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Íntegra: Entrevista com religiosa que trabalha há 40 anos na África

A missionária da Congregação Irmãs Missionárias da Consolata, Ir. Josenilde Pietrobon, 73 anos, fala sobre o trabalho de evangelização que realiza há 40 anos em Moçambique, na África.

Ela conta como nasceu seu desejo de ser missionária, fala dos desafios que viveu em Moçambique nos períodos de guerra, sobre seu amor e compromisso com o povo africano e revela o segredo de sua realização por essa entrega de vida.

Leia, abaixo, entrevista na íntegra:

noticias.cancaonova.com: Como nasceu seu desejo de ser missionária?

Ir. Josenilde: Desde pequena sempre desejei ser religiosa, mas eu estava em comunicação com as Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria. Depois chegaram as irmãs da Consolata em Paulo Bento (RS), perto da minha casa e me disseram: "você quer ser missionária? O nosso instituto é missionário, você pode se encaminhar conosco".

Eu fui estudar um ano com as irmãs, e depois minha mãe disse para eu ficar um ano em casa, para ver se de fato era o que eu queria. Mas as irmãs disseram que não seria bom interromper os estudos, que era melhor eu já ficar com elas. Minha mãe disse então que não tinha condições para me colocar no colégio, mas elas disseram que me dariam tudo o que era necessário, inclusive roupas. Com isso, minha mãe não teve coragem de dizer não.

Eu tinha meus 13 anos quando fui com as irmãs e estou até hoje. Fiz os meus votos com 21 anos. Vai fazer 59 anos que eu deixei minha família e estou feliz do passo que eu dei e continuo dando hoje na vida religiosa missionária.

noticias.cancaonova.com: A senhora sempre quis ir para a África?

Ir. Josenilde: O espírito da nossa congregação, pela qual o nosso fundador José Allamano nos fundou, era para a missão da África. Ele dizia também, mais pra frente, que talvez um dia nós fôssemos para a América e lá fundaríamos colégios, mas sempre em vista da missão. Porque nós somos exclusivamente missionárias.

Quando entramos na congregação, a "ladainha" que nos é cantada é essa: "vocês estão se formando para serem missionárias, e missionárias ad gentes, quer dizer, fora do vosso país". Claro que se a congregação pede para ficar no país a gente também fica, porque também é um trabalho necessário. Mas essa disposição deve estar em nós, tanto que quando eu ia de férias, em casa, meu pai dizia: "Você sempre diz que vai para a África e nunca vai. Eu já estou com os meus pés na cova e você ainda está aqui", e eu dizia, que outras irmãs estavam indo, tinham prioridade porque haviam chegado antes do que nós.

Mas ele rebatia: "Veja bem lá, se não é porque você não se comporta bem que elas não te mandam". Imagina eu ouvir isso do meu pai (risos). Eu ficava um bocado atrapalhada, porque se meu pai chegava a pensar isso e as superioras não diziam nada, a gente só aguardava o tempo.

E o tempo chegou. Quando meu pai estava muito mal, já bem doente, tanto que ele morreu dois meses depois que eu saí.

Minha mãe não queria que eu contasse para ele que eu iria partir para as missões por medo dele levar um choque muito grande e prejudicá-lo, mas eu esperei o momento oportuno em que me encontrei sozinha com ele no quarto e lhe disse: "pai, você tanto desejou que sua filha partisse para as missões, né?". "É sim", ele disse, "eu vou morrer e você está ainda aqui". E eu disse: "não, pai, agora eu vim dizer para o senhor que eu vou partir". Ele me olhou muito sério, como se dissesse, agora que eu podia precisar da sua ajuda você vai embora… Aí ele me perguntou: "você parte contente?", eu falei: "sim, pai, eu parto muito contente". Ele abriu um sorriso bonito e me disse: "eu também estou muito contente que tu realizas a tua vocação". Pronto, aquilo para mim foi um "rojão" e eu parti tranquila. Eu e ele sabíamos que aqui na terra não iríamos nos encontrar mais.

noticias.cancaonova.com:
Qual a realidade dos missionários em Moçambique?

