O estado de vigilância dos profissionais da saúde, diante de uma pandemia com pontos ainda desconhecidos, colocou em relevo a dedicação dos profissionais da enfermagem
Liliane Borges
Da redação
A pandemia trouxe grandes desafios na área da saúde, tanto no cuidado emergencial com os infectados quanto no planejamento e medidas para conter o vírus. O momento, portanto, coloca em relevo tanto o trabalho de pesquisadores, cientistas, quanto daqueles que, diariamente, se dedicam aos doentes.
Quem precisou desse cuidado e esteve entre a vida e a morte sabe bem a importância desses profissionais, principalmente dos enfermeiros, a quem cabe o trabalho integral com os pacientes.
Saulo Lima da Silva, 38 anos, supervisor de financeiro, sentiu os primeiros sintomas no dia 18 de março; foi ao hospital e, após exames de sangue e urina, retornou para casa. “Passado alguns dias, já sem conseguir me alimentar direito nem trabalhar, voltei ao hospital no dia 24, já bem debilitado e com a respiração bastante comprometida. Foi quando tive uma queda bruta de saturação e já me socorreram pela emergência do hospital”.
Internado em um grande hospital de São Paulo, Saulo, nos primeiros dias, não pensou ser uma das vítimas da desconhecida pandemia. “Não imaginei, porém, ao dar entrada e ter a crise, pensei estar com algo sério. Mesmo internado, enquanto ainda tinha recobrada minha consciência, não pensei ser COVID-19, pois tinha tentado ter o mínimo possível de exposição.
Eu me assustei quando, na noite do dia 24, após diversas crises, já internado, fui informado de que iria para a UTI. Já tentei fazer uma análise de onde poderia ter sido infectado, mas não consegui chegar a conclusão nenhuma”, conta.
O valor dado à própria vida, certamente, não será o mesmo para Saulo. Já de alta e fora de risco, ele não se esquece dos cuidados dos médicos e a equipe de enfermagem. “Eu passei a admirá-los e ter uma visão muito diferenciada sobre cada um deles. Durante o tempo em que passei aqui, vi verdadeiros heróis debruçados sobre esta guerra a favor da vida. Médicos que duramente trabalham horas a mais do seus plantões, em busca de combater nessa guerra. Enfermeiros que, em alguns casos, há um mês que não veem pessoalmente seus filhos ou pais, pois decidiram se isolar como forma de proteção”, lembra.
São enfermeiros como Andressa Cristina de Souza Felício, que trabalha no setor semi-intensiva Adulto de um grande hospital de São Paulo. Sua rotina sofreu sérias mudanças, o trabalho passou a ser exclusivo na assistência prestada aos pacientes que já têm o diagnóstico de COVID-19. Mudanças no trabalho, mudanças também na vida pessoal.
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“Minha rotina sofreu uma grande transformação. Fiquei 20 dias sem ter contato com meus familiares. Após apresentar sintomas de um resfriado forte, não tive febre nem dores no corpo ou falta de ar, mas decidi permanecer afastada para preservá-los”, conta Andressa.
No setor em que Andressa trabalha, os cuidados são classificados como de baixa complexidade, ou seja, que não demandam um cuidado intenso, porém, isso não descarta a possibilidade desses pacientes evoluírem com uma piora do quadro clínico, “por isso – conta a enfermeira – reforçamos a alta vigilância na assistência prestada”.
Um trabalho que passa a ser visto de outra maneira
O estado de vigilância, que já era rotina no caso de Andressa, ganhou tensão diante de uma pandemia com pontos ainda desconhecidos, com medicações em teste. E também colocou em relevo o trabalho prestado por estes profissionais da saúde. De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o Brasil conta com 558.177 mil enfermeiros, 1,3 milhão de técnicos e 417.540 mil auxiliares de Enfermagem atuantes.
Neste cenário pandêmico, esses profissionais da saúde são os que mais correm o risco de serem infectados. Segundo o Observatório do Cofen, foram registradas 32 mortes de profissionais de Enfermagem associadas à COVID-19, e 4.604 profissionais de Enfermagem foram afastados com sintomas da doença ou diagnóstico confirmado de coronavírus.
