Já não era sem tempo de aparecer mais uma notícia sensacionalista sobre as conquistas com células embrionárias. Pela primeira vez, no Brasil, ter-se-ia conseguido produzir uma "linhagem" de células a partir de embriões congelados. A rigor não há novidade nisso, uma vez que em outros países, como nos Estados Unidos, já se havia conseguido este patamar há uns dez anos.
Diante do alarde provocado, convém lembrar alguns pressupostos para nos posicionarmos adequadamente diante destas "conquistas". O primeiro deles é que, hoje, tecnicamente falando, tudo é possível, inclusive criar seres com a mescla de células humanas e células de animais, procedimento já liberado em alguns países. Daí decorre uma conclusão lógica: nem tudo o que é tecnicamente possível é eticamente aceitável. Sustentar o contrário é admitir os maiores absurdos sob todos os aspectos.
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O segundo pressuposto para nos situarmos adequadamente, é o de que não está em jogo a técnica ou a capacidade técnica, mas, o fato de se produzir embriões, num crescente processo de mecanização da vida humana. Fica difícil entender como num contexto no qual, com razão, a sociedade protetora dos animais pressiona para que se salvaguardem os direitos dessas criaturas, haja quem ainda não se questione sobre os direitos de um ser humano, embora ainda em estágio embrionário. Como também fica cada vez mais difícil entender como, diante das comprovadas possibilidades oferecidas pelas células maduras ou também denominadas adultas, se insista em criar, congelar, estocar e destruir embriões.
O terceiro pressuposto é o de que embora um certo número de pesquisadores insista em afirmar que o embrião ainda não é humano, para quem se inteirou dos estudos intensificados a partir do Projeto Genoma Humano e seus desdobramentos, não há dúvida de que é no momento da fecundação que se instala um código genético único, original e irrepetível. Na transmissão da vida ocorre algo parecido com a implantação de um programa de computador: iniciado o processo, se não houver interferências externas, ele vai avançando em direção aos seus objetivos.
Outro pressuposto é o de que produzir "linhagens" não significa estar se aproximando da possibilidade de se obter cura de certas doenças de cunho genético. Se alguma perspectiva de cura existe, certamente ela não passará por estas "linhagens", mas por aquelas conseguidas com células maduras. Ademais, a absolutização das células-tronco como uma espécie de fórmula mágica para todos os males, facilmente leva a negligenciar outros meios terapêuticos, comprovados pela experiência.
Em suma, o que está em jogo no momento é como salvaguardar a dignidade humana desde a fecundação até a morte natural, num contexto aonde não apenas se mata das mais diversas formas, mas aonde a cada dia, em nome de um pretenso progresso, se acentua o risco de uma desumanização. Nunca é demais lembrar que saúde e qualidade de vida pressupõem o cuidado com cada uma e com todas as dimensões que caracterizam o ser humano. Como também nunca é demais lembrar que em termos proporcionais os males do mundo não vêm primordialmente de falhas genéticas: porém da maldade humana, comprovada em nosso cotidiano. Pense-se nos inúmeros mutilados, vítimas do trânsito, da violência urbana e das guerras. E mesmo pensando nas eventuais e inegáveis falhas genéticas, também não podem ser esquecidos inúmeros outros fatores oriundos da incúria humana.