No mês de conscientização da EB, Mônica Silva conta sobre descoberta da doença rara no filho caçula, Matteo, e lamenta preconceitos enfrentados
Julia Beck
Da redação
Outubro é o mês de conscientização da epidermólise bolhosa (EB). Segundo a pediatra e especialista em Dermatologia Pediátrica na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mariana Pasa Morgan, a EB é uma doença genética rara caracterizada pela extrema fragilidade da pele e das mucosas, o que faz com que bolhas e feridas se formem aos mínimos traumas. Devido a essa fragilidade, a pele se assemelha à asa de borboleta, por isso, assim são chamados os pacientes com EB. Existem vários tipos da doença, com níveis de gravidade e sintomas diferentes.
Pais de Rafaello, de 2 anos, Mônica Lelis de Freitas Corrêa Silva e Thiago Nogueira Corrêa Silva se surpreenderam no dia do nascimento do segundo filho, Matteo: o pequeno nasceu sem pele nas mãos e no umbigo. O diagnóstico de epidermólise bolhosa não demorou. “Foi algo muito surpreendente. Eu pensava: Como? É tão raro e Deus me escolheu?”, recorda Mônica. Matteo ficou 9 dias em isolamento na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Neste período, muitas lesões e bolhas foram surgindo. Ele saiu do hospital sem pele em todo rosto.
Os desafios, desde o dia 15 de junho de 2023, foram e ainda são muitos, pontua Mônica. “Tivemos problema com o plano de saúde para fornecer o que ele precisava”, relata. Ela afirma que o momento do banho durava cerca de três horas, pois englobava também o cuidado com a pele por meio de curativos.
A mãe de Matteo descreve que a rotina com o filho envolve também a necessidade de estourar bolhas, se atentar a roupas que machucam e a atenção para não o deixar fora do ar condicionado. “Uma vida que se transformou por inteira”, sublinha.
Tratamento
A pediatra Mariana Pasa, que acompanha Matteo, sublinha que a EB não tem cura porque é uma condição genética, está presente no DNA desde o nascimento. “Ainda não existem tratamentos que corrijam as mutações genéticas que causam a doença. O tratamento é para os sintomas, incluindo cuidados com feridas, proteção da pele contra traumas, cuidados com nutrição, e vários outros que visam a melhora da qualidade de vida”, complementa Mariana.
A expectativa de vida varia de acordo com o tipo de EB. A médica revela que pacientes com formas mais leves podem ter uma vida quase normal, enquanto aqueles com formas mais graves, como a EB juncional ou distrófica, podem ter complicações sérias e uma expectativa de vida reduzida, em torno de 30 anos.
Futuro
O maior desafio para Mônica é não saber como será o futuro, visto que Matteo tem a EB distrófica recessiva. “A expectativa de vida para as pessoas com EB não é das melhores. Com certeza pensar em Nossa Senhora vendo Jesus todo machucado na cruz me faz ter forças para ficar em pé, como Ela ficou. Matteo carrega as chagas de Jesus, e eu posso contemplar isso nele”.
Outro desafio apontado pela mãe de Matteo é o fato de que o filho não vive como uma “criança comum”. Ela conta que ao contemplar o dia a dia de Rafaello, é perceptível que Matteo não vive o que o irmão mais velho vive. A diferença, destaca Mônica, é grande.
“Apesar de eu tentar proporcionar para ele vivências comuns, não é a mesma coisa”. Matteo não pode ficar exposto ao sol, ir ao parquinho, nadar em uma piscina ou brincar na areia. Suas feridas, por estarem abertas, podem ser “porta de entrada” para uma infecção.
Preconceito
Ainda sobre o futuro de Matteo, a mãe revela outra preocupação: o preconceito. “Hoje, ele é um bebê que sofre um pouco de preconceito. Quando a gente sai, vai ao shopping, à missa, muitas pessoas ficam compadecidas, mas têm quem olhe feio e fale: ‘Meu Deus do céu’, ‘Credo’… Hoje ele é um bebê, então a maioria das pessoas se compadecem. Agora, e quando ele crescer? E quando ele for maior, e não mais um bebezinho fofinho? Como vai ser o olhar das pessoas?”.