Ir. Josenilde: Eu fui para Moçambique em 1972, o país ainda era Colônia Portuguesa. E logo após, teve início a guerra para a independência. Foram anos sofridos, porque havia ali muito luta entre os portugueses e o povo local. Passados dez anos tiveram a independência. Depois disso, começou uma guerra civil, que durou 17 anos, porque o partido dominante queria o comunismo e implantou o comunismo ali e outro grupo não aceitou. Então houve guerra entre eles.

Foram anos muito, muito sofridos. A Igreja sofreu muito, muitos missionários abandonaram o país, porque a gente se via de mãos amarradas, todos concentrados nas cidades, e o que poderíamos fazer?! Então os próprios superiores tiravam o pessoal dali e os enviavam para outros lugares.

E de fato, nossa madre geral falou para nossas irmãs, que aquelas que não sentissem de continuar com a missão, de ficar ali, dissessem, porque a Congregação poderia mandá-las, mesmo que momentaneamente, para outro lugar. Mas não teve uma irmã que pediu para sair.

Apesar de todo sofrimento que estávamos passando, de todos os limites que foram ao extremo, desde a alimentação até moradia, nenhuma irmã desistiu. Até o povo nos perguntava porque não íamos embora. E nós dizíamos: "se nós vivemos os momentos felizes com vocês, porque vamos abandoná-los agora que é o momento de maior sofrimento para vocês e para nós? Nós queremos ficar com vocês!"

E foi isso que deu grande confiança ao povo, que dizia: "se estas nos amam verdadeiramente, que poderiam ter uma vida melhor na sua terra, mas querem ficar aqui, é porque verdadeiramente é uma missão de Deus".

noticias.cancaonova.com: Qual o trabalho que a senhora realiza em Moçambique?

Ir. Josenilde: Eu sempre fui enfermeira. Então sempre trabalhei no setor da saúde, no tempo disponível a esse trabalho, mas sempre me dediquei à Pastoral, à Catequese e a outras artes e ofícios próprios da mulher moçambicana, para ensiná-las a lavar, a costurar, bordar e outros trabalhos manuais. E enquanto estamos fazendo esses trabalhos manuais sempre vem a Palavra de Deus.

Fazemos também encontros, núcleos com as famílias, os jovens e as crianças, a Catequese. A nossa vida não se limita a um setor específico porque o nosso fundador sempre dizia: "primeiro elevem as pessoas como ser humano e depois é que vocês vão semear a semente do Reino na vida dessas pessoas".

noticias.cancaonova.com: A senhora permaneceu em Moçambique por 40 anos, completados este ano. O que a motivou a permanecer tanto tempo ali, dedicando praticamente toda sua vida por essa causa?

Ir. Josenilde: Porque eu sinto que essa é a minha vocação, é a essa vocação que Cristo me chamou, a Ele me consagrei, e consagrando-me a Ele, me consagrei ao povo que ele colocou nas minhas mãos.

Claro que se os superiores me pedirem para voltar para o Brasil, eu volto, porque tenho voto de obediência, mas não por livre e espontânea vontade, porque a minha missão é para a vida. Não é uma missão por um ano, cinco anos, dez anos, mas é por toda a vida. Se eu devo permanecer ali e ali morrer, eu estou realizando ali a minha vocação religiosa missionária.

noticias.cancaonova.com: O que mais a atrai nesse trabalho missionário fora do Brasil, em uma cultura tão diferente?

