Na íntegra, segunda palestra de Dom Luiz Soares Vieira, arcebispo de Manaus (AM) proferida na manhã de sábado, dia 05, durante o retiro espiritual dos bispos em Itaici, na cidade de Indaiatuba (SP), durante a 45ª Assembléia Geral da CNBB.
1. SEGUIR E IMITAR O SENHOR
Se é importante ao bispo ter as atitudes de ouvir e ver Jesus, muito mais se exige dele que siga o Senhor e com ele se identifique. Isso é exigência do próprio Jesus para quantos quiserem ser seus discípulos. O ministério episcopal, sendo um serviço à Igreja-caminho do discipulado, espera que nós vivamos esses requisitos da vida cristã, para dar testemunho e incentivo a nosso povo. A contemplação verdadeiramente cristã é dinâmica e impele a ações concretas. Ao contrário da mística oriental que busca a quietude, o nirvana, a ausência do desejo, nosso encontro com Jesus desperta o desejo de ir contar quem vimos e ouvimos.
2. SEGUIR O MESTRE
Tentado por Pedro a não cumprir o plano divino que passaria pela paixão e morte para chegar à ressurreição, Jesus mostrou o caminho para ser seu discípulo: “Quem quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, carregue sua cruz e siga-me.”(Mt 16,24). Negar-se a si mesmo, abnegar-se a si mesmo, significa renunciar ao próprio “eu”, às seguranças humanas, aos bens materiais, aos laços afetivos, ao próprio trabalho, às honras eclesiásticas. Em outras palavras, é revestir-se de humildade, simplicidade e desapego. Seguir a Jesus é uma palavra que descreve metaforicamente a fidelidade do discípulo à prática da mensagem do Senhor.” Carregar a cruz diz estar condenado à morte. Para nós é estar disposto a morrer por Jesus. É já não vivermos para nós mesmos nem procurarmos vantagens, mas vivermos exclusivamente para Jesus, seus interesses e seu Reino. Seguir Jesus exige prontidão, generosidade para ir com ele para onde for.
3. O BISPO IDENTIFICADO COM JESUS
Discutindo a inutilidade da Lei para a salvação (justificação) e afirmando a Cristo como libertação da Lei e caminho único da justificação, Paulo lança um grito:”Fui crucificado com Cristo, e já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.”(Gal 2,19-20). Ser Jesus, deixarmo-nos tomar pelo coração de Jesus, pelo querer de Jesus, pelo pensar de Jesus, pelo agir de Jesus, é isso que os fiéis esperam de nós. Pelo menos que nos esforcemos para ser assim. Para Paulo foi extremamente difícil identificar-se com Jesus. Teve de deixar para trás toda a arrogância de PHD em Bíblia pela escola de Gamaliel, a soberba de achar-se o santo, o desprezo pelo povo (herança farisáica). O encontro de Damasco subverteu sua vida. Damasco vai acontecendo em doses diárias em nossas vidas. Urge ter coragem, muita coragem, para despojarmo-nos de nós mesmos e de revestirmo-nos de Jesus. O Cardeal Leme dizia que da oração rezada após a bênção do Santíssimo bastaria acontecer o pedido “Dai-nos santos pastores e dignos ministros” para transformar muita coisa. O Diretório (n 33) afirma:”O mesmo Senhor, bom mestre (Mt 19,6), sumo sacerdote (Hb 7,26), bom pastor que oferece a vida pelas ovelhas (Jo 10,11) gravou seu rosto humano e divino, a sua semelhança, a sua autoridade e a sua virtude no Bispo. Ele é a única e permanente fonte de espiritualidade do Bispo. A conformação a Cristo permitirá ao Bispo conformar-se com todo o seu ser ao Espírito Santo, para harmonizar em si os aspectos de membro da Igreja e, ao mesmo tempo, chefe e pastor do povo cristão, de irmão e de pai, de filho da Igreja e, em certo sentido, de pai da Igreja, sendo ele ministro da regeneração sobrenatural dos cristãos.”
4. O BISPO, HOMEM QUE AMA
A encíclica “Deus caritas est”enfoca muito bem a Primeira Carta de João que impressiona pela ênfase dada ao amor. “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas ele nos amou e enviou seu Filho para expiar nossos pecados. Queridos, se Deus nos amou tanto, também nós devemos amar-nos uns aos outros.”(1Jo 4,10-11). Quem ama conta para os outros seu amor, revela a pérola preciosa encontrada e o tesouro achado. O amor é a alma de tudo (1Cor 13,1-13). A missão é a resposta ao amor recebido do Pai por Jesus no Espírito Santo. Basear a missão simplesmente na virtude da fé é reduzí-la a dimensões pequenas, especialmente se a fé vem inculturada em cultura dominadora. Aí estão os exemplos de colonialismos ainda persistentes. A fonte da missão é a fé informada pela caridade, e mínimo da caridade é a justiça..
