Artigo - Frei Moser

Nossas crianças tem o direito de sonhar

Meados de outubro de 2009 ficará na história do Brasil. E isso por, no mínimo, três razões, aparentemente sem nexo, mas que se encontram estreitamente vinculadas. A primeira razão remete para a escolha do Brasil como sede das Olimpíadas de 2016. A compreensível euforia deu a todos a falsa ilusão de que a violência rapidamente seria uma triste página virada da nossa história.

A segunda razão evocada relembra Bagdá: uma verdadeira guerra, que já deixou uns 50 mortos. Entre as cenas chocantes, umas mais do que as outras, encontra-se aquela foto retomada por todos os grandes jornais: uma das vítimas do tiroteio sendo conduzida num carrinho de compras de mercado, como se fosse um saco de lixo ou qualquer outra coisa.

A terceira razão pela qual meados de outubro não mais será esquecida foi um assalto mão armada, contra um taxista. Não apenas os componentes da quadrilha seriam todos menores de idade, mas o que ameaçou o motorista com um revólver era um garoto de presumíveis 12 anos de idade.

Qual destes três panoramas é o mais chocante? Difícil de responder. E não adianta dizer que essas são cenas exclusivas das favelas do Rio de Janeiro, e muito menos que se tratam de episódios isolados. O terrorismo não conhece limites geográficos, uma vez que as cenas, transmitidas para o mundo inteiro em tempo real, invadem não apenas nossas casas, como também os nossos corações. Todos nos sentimos atingidos. A cada imagem da violência cada um de nós se sente compelido a se tornar mais violento.

Infelizmente, os que produzem filmes, vídeos e brinquedos, parecem não se aperceber que, juntamente com as imagens da TV, estão contribuindo para acirrar ainda mais os mecanismos da violência.

Entre as três cenas de horror, e os comentários mais contraditórios possíveis, um chamou particularmente a atenção. Um comentário relacionado com o crescente envolvimento de menores em todo tipo de crimes. Protegidos por uma interpretação distorcida dos direitos garantidos pelo Estatuto do Menor e do Adolescente, crianças apelam sempre mais para seus "direitos": "não me toque, pois sou protegida pelo Estatuto".

Para uns é hora de rever o próprio Estatuto. Como no caso de tantos outros estatutos, aquilo que surgiu como uma ideia luminosa para proteger os mais fracos passou a fazer parte do jogo do crime. Assim sendo, já não se deveria mais levar em consideração a idade prevista, uma vez que até mesmo as crianças sabem muito bem o que fazem. Houve mesmo quem sugerisse que idade não importa: a cada crime corresponde o mesmo tipo de castigo.

Entretanto, em meio a tantas análises disparatadas, uma, a de um já bem vivido psicólogo, não apenas causou o maior impacto, como certamente é a mais acertada: Não conseguiremos diminuir a violência se não formos capazes de criar um ambiente tal que nossas crianças possam voltar a sonhar. Crianças que nascem em meio a todo tipo de violência, e sobretudo crianças que não encontram estímulo para construir seu futuro, serão sempre tentadas a seguir o caminho daqueles que a seus olhos parecem heróis: os que atiram e matam com tiros certeiros.

Para que nossas crianças tenham garantido o direito de cultivar sonhos é preciso que os adultos coloquem, diante dos olhos delas, horizontes de vida, onde o panorama não seja mais aquele que elas presenciam a cada dia, mas aquele que todos juntos poderemos desenhar. Um horizonte onde todas as pessoas sejam tratadas como gente e onde todas se sintam estimuladas a desenvolver os talentos que Deus lhes deu.

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