Celebração do Dia do Índio nesta Sexta-feira Santa, 19, é, segundo arcebispo, ponto de reflexão para o flagelo social vivido pelos povos indígenas
Julia Beck
Da redação
“Jesus continua sendo crucificado em todos os injustiçados do mundo. Celebramos o calvário dos povos indígenas e o calvário de Jesus”. A declaração é de autoria do arcebispo de Porto Velho (RO) e Presidente do Conselho Indigenista Missionário, Dom Roque Paloschi, e chama atenção para a celebração do Dia do Índio nesta Sexta-feira Santa, 19. A data, que recorda a Paixão de Jesus Cristo, é, segundo o bispo, ponto de reflexão para o flagelo social vivido pelos povos indígenas nos tempos atuais.
O arcebispo afirma que ainda hoje os índios não têm seus direitos reconhecidos, convivem com a invasão de seus territórios e sofrem com a negação de seus direitos originais e constitucionais. “Os povos indígenas sofrem o flagelo (…) nas inúmeras violências que sofrem diariamente nas beiras das estradas, nos acampamentos, nas invasões dos seus territórios por madeireiros, garimpeiros, e grandes projetos econômicos que exploram seus recursos deixando um rastro de morte. Jesus é flagelado nas inúmeras mortes de lideranças e criminalizado na criminalização dos pequenos e pobres”, observou.
Dom Roque observa que os povos originários detém um valor histórico e social de grande importância para o Brasil e para o mundo. “Eles partilham de um grande legado que é a resistência, aqui no Brasil, é de 519 anos”, completou. Citando o Papa Francisco, o bispo afirma que os índios são guardiões de sabedoria e de vivências milenares no cuidado da terra e de suas raízes culturais, além de apresentarem à sociedade uma proposta de vida e de relações pautadas no bem viver: “Neste projeto de futuro, eles afirmam que ser rico é necessitar mesmo”. Outro legado dos povos indígenas, segundo Dom Roque, é a resistências histórica que os mantém em uma luta constante da defesa da vida, dos territórios.
A Igreja enxerga esses povos originários como protagonistas de seus processos históricos e detentores de sabedorias ancestrais que precisam ser reconhecidas e respeitadas pela sociedade brasileira, comentou o arcebispo. O trabalho da Igreja é, de acordo com Dom Roque, direcionado para viabilizar o protagonismo dos povos indígenas e fortalecer a busca de cada povo, na defesa da vida e de seus territórios. “A Igreja procura ser uma presença respeitosa, não demonizando as culturas, tentando testemunhar o reino, enculturando-se em cada realidade. Neste momento, em que a conjuntura indigenista brasileira está em um momento difícil, a Igreja quer ser solidária”, frisou o bispo.
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A atenção dedicada aos povos originários, por parte da Igreja, é evidenciada no Sínodo dedicado à Amazônia, anunciado em 2017 pelo Papa Francisco, e que acontecerá de 6 a 27 de outubro. Entre os principais temas a serem trabalhados pelo clero no Sínodo para a Amazônia, o tema da Casa Comum é um dos grandes destaques para Dom Roque. “O tema da Casa Comum ganha importância por três motivos: a crise socioambiental, as mudanças climáticas globais que afetam os mais pobres do planeta e os povos que vivem na Amazônia, suas lutas, conquistas e desafios”, comentou o arcebispo.
Outro aspecto importante que será tratado pelo Sínodo é, segundo Dom Roque, a Igreja que se assume como serva, e busca ser comprometida, enculturada, uma Igreja em Saída, uma Igreja defensora da criação, com novas metologias, conteúdo, aberta aos novos paradigmas e sensível à situação das mulheres como protagonistas de uma evangelização inserida na realidade amazônica.
Para Dom Roque, o Sínodo para Amazônia incentiva também o respeito e à compreensão das diferenças: “É fundamental saber respeitar aqueles que são diferentes, que são da alteridade, saber compreender que todos nós temos a nossa originalidade. Respeitar os povos indígenas é respeitar a sabedoria ancestral desses povos. É saber que esses povos nos deixam uma grande lição sobretudo em um mundo de consumismo desenfreado, eles nos mostram uma relação harmoniosa com a criação, um respeito e a defesa intransigente pela vida. Fundamental respeitar o outro, deixe que o outro seja”.
O arcebispo de Porto Velho afirma que o cristão deve se firmar no legado de Jesus Cristo que diz: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” e “Tudo que fizeres a estes pequenos, é a mim que o fizestes”. “Somos convocados como cristãos a defendera causa da vida de todos e também a vida da criação – tudo está interligado —, e, não respeitando os pequenos, os mais fragilizados, não saberemos respeitar ninguém”, alertou.
“Cremos na ressurreição, sim nós cremos, e poderemos cantar isso na noite de Sábado de Aleluia e no Domingo Pascal, cremos também na capacidade dos povos indígenas de reinventarem sua história com a força do Ressuscitado e também com a história dos seus antepassados”, concluiu Dom Roque.