Ir. Josenilde: É difícil no começo você entrar na cultura deles, porque é uma cultura completamente diferente. Mas é como nos dizia já as nossas superioras: "quando vocês vão para a missão, ao menos durante um ano, apenas escutem, vejam, perguntem, mas não digam nada. Não se posicionem, não queiram mostrar as vossas ideias, o vosso saber, mas procurem descobrir aquilo que esse povo necessita. Se necessita mais de um caminho de saúde, vamos entrar por esse caminho. Se necessitam mais de um caminho de escola, vamos entrar aí…"

Isso para dizer, é preciso descobrir aquilo que eles desejam e precisam, depois disso é que você vai, aos poucos, descobrindo, falando com eles, e eles vão sentindo essa necessidade de se abrirem a Deus.

Eles começam a entender que Deus sempre existiu em sua cultura, um ser superior, quer dizer não na maneira como nós vamos anunciar, mas Deus sempre existiu. Portanto, a maneira que vocês estão falando, nós agora estamos compreendendo que temos que conhecer mais, descobrir mais desse Deus, que tanto nos ama. Ele nos ama tanto que mandou seus missionários aqui para nos ajudar na caminhada.

Portanto meu incentivo, é de ficar ali e me doar até o fim, até meu último respiro se for necessário, para estar com esse povo que Deus colocou ao meu lado e que eu posso trabalhar com eles.

Na minha vida talvez possa fazer pouco, mas na minha oferta de cada dia, na minha oração, no meu testemunho, no anúncio da Palavra de Deus, mesmo ensinando a fazer trabalhos manuais, que possam melhorar a sua vida, eu me sinto realizada na minha vocação.

A gente vem de férias, mas já fica pensando neles lá, porque vamos ficar tanto tempo longe. Mas também precisamos para uma revisão nossa, espiritual, também de saúde, para rever nossos queridos, porque pode ser a última vez, nunca se sabe. Então a gente vem com essa disponibilidade, de valorizar ao máximo esse tempo que o Senhor nos dá e que os superiores também nos proporcionam para isso.

noticias.cancaonova.com: Qual o segredo dessa realização?

Ir. Josenilde: Dar tempo a Deus, na oração, dar tempo a nossa própria formação, dar tempo aos irmãos, em tudo aquilo que eles precisam. Mas tudo deve ser cimentado na vida de oração. Não é pelo muito fazer que temos que deixar a vida de oração de lado. Nós temos que ser generosos e disponíveis em tudo, mas mais generosos conosco mesmo procurando junto de Deus aquilo que nós queremos ser junto do povo. Não é tanto falar, falar e falar, mas falar desse povo ao próprio Deus, a Jesus Cristo, aos pés do Sacrário, nas nossas horas de oração e de reflexão.

Nós precisamos cultivar a nós mesmos, nesse sentido, porque senão nós não temos nada para dar aos outros depois.

noticias.cancaonova.com: Na sua opinião, qual a principal dificuldade dos missionários que trabalham no exterior?

Ir. Josenilde: A dificuldade maior é que muitos missionários vão para lá, ao menos te digo hoje, querendo levar a cultura daqui, e não é assim. Não podemos levar nossa cultura e introduzi-la na cabeça deles. Nós temos que ser abertos a cultura deles. E depois, aos poucos, elevar a cultura deles. Aos poucos, cristianizar a cultura deles, o seu modo de ser e de fazer.

Muitos missionários se sentem desiludidos porque não conseguem fazer aquilo que faziam aqui ou em outro país.

Há missionários que vão para angariar vocações, por exemplo. E o povo lá, são já abertos, mas não são ainda abertos para acolher essa caminhada de Deus em suas vidas.

Os rapazes são mais livres e, de fato, os seminários estão cheios. Mas as meninas já são comprometidas desde pequenas, então precisa fazer uma caminhada muito grande para com essas jovens. Eu digo: "irmãs, vamos devagar, vamos conhecer as famílias, os seus costumes, mostrar o valor da vida consagrada, que não existe só a vida matrimonial, mas também outros caminhos para seguir a Jesus Cristo, melhorar a sociedade, melhorar as próprias famílias". Dando possibilidade a esse juventude de estudar, porque com os estudos eles adquirem maiores conhecimentos, então é mais fácil depois escolher uma opção de vida.

noticias.cancaonova.com:
O que motiva a missão dos missionários fora do Brasil?

