Doutrina Social da Igreja tem uma posição positiva em relação ao lucro, desde que esse seja partilhado por todos aqueles que ajudaram a gerá-lo
Padre Antônio Aparecido Alves*
Na sociedade pré-industrial o crescimento era zero, pois tudo o que se produzia era consumido, pois vivia-se em uma economia de subsistência. Na sociedade resultante da revolução industrial, o crescimento dependia dos fatores de produção, o capital e o trabalho, sendo o lucro o resultado da exploração desse último.
Aqui concentram-se as críticas da encíclica Rerum Novarum e da Doutrina social da Igreja em geral, isto é, o lucro como fruto da exploração. Na sociedade pós-industrial em que vivemos o lucro não vem mais de exploração do trabalho, mas da tecnologia, do valor agregado ao produto. Sem lucro não há atividade econômica, não há crescimento econômico. Estaríamos naquele estágio pré-industrial, de uma economia de subsistência.
O que é o lucro?
Segundo a Centesimus Annus ele é diferente de “especulação”, a qual é severamente condenada (CA n. 48). De acordo com essa Encíclica, o lucro acontece quando “os fatores produtivos foram adequadamente empregados e as respectivas necessidades humanas saciadas” (CA n. 35). Tecnicamente falando, o lucro é a diferença entre o custo para remunerar os diversos fatores de produção e o preço final desses mesmos produtos no mercado. Em termos marxistas, é a “mais valia” incorporada aos produtos e que não vem paga ao trabalhador.
A Doutrina Social da Igreja tem uma posição positiva em relação ao lucro, desde que esse seja partilhado por todos aqueles que ajudaram a gerá-lo, o que hoje chamamos de “participação nos lucros e resultados” (PLR). Porém, ela reconhece também a constante tentação de se abusar do trabalhador, o que se dá em um sistema econômico que tem o lucro como motor e, por isso, dispensa trabalhadores, achata salários ou retira direitos para não diminuir seu lucro. Ao mesmo tempo, a Doutrina social condena o lucro que vem do mercado financeiro, fruto de um sistema usuário que é o dinheiro gerando dinheiro, sem nenhum investimento na produção.
Repartir para melhorar
A legitimidade ou ilegitimidade do lucro deve ser avaliada não em termos individualistas ou abstratos, mas à luz das consequências que ele tem para a sociedade. Em outras palavras, o lucro é bom ou mal dependendo do seu impacto em todos os membros de uma determinada sociedade, não somente sobre seus imediatos beneficiários.
A Centesimus Annus ressalta o lucro como sinal da vitalidade da empresa (n. 35), mas essa afirmação só é válida em um mercado genuinamente concorrencial, porque o lucro de um monopolista não pode ser sinal de ‘vitalidade’ da empresa. A afirmação da Centesimus Annus, portanto, para ser coerente, deve ser considerada nas suas implicações: a primeira é o sustento à liberdade de ingresso no mercado, hoje muito negada; a segunda é a condenação de todas as formas de renda da Empresa que não chegam sob a forma de um verdadeiro lucro fruto do trabalho.
Precisamos ter em mente que a finalidade da atividade econômica é o melhoramento humano coletivo, não a aquisição individual ou em grupo de riqueza. Infelizmente, o gerar lucros mais do que o esforço em melhorar a condição humana tornou-se a ideia-guia para os indivíduos e inteiras classes sociais. É a isto que se refere Pio XI na Quadragesimo Anno ao falar de “ imperialismo do dinheiro” (QA n. 105-108). O lucro que vem da atividade econômica é um tipo de propriedade comum que precisa ser repartido equitativamente entre todos os fatores que o produziram.
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*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br