COMPORTAMENTO

Entenda o que é e quais são as consequências do 'ghosting'

As relações virtuais se tornaram comuns, mas também trouxeram questões sobre como se portar com outras pessoas, pois mesmo sem a presença física, existe responsabilidade afetiva envolvida

Thiago Coutinho
Da redação

É preciso cuidado com o sentimento do outro, mesmo quando se trata de um ambiente virtual / Foto: Glenn Carstens-Peters por Unsplash

Comunicar-se por meio da internet se tornou algo corriqueiro no dia a dia. As redes sociais aumentaram a proximidade entre as pessoas — mas também trouxeram inconveniências e transtornos nos relacionamentos, sejam afetivos ou profissionais. Um desses fenômenos ruins é conhecido como “ghosting”, que vem do inglês “ghost”, cujo significado é fantasma. O termo ficou popular por caracterizar o desaparecimento súbito e sem explicações de uma pessoa do outro lado tela.

O psicólogo Ricardo Milito / Foto: Reprodução Instagram

De acordo com o psicólogo Ricardo Milito, este não é um comportamente exclusivo da era digital. “Mas a tecnologia amplificou e tornou mais visível a prática”, explica. “No passado, as ferramentas e canais de comunicação eram outras. Usávamos cartas, ligações de telefone e a interação presencial era mais frequente. As normas sociais e o contato face a face faziam com que os rompimentos fossem mais diretos. Então, talvez, fazer ghosting poderia ser mais difícil, dependendo da distância e interação das pessoas”.

A velocidade que internet proporciona em seu funcionamento se estendeu para os relacionamentos — e isso pode ser uma faca de dois gumes. “Com o surgimento da internet ficou muito mais fácil formar e desfazer conexões rapidamente, o anonimato proporcionado pelas plataformas digitais facilitam o ghosting. A facilidade de ignorar mensagens e o acesso constante a novas conexões podem encorajar comportamentos mais descartáveis”, lamenta o psicólogo.

Patrícia Rocha, psicóloga analítica, por outro lado, afirma que este tipo de comportamento de sumiço abrupto mostra muito da frieza de algumas pessoas. “Isso sempre foi comum na humanidade ou se tornou mais frequente com a chegada da internet e a facilidade com que as pessoas formam e desfazem relacionamentos e amizades. Depende muito da mentalidade. Isso sempre aconteceu de alguma forma, porém hoje com a facilidade se intensificou e as pessoas ficaram mais frias”, lamenta.

Desconforto ou imaturidade emocional?

E o que faz uma pessoa cortar uma relação de maneira tão abrupta? Para a psicóloga Patrícia, dois movimentos acontecem ao mesmo tempo: o desconforto e a imaturidade emocional. “Desconforto por ter que enfrentar uma situação, porém, se você tem esse desconforto, já tem uma pré-disposição de ter uma imaturidade emocional, porque a criança, quanto mais inconsciente ela quer fazer o que ela quer, o que está na vontade dela, o que ela não quer simplesmente não”, detalha.

Pode haver também falta de habilidade socioemocional, pois algumas pessoas têm dificuldade de enfrentar situações ou conversas que podem não ser tão confortáveis. “Algumas pessoas têm dificuldades em enfrentar confrontos ou conversas mais desconfortáveis, não sabendo como comunicar seus sentimentos e opiniões. Outras pessoas optam por se afastar de maneira silenciosa, esperando que você perceba o afastamento e tome a iniciativa de romper a relação”.

A psicóloga analítica Patrícia Rocha / Foto: Arquivo pessoal

Para Patrícia, é preciso ter uma certa coragem emocional para não deixar que situações assim aconteçam. “Quando a gente tem um pouco de maturidade, um pouco de consciência, um pouco de autoconhecimento — e quando falo consciência é tirar essa inconsciência do ser — a pessoa entende que não é uma questão de satisfação, mas um bem-estar consigo mesmo e com o outro”, observa.

Um mundo de efemeridades

A internet e as redes sociais são caracterizadas por números excessivos e, ao mesmo tempo, muita efemeridade. Ninguém tem milhares de amigos, ninguém desfaz relações com um “deixar de seguir” ou “desfazer amizade”. E lidar com esta realidade transitória pode não ser tão simples.

“Relacionamentos nas redes sociais podem trazer muitos benefícios, mas também apresentam desafios e alguns impactos. Portanto, é importante gerenciarmos nossas expectativas considerando que muitas vezes ali está somente uma versão filtrada e idealizada da vida das pessoas”, atenta Milito”.

“Então isso virou parâmetro para perceber ou sentir as situações, as relações”, emenda a psicóloga analítica. “O real deixou de ser interessante. Então as pessoas fantasiam, e isso é um tipo de fantasia”, acrescenta.

Um mundo irreal

A internet e as redes sociais oferecem uma imagem de um mundo irreal: são corpos sem defeitos, relacionamentos que muitas vezes não são o que mostram, filtros deixam as pessoas com aparência perfeita. Esses parâmetros de beleza, relacionamento, profissão etc. apresentados nas redes acabam se tornando inatingíveis.

“Causa uma bagunça, né?”, indaga Patrícia. “As pessoas querem acreditar nesse perfeito. Elas deixaram de viver a vida real para viver a vida de tela. E a vida de tela passou a ser um parâmetro de realidade, sendo que não é. E tudo muito rápido. Como o tempo passa e a gente não sente, as coisas vão acontecendo muito rápido, porque são máquinas, não é nada real”, afirma a psicóloga analítica.

Comparações negativas, com expectativas quase irreais geram mais prejuízos do que se pode imaginar. “Esse excesso de informações, isolamento social, ansiedade e medo de perder algo por estar desconectado são alguns prejuízos que o mundo virtual pode provocar, causando transtornos psicológicos e comprometendo nossa saúde mental”, lamenta Milito.

“É por isso que as pessoas na vida real querem se ‘moldar'”, prossegue a psicóloga Patrícia. “As pessoas querem se moldar com cílios e bocas superficiais, botox, preenchimento labial. E isso nos leva a outro ponto, porque só quem tem dinheiro faz este tipo de coisa. Quem não tem poder aquisitivo para isso acaba se frustrando. Por isso existe a necessidade de um acompanhamento psicológico”, finaliza.

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