviabilidade de um certo socialismo sem Deus, agora somos obrigados a reconhecer que o denominado capitalismo neoliberal também não passa de uma ilusão. É a ilusão de construir um castelo sobre a areia, onde os fundamentos não sejam os do trabalho solidário, mas aqueles da lei dos mais fortes. Traduzindo: ninguém mais pode se dar ao luxo de sonhar com uma nova humanidade se todos, juntos, não se empenharem para recobrar aqueles valores que caracterizam os seres humanos como tais.

Para reconhecer estes valores não é preciso nem ser cristão: basta aproveitarmos a hecatombe atual para localizar nossos males de raiz e passarmos juntos a buscar, honestamente, a maneira de traduzir para a vida pessoal e social os dois únicos mandamentos enunciados por Jesus Cristo: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

Em suma, para quem ainda não percebeu, a crise financeira é uma crise que aponta para o esquecimento do sentido último do nosso existir. Mais do que crise financeira e econômica, trata-se de uma crise de valores. Quem sabe este seja o momento propício para a humanidade ouvir o imperativo do bispo de Rheims, Remígio, a Clóvis (498), rei dos Francos, o que deveria ser feito para se iniciar uma vida nova: "queima o que até agora adoraste e adora o que até agora queimaste". E todos sabemos muito bem o que vem sendo adorado até agora e o que vem sendo queimado. E, portanto, todos sabemos, também, o que deverá ser valorizado e o que deverá ser queimado.

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