Mônica acredita que o diferente assusta e frisa que seu filho é muito diferente. “Ele tem a pele toda marcada, é todo machucado. Então, fico com medo mesmo do preconceito mais pra frente”, explica. Diante disso, ela sublinha lutar para que todos saibam e vejam como é a doença, a fim de diminuir o preconceito.
“Muitos olham feio para ele, se mantêm longe por acharem que é contagioso. Luto para que as pessoas saibam que nem sempre o belo está por fora. Ele sorri em meio a tudo, não sabe que é diferente. Meu sonho é que as pessoas não o tratem como sendo”.
De acordo com a médica de Matteo, muitos preconceitos em torno da EB surgem de fato pela falta de conhecimento sobre a doença. “Muitos não compreendem a gravidade dos desafios diários enfrentados pelos pacientes e suas famílias, e o preconceito pode levar ao isolamento social dos pacientes. A conscientização é crucial para reduzir o estigma e garantir que as nossas borboletas recebam apoio adequado”, defende.
Uma criança feliz
Independente da doença, Mônica faz questão de destacar que não deseja que as pessoas lancem sobre ele um olhar de dó, mas que reconheçam nele uma criança feliz. “Ele é tranquilo e muito feliz. Ama carinho, gosta do toque, inclusive, acredito que a linguagem do amor dele é o toque”.
Matteo também é considerado pela mãe como uma criança muito esperta. “Ele dá um jeito de engatinhar, mesmo com lesão; dá um jeito de ficar em pé, de fazer o que ele quiser. É uma bênção”. Ela narra que muitas pessoas ao verem Matteo se emocionam. “Falam que ele tem o olhar de Jesus, que imaginam o olhar de Jesus igual ao dele. Ele tem um olhar profundo, como se olhasse para a nossa alma”.
Solidariedade
O aniversário de um ano do filho caçula foi marcado pela solidariedade. Segundo a mãe de Matteo, quando ele nasceu, ela conheceu muitas mães que têm filhos com a doença. Por ser uma doença muito rara, Mônica expõe que quase não existem médicos especialistas. Em sua cidade, São José do Rio Preto (SP), há uma médica especialista na doença, por isso não houve dificuldade com o diagnóstico e nem no acompanhamento.
“Não tive dificuldade ao fazer curativos, receber os curativos. Eu tive um problema com o convênio, mas logo resolveu. Consegui ajuda de advogados e respaldo financeiro. Mas também conheci quem não teve a mesma oportunidade que eu tenho. Foi então que senti o desejo de fazer do aniversário dele um evento beneficente”.
Toda a festa de Matteo foi paga com patrocínio. Empresas de São José do Rio Preto doaram serviços e valores em dinheiro. Foi uma festa para 300 pessoas. Amigos, familiares, pessoas próximas, que participaram do primeiro ano de vida do pequeno, todas foram convidadas.
Os convidados pagaram um valor pelo convite e toda a renda foi doada para duas instituições focadas em ajudar os portadores da EB. Ao todo, o valor arrecadado no aniversário de Matteo foi de 38 mil reais.
Epidermólise Bolhosa
A EB afeta tanto homens quanto mulheres e pode acontecer em todas as etnias e faixas etárias. É comum que a EB provoque dor e afete a vida cotidiana física e emocional dos pacientes. Segundo Ministério da Saúde, estima-se que cerca de 500 mil pessoas em todo o mundo tenham a doença. No Brasil, segundo a Associação DEBRA, são 802 pessoas diagnosticadas com EB. Nos últimos cinco anos foram registradas 121 mortes por complicações da epidermólise bolhosa. A doença não tem cura e não é transmissível. A confirmação do diagnóstico da EB acontece basicamente por biópsia da pele e imunofluorescência direta.