Nestes tempos, a “rede” tem sido um válido instrumento para as atividades religiosas. Além disso, a criatividade pode trazer formas inusitadas para rezar
Liliane Borges
Da Redação
Há três meses, a rotina dos diversos grupos espalhados pelo país que se reúnem para rezar sofreram mudanças significativas e tiveram que se reinventar quanto à forma de se reunir. As mudanças foram ocasionadas pelas consequências e medidas para combater a pandemia da Covid-19. Após as adaptações iniciais, a maioria destes grupos – dos mais variados movimentos – apostaram nas redes sociais e aplicativos para encontros on-line.
Grande participação nos encontros presenciais, grande participação também nos encontros virtuais. É o que testemunha o Diácono Melquisedec Ferreira da Rocha, que está à frente do Movimento do Terço dos Homens na Arquidiocese do Rio de Janeiro e, há 8 anos, iniciou um grupo na Paróquia São Rafael Arcanjo, no bairro de Vista Alegre.
“Iniciamos com aproximadamente 250 homens e, nos nossos últimos encontros presenciais, tínhamos mais ou menos três mil homens. Temos telões na parte externa da Igreja para aqueles que não conseguem entrar. A nave da Igreja fica sem corredor. O altar é liberado para os homens sentarem”, conta o diácono.
Com as restrições causadas pela pandemia da Covid-19, desde março, o grupo precisou parar com as atividades presenciais, mas não foi um grande desafio para Melquisedec pensar como manter o grupo neste tempo, pois a utilização das ferramentas virtuais já era uma realidade.
“Neste tempo de impossibilidade de recebê-los, estamos orando o terço diante do Santíssimo Sacramento com transmissão ao vivo por meio de nossos canais. Na última quinta-feira, 28 de maio, foram realizados 2.600 acessos simultâneos durante a transmissão, fora aqueles que assistem após”, conta.
O diácono vibra com a “comunidade virtual” lotada, mas não vê a hora de retomar os encontros presenciais. “O desafio é a ausência física dos homens. Alimentá-los espiritualmente tem sido desafiante. A ausência do contato nos leva a não ter o cheiro do rebanho tão pedido pelo Santo Padre. Tentamos usar a criatividade, não só com a transmissão de quinta-feira, mas de outros momentos de espiritualidade”, relata Melquisedec.
Um encontro Estadual diferente
A oração com os grupos do Terço dos homens que se reuniam semanalmente na Arquidiocese de Vitória, no Espírito Santo, sofreu mudanças, conta Jarbas Christo, que é da Paróquia São Francisco de Assis, do bairro Jardim da Penha. Ele, que já foi coordenador estadual e também local por diversos anos, vivenciou pela primeira vez um desafio como este.
Não há encontros sistematizados durante a pandemia, mas eles procuram sim se reunir de modo virtual para rezar o terço em pequenos grupos, de modo a manter o contato e interceder pelo momento em que o país vive.
E neste intuito de intercessão, o VII Encontro Estadual do Terço dos Homens do estado do Espírito Santo foi realizado no Santuário Nossa Senhora da Penha – local onde normalmente acontecem os encontros estaduais todos os anos – no último mês de maio, obedecendo todas as normas de segurança sanitária, de modo diferente e criativo.
Jarbas e os participantes do grupo não cancelaram o evento, mesmo diante de toda a situação, e contaram com o apoio dos freis do Convento da Penha, em Vila Velha, arquidiocese de Vitória. Em um pátio, na área do Convento da Penha, 50 veículos se enfileiraram com dois participantes cada e realizaram a oração do terço e participaram da Santa Missa.
Jarbas conta que a iniciativa recebeu o apoio e a bênção do Guardião do Convento, frei Paulo Roberto, e foi marcante para o Grupo. “O evento foi uma maravilha, algo totalmente diferente dos outros anos, que tem a presença em média de 6 mil homens. Esse ano não poderia ter presença, optamos pelo drive tru: colocamos 50 carros, com os devidos 1,5 metro distanciamento. Emocionou muito as pessoas que participaram da oração do terço e da Santa Missa presidida pelos freis do convento e certamente ficará marcado para o resto de nossas vidas”, relata emocionado.
Enquanto Jarbas, e todos os outros grupos espalhados pelo país, aguardam o retorno dos encontros presenciais, as iniciativas de oração do Terço dos Homens permanecem como sinal de unidade, intercedendo por todos.
Instrumentos para evangelização
É sabido que a interação, a presença física, não dará lugar a um novo modo exclusivo de se reunir, mas, nestes tempos, a “rede” tem sido um válido instrumento. De modo concreto, é possível entender que a evangelização ao longo da história alcança a linguagem do homem sem modificar o seu sólido conteúdo.
Como destaca o autor da Obra “Ciberteologia: pensar o Cristianismo nos tempos da rede”, padre jesuíta Antonio Spadaro, “a rede é um contexto em que a fé é chamada a se exprimir não por causa de uma mera ‘vontade de presença’, mas uma conaturalidade do cristianismo com a vida do ser humano. O desafio, portanto, não está em como ‘usar’ bem a rede, mas como ‘viver’ bem nos tempos da rede”.
É o que procurou viver o diretor da Obra Salesiana em Pindamonhangaba, padre Alexandro Santana. Como educador salesiano, todo o trabalho evangelizador é realizado no contato direto com o povo, portanto, constituído a partir da relação pessoal com as pessoas, sejam crianças, adolescentes, jovens e famílias.
“Para nós salesianos, este tempo de pandemia exigiu um novo olhar e uma nova forma de fazer aquilo que era muito próprio nosso, e para o salesiano a realidade da comunicação não é algo muito distante do nosso trabalho, de nossa ação pastoral , da nossa ação educativa evangelizadora. Então, aproveitamos desse momento, a partir das redes sociais – um dos poucos caminhos que a gente tinha à disposição – para nossa ação, nosso trabalho, e tivemos que nos adaptar”, conta o sacerdote.
As reuniões, o contato com os paroquianos, as diversas atividades que comportam a obra foram reorganizadas. E algumas delas contaram com o contato através da rede.
“Este distanciamento das nossas obras sociais , nossos colégios, paroquias, exigiu de nós não perder o vínculo nessa relação (…) É um tempo diferente, com certeza, não somente para nós salesianos, mas para todas as outras pessoas que tiveram que usar desde meio. Então, as reuniões on-line, as lives que a gente tinha que fazer, procurávamos trazer um pouco da dimensão salesiana”.
O religioso acredita que a pandemia poderá trazer mudanças à sociedade, ao menos durante um futuro próximo, mas que não deve, por certo, transformar a relação em algo exclusivo do mundo virtual. “É lógico, é muito melhor e mais agradável quando a gente realiza a missão de forma pessoal, é isso que aprendemos com Dom Bosco, nas relações nos pátios, nos lugares salesianos, ambientes em que criamos clima de família, ambientes educativos. E esperamos que logo toda essa pandemia, essa aflição que está na sociedade, passe para retornarmos ao nosso trabalho educativo, pastoral e evangelizador”.