Ir. Josenilde: Olha, aquilo que nós recebemos. Antigamente os missionários vieram para o Brasil e trouxeram a boa nova do Evangelho, o anúncio de Jesus Cristo para nós. Agora é a nossa vez. É a vez da gente se voltar para os povos que ainda não receberam essa boa nova da evangelização, a boa de Jesus Cristo, da salvação. Isso dentro de nós como vocação, como missionárias, nos estimula continuamente.

Nós temos que dar daquilo que nós recebemos. Os pais dão tudo para os filhos e chega o momento em que eles vão receber também daquilo que deram. Nós não vamos por iniciativa própria, é a Igreja que nos envia. Nós vamos em nome da Igreja, em nome da congregação. Quando a Igreja nos faz um envio missionário, eles nos dizem bem claramente, de que nós vamos em nome da Igreja, em nome de Cristo. Então nós sentimos que estamos realizando a missão que Cristo realizou.

Cristo não deixou o céu? O Pai? Ele não deixou tudo de bom e do melhor para vir aqui e se fazer uma criatura humana como nós? Ele viveu, sofreu, morreu… mas ressuscitou. É aquilo que nós queremos também na nossa vida de missionário: que o nosso povo conheça, cresça na sua fé, cresça no seu amor, na sua doação, para que um dia também eles possam ressurgir para uma vida bem melhor do que aqueles que eles têm hoje.

noticias.cancaonova.com: Em quais países, a congregação da Consolata está presente?

Ir. Josenilde: Na África, estamos em Moçambique, no Quênia, Tanzânia, na Somália, na Etiópia, em Guiné Bissau, na Libéria, em muitos países. Mas fora da África, também estamos na Ásia, na América, em muitos lugares, porque a Igreja não é fechada em si mesma.

Nos povos desses países também há muitos que não conhecem Jesus Cristo. São milhões e milhões de pessoas que não conhecem Jesus Cristo. E nós estamos abertos porque a Igreja pode nos chamar a qualquer momento para um outro país. Como nos chamou recentemente para estar na Mongólia, na Ásia. Estamos lá como missionários e missionárias da Consolata.

Aqui na África estamos em Djibouti, um país completamente muçulmano, mas a Igreja pediu nossa presença ali. Pediu nossa presença na Líbia, onde também são todos muçulmanos. Mas a nossa presença de cristãos católicos ali, é a Igreja que pede. Então nós temos que dar obediência ao Papa.

Na Somália, as únicas pessoas cristãs que estavam ali – agora no momento não estão, desde que mataram a nossa irmã, a congregação retirou momentaneamente as irmãs de lá -, mas as únicas pessoas cristãs católicas ali são nossas irmãs. Não tem padres, não tem ninguém. Elas, de vez em quando, se deslocam para o Quênia, trazem o Santíssimo para elas comungarem ali diariamente, mas Missa não tem.

A nossa vocação também se estende aonde a Igreja nos pede, além da nossa vocação missionária como Congregação.

noticias.cancaonova.com:
Quais os critérios para a escolha desses locais onde será realizada a missão?

Ir. Josenilde: A Igreja nos mostra determinados lugares que precisaria da nossa presença. Depois os nossos superiores vão estudar o local para ver a possibilidade aqui ou ali de abrir uma comunidade. A partir daí começa preparação do pessoal com a formação sobre os costumes, a cultura daquele povo, para que os missionários estejam um tanto preparados para dar início verdadeiramente à missão naquele lugar.

E a gente apresenta à Santa Sé que, entre aqueles lugares, escolhemos esse. E a Santa Sé acolhe, porque se ela nos apresenta esses vários lugares porque todos necessitam da presença de missionários.

 

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