Limites da ciência

Entenda a polêmica sobre manipulação genética de embriões

Médico especializado em Bioética explica o que é polêmica em torno da manipulação genética de embriões humanos

Jéssica Marçal
Da Redação

Manipulação genética de embriões humanos está autorizada para pesquisas no Reino Unido / Foto: Arquivo CN

Manipulação genética de embriões humanos está autorizada para pesquisas no Reino Unido sobre causas dos abortos espontâneos/ Foto: Arquivo CN

No início desse mês, foi aprovada no Reino Unido a manipulação genética de embriões humanos em pesquisas sobre as causas dos abortos espontâneos. O anúncio impactou não só a comunidade acadêmica, mas também a sociedade, principalmente pelas questões éticas envolvidas e por questionar, uma vez mais, quais são os limites da ciência.

Essa não é a primeira vez que a polêmica é levantada. Em abril de 2015, pesquisadores chineses fizeram um experimento modificando genes de embriões humanos, o que foi o primeiro desse tipo na história. O estudo avaliou a modificação de um gene que causa grave distúrbio sanguíneo e chegou à conclusão de que há ainda vários obstáculos a serem superados para que o método seja utilizado na área médica.

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A autorização dada pela autoridade britânica que regulamenta a embriologia no país refere-se à utilização da técnica Crispr-Cas9, um método que permite “editar” o genoma humano, ou seja, com ele, é possível neutralizar genes defeituosos. Na verdade, desde 2009 está autorizada a modificação genética de embriões para fins de pesquisa no Reino Unido, mas uma das condições é que eles sejam destruídos em no máximo duas semanas.

A destruição ou os riscos que se apresentam para o embrião estão entre os pontos-chave para entender a polêmica em torno da questão. Mesmo se o objetivo for curar doenças, a modificação de um gene humano pode ter consequências imprevisíveis para o embrião ou ainda para gerações futuras. Outro ponto de atenção é o risco de querer utilizar as novas técnicas para tentar criar “seres perfeitos”, a chamada “eugenia”, que prega a “melhoria” da população a partir da seleção de características superiores e eliminação daquelas inferiores.

Médico especializado em Bioética, Dr. Valdir Reginato, que é membro relator do Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp, explica que, para quem não considera o embrião como uma pessoa, isso é uma perda sem mais consequências. Mas quando se considera que a origem humana é desde a concepção, então se trata da perda de uma pessoa.

O especialista explica que os estudos nessa área de embriologia procuram estabelecer fases do desenvolvimento do embrião, considerando principalmente a formação do sistema nervoso. Alguns autores consideram que não existe um ser antes disso. Já Valdir acredita que essas divisões são “meramente didáticas”, pois não há limites precisos no processo de desenvolvimento de um embrião.

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Avanço na ciência?

Reginato observa que, desde que a ciência conseguiu entrar no núcleo da vida no início do ser humano, iniciou-se uma corrida em busca de um “ser” sem doenças, pelo menos sem doenças genéticas.

O chamado “determinismo genético”, ou seja, o fato de que as doenças estariam vinculadas ou não a determinados genes, é uma visão superada, mas a prevenção genética ainda é um caminho, e por isso houve essa aprovação no Reino Unido.

Para o especialista em Bioética, a aprovação constitui um “avanço” quando analisada em termos estritamente científicos. Mas ele ressalta que a técnica está sempre associada à atitude do cientista, que é necessariamente uma pessoa e, portanto, dotado de critérios morais e éticos.

“Assim, não se coloca a Ciência ou a Técnica em julgamento, e sim as atitudes de cientistas. Este é o papel de um Comitê de Ética em Pesquisa: analisar o procedimento que será efetuado por alguém”.

Valdir acrescenta uma ressalva: “Nem tudo que se torna possível por capacidade técnica, torna-se merecedor, ou mesmo lícito, de sua realização pelas restrições éticas implicadas. É o caso, a meu ver, da manipulação genética de embriões, onde se coloca o fim em ampliar o conhecimento científico para a suposta melhoria de outros seres, mediante o sacrifício de outros que estão impedidos de se posicionar a respeito de sua aceitação ou não”. 

E para a sociedade?

O desenvolvimento científico, de modo geral, apresenta-se com um progresso para a sociedade, diz Valdir. Mas os fins não justificam os meios e esse é um princípio que às vezes passa despercebido, ressalta.

“Não se pode adquirir ‘progresso’ a qualquer custo. Mesmo porque, no próprio ambiente científico, ampliado para diferentes áreas das ciências que não técnicas, o que ocorre na Bioética, já não aprecia a premissa de que todo desenvolvimento tecnológico leva a progresso ou melhoria ao ser humano”.

Valdir acrescenta que o desenvolvimento técnico e científico sempre estará de portas abertas quando for orientado por condutas éticas. “E as condutas éticas devem respeitar o ser humano na sua trajetória do início, a partir da concepção, ao fim na sua morte. Questionar o início do ser humano à luz da ciência moderna é fechar os olhos ao que nos foi revelado, e criar denominações evasivas que permitam justificar interferir no desenvolvimento do embrião arbitrariamente”.

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