Apesar do grande número de profissionais da enfermagem em exercício, o “país teve um desempenho sofrível no que se refere às regulações e condições de trabalho, abaixo de alguns países africanos. Comparando em um índice de um a seis, o Brasil soma apenas dois pontos, equivalente ao desempenho da Índia”, relata o Conselho da categoria.
De qualquer modo, para quem tem por tarefa o “cuidado com a vida”, atuar neste momento, ajuda a ultrapassar essas dificuldades. “Nunca pensei que viveria um momento histórico em minha profissão. Estou tomando os devidos cuidados para ser útil à humanidade. O trabalho em si tem seus momentos difíceis, é estressante e exaustivo muitas vezes. O amparo emocional é algo primordial, porém, nem sempre dão a devida importância”, relata Andressa Cristina.
Uma segunda chance…um encontro com Deus
Saulo já recebeu alta, após quase um mês no hospital, grande parte desse tempo não possui muitas lembranças devido à sedação, porém, de uma coisa ele tem plena consciência, recebeu uma nova chance e não irá desperdiçar.
“Com certeza, após a fase de forte sedação e ao ser comunicado de que eu tinha sido infectado e quase perdido a vida (recebido uma segunda chance de Deus), caí em um choro muito emocionado. Imediatamente, começou um processo de reflexão sobre o que era ou o que foi minha vida, mesmo eu sendo uma pessoa tranquila e ligada durante boa parte da vida a questões religiosas. Eu me senti abraçado por Deus durante esse processo, e descobri o quão Ele é misericordioso. Minha mudança, então, já começou por aí: tornar-me uma pessoa mais tolerante para com o outro, e isso tem sido maravilhoso.
Nessa “nova chance de vida”, uma proposta também nova: “Eu recebi ligações, videochamadas de pessoas que, por uma razão ou outra, não nos falávamos há anos e, com toda força que Deus deu, passei por cima de qualquer mágoa ou barreira. A segunda chance de vida passa a ter um sabor diferente em cada ação, então, com certeza, acredito que darei mais valor à vida sim!”, fala emocionado.
Um sacrifício que dá sentido à vida e à profissão
Todos nós estamos enfrentando mudanças significativas desde que os número de doentes se elevou, transformando o COVID-19 em uma pandemia. A situação de saúde mundial interferiu, diretamente, no dia a dia das pessoas. Interferência que fez Andressa e o noivo adiarem o casamento marcado para abril, data muito esperada.
“Decidimos mudar a data pensando no bem comum, na saúde de todos os nossos familiares e amigos. Não foi uma decisão fácil, pois, lá no inconsciente, nos questionávamos o porquê, mas não era o momento de perguntas, mas sim de pensarmos no próximo”, conta.
O casamento já tem nova data, e como Andressa, o mundo inteiro espera que tudo passe da melhor forma possível. “Até conseguirmos essa data, passamos por um turbilhão de sentimentos, choro, angústia, tristeza, nervosismo, pedido de perdão e gratidão ao mesmo tempo, mas a ansiedade de conseguirmos uma data só aumentava. Até que, após entrar em contato com todos os fornecedores, acabou dando certo de alinharmos tudo para esse grande dia”, conta.
Assim como Saulo, Andressa reafirma a confiança em Deus e sabe que não está sozinha: “Agora é pedir a Deus para que todos passemos desta fase com saúde e segurança, para podermos aproveitar o dia especial de nossas vidas”, espera a jovem.
E não somente a Andressa aguarda que tudo passe para concretizar o matrimônio. Saulo também tomou uma grande decisão: marcar o casamento.
Em união estável com Débora Pires Argiona, há 13, os planos de casamento tinham ficado para trás. Para Débora, o pedido foi uma grande surpresa. “Quando ele voltou do coma, me fez várias perguntas e algumas revelações. Disse que tinha sonhado com a gente se casando (…) Ele resolveu transformar esse sonho em realidade. Fiquei imensamente feliz e emocionada!”.
Débora, mesmo não podendo acompanhar Saulo na UTI, esteve ao lado dele por meio de um diário, anotando as notícias que recebia dos médicos. Momentos de medo, incertezas e vitórias. Um modo de combater a ansiedade e nutrir a esperança que não a abandonou.
A esperança, virtude divina, dá-nos aquela certeza, mesmo em dias difíceis, que do modo que esperamos ou não, tudo concorrerá para o nosso bem.