O Bispo, quando ouve e vê Jesus, segue-o e com ele se identifica, sabe que ele é Deus, e que Deus é amor. Quanto mais amarmos a todos, sem exceção tanto mais o Cristo viverá em nós e seremos sua presença em nossas dioceses e fora delas. Conhecer a Deus se faz principalmente pelo amor. Lembro que conhecer significa ter experiência. “Queridos, amemos uns aos outros, pois o amor vem de Deus; todo aquele que ama é filho de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conheceu a Deus, já que Deus é amor.”(1Jo 4,7-8).
Devido a nossa formação, somos mais conduzidos pela mente do que pelo coração. É evidente que deva existir equilíbrio entre uma e o outro. É-nos difícil aceitar que “o coração tem razões que a inteligência não consegue compreender”. A fé compreendida como virtude informada pela caridade, abre o coração para os outros e leva a ações concretas. O exemplo de Jesus na multiplicação dos pães é significativo (Mc 6,30-44).
O Bispo olha sua Diocese com amor. E a Diocese são pessoas concretas, a saber, os fiéis, os padres, os religiosos e religiosas, os diáconos. A Diocese são os que se afastaram ou aderiram a outras denominações religiosas. A Diocese são os que ainda não conhecem Jesus e que são a maioria. A Diocese é o mundo laicista e pagão que, de um modo ou de outro, luta contra Deus, seu reino e sua Igreja. A Diocese são os que nos combatem. É preciso amar a todos e a todas como Jesus faz conosco. Mais ainda, é preciso amar a todos e a todas não como propriedade e feudo episcopais. “Quem apascenta as ovelhas de Cristo como se fossem suas, não ama a Cristo mas a si mesmo.”( Santo Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de João, 123). Sto. Agostinho descreve as várias faces da caridade pastoral do Bispo com estas palavras: “De fato, embora sendo uma, gera uns e se adequa à fraqueza de outros; edifica alguns, a outros tem medo de ofender; diante de um se humilha, diante de outro se ergue com valentia; com alguns é delicada, com outros é severa; de ninguém é inimiga, de todos é mãe.”(Da Catequese dos Rudes, 15,25).
O Bispo, que ama realmente, tem um coração aberto para além de sua Diocese. Sente as necessidades de partes do mundo que têm fome e sede das coisas divinas, que batem cabeça, que vivem as amarguras do filho pródigo. A missão a nós confiada não tem fronteiras porque o envio foi para todos. “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações…(Mt 28,19). “Mas recebereis o poder do Espírito Santo que virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judéia e Samaria e até os confins da terra. (At 1,8). Santo Ambrósio escreveu numa carta:”E do mesmo modo que os apóstolos difundiram até os confins da terra, como num canto harmonioso, a voz da pregação evangélica, assim o que receber da plenitude desse rio (Jesus) começará a anunciar o Evangelho do Senhor Jesus.”( Cartas 2,1-2,4-5,7). Santo Inácio de Antioquia escreveu na Carta aos Efésios: “Jesus Cristo, nossa vida inseparável, é o pensamento do Pai da mesma forma como os bispos, em toda a extensão da terra, são o pensamento de Jesus Cristo.”
O Bispo, que ama para valer, sente em si os sofrimentos do povo, sua fome, as injustiças sociais, as enfermidades, a violência de que é vítima. Temos exemplos de grandes bispos que enfrentaram contradições e perseguições porque se opuseram a injustiças. S. João Crisóstomo, S. Basílio Magno, Santo Ambrósio, D. Oscar Romero, D. Helder e muitos outros. Quem ama vai ao encontro do que é contraditório, solidariza-se com os menores excluídos, sabe enfrentar as rejeições como Jesus o fez. A perseguição é sinal de que continuamos fiéis à missão de Jesus.
5. CONCLUINDO
Nada melhor para concluir esta meditação do que citar as palavras de Paulo (1Cor 9,16): “Pois, anunciar o evangelho não é para mim motivo de glória. Á antes uma necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho.”
6. TEXTOS PARA ORAR
Lucas 4,14-20
Isaias 58,5-7
João 15,18-16,4
Romanos 8,16-27
Mateus 28,16-20