A Doutrina social é um tesouro que foi se formando ao longo dos últimos cento e vinte anos, a partir da Rerum Novarum
Padre Antônio Aparecido Alves*
A Doutrina Social da Igreja tem uma dimensão histórica e como tal é filha de seu tempo, pois à luz do Evangelho ela quer lançar luzes sobre a prática dos cristãos, que se veem defrontados com os desafios de sua realidade. A Doutrina social da Igreja tem uma dimensão histórica, que se manifesta através dos documentos sociais. Esses sempre estão em sintonia com o que chamamos de “questão social”, isto é, um problema presente na sociedade e que desafia a consciência ética da Igreja a se manifestar e dar orientação para a ação dos cristãos. Um problema somente se torna uma questão social “quando é percebido e assumido por um setor da sociedade que tenta por algum meio equacioná-lo, torná-lo público, transformá-lo em demanda política, o que implica em tensões e conflitos.”¹
A questão social na revolução industrial
O conflito entre capital e trabalho está na origem da Doutrina Social da Igreja. O Papa Leão XIII enfrentou a questão operária em uma época em que começavam a se distinguir duas classes antagônicas, patrão e operários.
O primeiro documento do que chamamos de “Doutrina social da Igreja” foi a encíclica que tem o título latino de Rerum Novarum e em português “Das coisas Novas”, publicado em 1891. É preciso dizer que essas “coisas novas” já não eram tão novas assim, pois uma solução à questão operária já havia sido dada pelos socialistas através do “Manifesto do Partido comunista”, de Marx e Engels em 1848, quase cinquenta anos antes. Infelizmente a Igreja chegou atrasada com sua resposta e perdeu a oportunidade de ganhar os operários.
A questão social naquele tempo eram exatamente as precárias condições de trabalho impostas aos operários e os baixos salários, que os colocavam em uma situação de miséria imerecida, como afirma esse documento. Quem o publicou foi o Papa Leão XIII, sumo pontífice durante 25 anos, de 1878 a 1903, o terceiro mais longo da história, sem contar o de Pedro.
Na Rerum Novarum ele define o trabalho como a atividade humana destinada a prover às necessidades da vida, especialmente a sua conservação (RN, 6). Ele tem uma dignidade e não se deve ter vergonha de trabalhar para ganhar o pão do dia-a- dia, uma vez que o próprio Jesus quis ser trabalhador (RN, 15).
O trabalho é pessoal e necessário: ‘pessoal’, porque a força ativa é inerente às pessoas e porque é propriedade daquele que a exerce e a recebeu para a sua utilidade; é ‘necessário’ porque o homem precisa dele para sobreviver. O trabalho tem uma prioridade sobre o capital. O magistério posterior (Pio XI, Pio XII, João XXIII, Paulo VI) seguiu basicamente estas indicações deixadas por LeãoXIII.
“Do seu tesouro tira coisas novas e coisas velhas” (Mt 13,52)
A Doutrina social é um tesouro que foi se formando ao longo dos últimos cento e vinte anos, a partir da Rerum Novarum de Leão XIII (1891). Por isso, ao ler as encíclicas sociais devemos estar bem sintonizados com a questão social à qual elas buscavam responder, pois sem isto nossa leitura ficaria truncada. Ao mesmo tempo, devemos buscar neste tesouro as grandes orientações que visam salvaguardar a dignidade humana e o direito do pobre, pois elas são válidas tanto ontem como hoje, uma vez que o ser humano a se proteger é o mesmo.
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1 WANDERLEY, Luiz Eduardo. A questão social no contexto da globalização: o caso latino-americano e o caribenho. In: CASTEL, Robert; WANDERLEY, Luiz Eduardo; BELFIORE-WANDERLEY, Mariangela (Org.). Desigualdade e a questão social. São Paulo: EDUC, 2011, p. 63.
*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br
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