Assessoria jurídica da CNBB já havia manifestado “estranheza” de julgamento ser virtual diante da importância do tema; problemas nos procedimentos do STF também haviam sido apontados pela Conferência
Da redação, com agências
Foi decidido, na madrugada desta sexta-feira, 22, que a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no plenário físico. A data ainda não foi marcada.
A decisão de suspender o julgamento durante plenária virtual da Corte aconteceu após um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso. A solicitação foi especificamente esta: levar para o plenário físico o que ocorreria virtualmente. Sendo assim, os votos dos ministros serão dados de forma presencial.
Antes da suspensão, a ministra Rosa Weber, atual presidente da corte, votou a favor da descriminalização até a 12ª semana. A ministra é a relatora da ação e deixará o tribunal até o dia 2 de outubro, quando vai completar 75 anos, e será substituída na presidência por Barroso.
A aposentadoria neste caso é obrigatória. Até então, o único voto registrado é o da ministra e, mesmo com a aposentadoria, ele permanecerá válido. O fato se dá a partir de uma alteração realizada em junho do ano passado. Na ocasião, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que, caso haja pedido de destaque em processos com julgamento iniciado no ambiente virtual, os votos lançados por ministros que, posteriormente, deixarem o exercício do cargo, por aposentadoria ou outro motivo, serão válidos.
Na época, a proposta foi apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes e aprovada por maioria, alterando a Resolução 642/2019 até então em vigência, que disciplinava os julgamentos de processos em lista nas sessões virtuais e presenciais.
Posicionamento da Igreja
Assim que a discussão foi retomada este ano, com o pedido de inclusão em pauta da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 no Supremo Tribunal Federal (STF), a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou uma nota em que reafirma o posicionamento contrário à descriminalização : “jamais aceitaremos quaisquer iniciativas que pretendam apoiar e promover o aborto”.
A CNBB afirmou que “jamais um direito pode ser exigido às custas de outro ser humano, mesmo estando apenas em formação. O fundamento dos direitos humanos é que o ser humano nunca seja tomado como meio, mas sempre como fim”.
Prazo impossível e estranheza sobre o julgamento virtual
Recentemente em uma sequência de vídeos, o assessor jurídico da CNBB, dr. Hugo Cysneiros, apresentou informações sobre a atuação da entidade no âmbito da ADPF 442. Hugo manifestou “indignação” e “estranheza técnica” diante de incoerências na condução do processo pela Suprema Corte.
O advogado chegou a expor que, anteriormente, o STF tomou uma decisão sobre a acolhida dos amicus curiae, entidades que apoiam o processo com indicações sobre o tema, após a divulgação do vídeo em que ele destacava a omissão da Suprema Corte sobre a participação de entidades nessa contribuição ao processo. Entretanto, o prazo para manifestação só foi conhecido pelas entidades após já ter sido finalizado.
Antes da sessão desta sexta-feira, Hugo falou sobre o “prazo impossível de ser cumprido”, acusando o problema procedimental e a “clara nulidade processual”. Ele também ressaltou “com estranheza” o fato de ser um julgamento virtual sobre um tema tão importante, “que diz respeito ao direito à vida”.
Assista, abaixo, à explicação completa do dr. Hugo:
Pronunciamento da CNBB em 2018
O STF chegou a debater o tema em audiência pública em 2018, já no âmbito dessa ação. Na ocasião, a CNBB se pronunciou, na pessoa de Dom Ricardo Hoepers, na época bispo de Rio Grande (RS) e atualmente secretário-geral da instituição; e de padre José Eduardo de Oliveira e Silva, da Diocese de Osasco (SP), em defesa da vida.
Na época, Dom Ricardo lembrou que a discussão em relação ao aborto acusa, na verdade, um problema que o Brasil tem de saúde pública e que a lei deve proteger a criança e a mãe de forma proporcional.
“O problema é que ninguém quer nominar esse inocente. Ele foi apagado, deletado dos nossos discursos para justificar esse intento em nome da autonomia e liberdade da mulher. Mas, a criança em desenvolvimento na 12ª semana é uma pessoa, uma existência, um indivíduo real, único e irrepetível”.
Padre José Eduardo foi taxativo em relação ao papel do STF e denunciou que, naquele ano, tanto a discussão no Supremo quanto a ADPF tiveram mais representantes defendendo o aborto do que pessoas defendendo publicamente a posição contrária. “Isto não respeita o princípio do contraditório que está expresso na Constituição”.
Ao final, desmentiu os números mundiais apresentados sobre o aborto, a partir da exposição de dados em cada um dos países em que foi liberado. “A conclusão é que, exatamente ao contrário do que foi sustentado aqui pelos que estão interessados em promover o aborto, quando se legaliza o aborto, o número de abortos aumenta e não diminui. É no primeiro mundo onde se praticam mais abortos; e não no Brasil. Por favor, não mintam para o povo brasileiro. Nós somos uma democracia.”, declarou na ocasião.
Aborto no Brasil
A análise do caso no Supremo foi desencadeada por uma ação protocolada pelo PSOL, em 2017. O partido pede uma posição do STF sobre a possibilidade de interrupção da gravidez – hoje, proibida pelo Código Penal.
É importante lembrar que atualmente, o aborto é descriminalizado no Brasil em três casos: se houver risco de morte para a mulher por causa da gestação; se a gravidez foi provocada por estupro; e se o bebê é anencéfalo.