A biografia contida num manuscrito aparentemente insignificante, não constava nos catálogos de nenhuma biblioteca
Da redação, com Rádio Vaticano
Novos aspectos da vida de São Francisco, até então desconhecidos, são revelados na segunda mais antiga ‘Vida’ (expressão que faz referência a biografia) sobre o santo de Assis, escrita entre 1232 e 1239 por Tommaso da Celano. Em entrevista ao L’Osservatore Romano, o autor da descoberta Jacques Duran, especialista em Idade Média, afirma tratar-se de um pequeno “código franciscano no sentido literal da palavra, humilde e pobre, sem decorações ou desenhos”.
Desconhecida até então, a biografia contida num manuscrito aparentemente insignificante, não constava nos catálogos de nenhuma biblioteca, pois fazia parte de uma coleção privada. Quando estava para ser leiloada, a obra foi adquirida pelo Departamento de Manuscritos da Biblioteca Nacional da França.
“Eu estava procurando este texto havia sete anos. Durante meus estudos encontrei fragmentos e traços dispersos e tudo levava a pensar na existência de um tipo de ‘Lenda’ intermediária de Tommaso da Celano, sucessiva à primeira compilação e precedente em relação à segunda ‘Vida’ que conhecemos, uma obra composta sob a égide de Frei Elias. Encontrar este texto foi uma confirmação muito, muito preciosa, e obviamente, uma grande alegria. Foi uma apaixonante e cheia de surpresas história paleográfica de detetive, um resumo da primeira versão da ‘Lenda’ – considerada muito longa na época – à qual são acrescentados novos elementos”, observa o historiador francês, Jacques Duran.
Esta nova fonte original de dados sobre São Francisco, de fato, desperta grande interesse. A partir dela, por exemplo, sabe-se que a afirmação “Francisco amava a natureza” é um “conceito pagão, pois Francisco amava os seus irmãos homens e animais pois eram filhos de um mesmo Criador”, explica Duran.
“Fazendo uma leitura atenta torna-se evidente que também a reflexão do autor, Tommaso da Celano, aprofundou de forma notável com o passar do tempo, sobretudo temas como a pobreza e a fraternidade com toda a criação. É destacada muito mais a concretude da experiência da pobreza, não num sentido simbólico, alegórico ou espiritual, mas real: significa vestir as mesmas vestes e comer a mesma comida dos pobres”.
O manuscrito apresenta outra versão para uma viagem de Francisco a Roma. Não como a peregrinação de uma pessoa convertida, que abraçou a vida religiosa – revela Duran – mas de uma viagem de negócios. O texto descreve um mercador que fica tocado pela pobreza dos mendigos nas proximidades de São Pedro, e que se pergunta se capaz de viver uma experiência semelhante.
Nesta obra sobre o santo de Assis, Tommaso apresenta detalhes muito concretos e realistas. “Francisco reparava os buracos na sua túnica usando fibras tiradas da casca das árvores e das ervas que encontrava nos campos, justamente como fazia quem não tinha absolutamente nada, nem mesmo instrumentos de costura”.
Esta descoberta, de acordo com o historiador, insere-se no centro de uma questão historiográfica “vastíssima e complexa”: a busca de testemunhos bibliográficos sobre o Pobre de Assis não coincidentes com a vida oficial descrita na ‘Lenda’ de Boaventura, aprovada em 1263. “Um livro passado sem ser observado por tanto tempo e chegado incólume até nós”, destacou Jacques Duran.