Discurso de Lula que gerou protestos e aplausos

Lula se dirigiu hoje aos seus companheiros e companheiras da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Leia a íntegra do discurso de Lula:

Meus queridos e queridas companheiras, Delegados e delegadas da Central Única dos Trabalhadores; Meus queridos companheiros e companheiras, convidados estrangeiros presentes neste Congresso; Meu querido companheiro João Felipe, Presidente da CUT; Meus companheiros da Direção da CUT, que estão na Mesa, Delegados e delegadas; Eu quero dizer para vocês que, cada vez que eu participava de um Congresso da CUT, era como se eu estivesse na minha casa, conversando com a minha mulher e com os meus filhos, porque, no meio de companheiros, eu me sinto como se estivesse em casa.

E mesmo aqueles que possam divergir, nós temos que respeitá-los, porque na casa da gente também, muitas vezes, a família pensa diferente. Entretanto, nós temos que levar em conta o que nós queremos, o que estamos fazendo para que a gente possa ter a dimensão do passo que cada um de nós pode dar.

Eu tenho, meu caro João Felício, a consciência de que muitas pessoas que morrem afogadas, não morrem afogadas porque não sabem nadar, porque se as pessoas tivessem controle emocional e consciência de que o seu corpo é mais leve do que a água; se essas pessoas mantivessem a tranqüilidade, certamente, muitos não morreriam. Morrem porque ficam nervosas, batem demasiadamente as mãos e os pés, abrem a boca demais, bebem águas indevidas e morrem afogadas. Num governo também é assim.

Um país do tamanho do Brasil, com a quantidade de problemas que tem, o Presidente da República não pode, em nenhum momento, perder o equilíbrio, perder a noção daquilo que ele mesmo espera de si e daqueles que são os compromissos históricos – que ninguém pediu para que eu assumisse com a classe trabalhadora. Mas que eu assumi, ao longo de mais de 30 anos, desde que comecei a minha vida sindical. Eu tenho consciência, meu caro João Felício, de cada passo a ser dado. E tenho consciência da dificuldade.

Mas levanto, todo santo dia, João Felício, com a certeza de que vamos cumprir aquilo que sonhamos juntos. Não é apenas a música do Raul Seixas que diz que sonhar junto transforma um sonho em realidade.

Nós vamos transformar este país juntos: trabalhadores, Governo, empresários, produtores rurais, sem terra, mulheres, homens, negros e brancos. E vamos transformar porque temos consciência da importância do nosso país no cenário mundial, e porque temos clareza das coisas que nós vamos fazer.

Eu acho importante e acho normal, quero deixar claro aqui, que ninguém se tornará meu amigo porque defende as reformas ou meu inimigo porque não as defende. Quem lida comigo, há trinta anos, sabe que se tem uma coisa que eu não perco, nos bons e nos maus momentos, é o bom senso de não confundir as divergências políticas com as minhas relações de amizade pessoal.

E vamos fazer as coisas numa mesa de negociação, onde todos poderão dizer o que pensam, onde todos poderão brigar por aquilo que acreditam que seja verdadeiro, até que uma determinada maioria possa construir aquilo que seja o melhor para este país. Mas muitas vezes, João, acontecem coisas que deixam a gente meio chateado.

Aqui, tem mulheres e homens casados, que saem de manhã para trabalhar e trabalham o dia inteiro, das 7 da manhã às 6 da tarde. Alguns pegam 3 ônibus para o trabalho, de segunda à sexta.

Às vezes uma companheira mulher chega meia hora atrasada porque teve um problema qualquer, o marido está em casa e, ao invés de reconhecer as 12 horas de trabalho dela, prefere reconhecer apenas a meia hora que ela atrasou, e por conta disso começa a brigar.

Com o homem acontece a mesma coisa, muitas vezes o companheiro trabalha das 7 às 6 horas, todo santo dia, e às vezes pára para tomar uma cervejinha com um companheiro. E quando chega em casa, não tem nenhum elogio pelas 12 horas que trabalhou mas tem críticas pela meia hora em que ele tomou uma cerveja.

Eu faço essa comparação, por algumas coisas que acontecem no Governo, que não é diferente do que acontece na família. Na semana passada, João, quem está na área de saúde aqui se lembra, nós lançamos o mais importante projeto para cuidar dos doentes mentais neste país.

Ou seja, a “Volta para Casa”, que foi aprovado, e vai fazer com que a maioria dos doentes mentais possam voltar para casa. A família vai receber um salário para cuidar dessa pessoa em casa, e o Estado vai dar assistência para esta pessoa.

Qual não foi a minha surpresa ao ver televisão e ler os jornais! Não falavam quase nada do projeto que nós lançamos, mas falavam de uma mulher que veio dizer que o Fernandinho Beira-Mar se recuperou porque estava lendo a Bíblia. Nós lançamos o mais importante e único projeto de turismo da História do Brasil, numa perspectiva de criarmos um milhão e duzentos mil empregos.

No dia seguinte, eu li os jornais e não havia uma só matéria sobre o lançamento do projeto de turismo. Teve uma declaração de uma reunião minha com a bancada do PT. Eu estou vendo a cara do companheiro Assis, aqui, e eu estou lembrando da luta que nós tivemos durante a campanha, dizendo que a gente não ia permitir que a plataforma P51 e P52 fosse feita na Noruega.

Nós estamos com apenas 5 meses de Governo e as plataformas serão feitas no Brasil, gerando emprego para a indústria naval. Da mesma forma, João Felipe, que pela primeira vez na História do Brasil, a agricultura familiar, que o ano passado recebeu apenas 4 bilhões de financiamentos, e só liberaram 2 bilhões dos 4 bilhões, previstos, este ano vamos liberar 5 bilhões e 400 milhões para a agricultura familiar.

O Banco do Brasil sabe que, este ano, todo dinheiro anunciado vai ter que ser liberado para que a agricultura familiar possa sobreviver com dignidade. Todo mundo sabe que eu vou fazer a reforma agrária.

Não porque alguém quer ou porque seja um compromisso histórico meu, mas porque há uma necessidade de se fazer justiça social neste país. E fazer reforma agrária significa dar condições para que, quem já está na terra, possa produzir decentemente, porque, hoje, os companheiros Sem Terra e os companheiros da CONTAG, sabem que tem quase 80% dos assentados vivendo em péssimas condições.

Porque fazer reforma agrária não é assentar, apenas. E assentar, é dar assistência técnica, é dar crédito, é garantir preço, é organizar em cooperativa, é organizar em agroindústria, é fazer as pessoas se tornarem produtivas neste país. E isso nós vamos fazer, da mesma forma como vamos criar o mais importante plano de cargos e salários para o setor público, já feito na história deste país.

O que não pode é alguém julgar uma criança quando ela ainda está no ventre da mãe. Porque nós temos apenas cinco meses de Governo. E se eu fosse uma criança, gerada no ventre da minha mãe, ainda faltariam quatro meses para que vocês pudessem dizer se eu seria bonito ou feio. Portanto, não vamos bater os braços nem gritar desesperados, porque pode-se morrer afogado desnecessariamente.

Companheiro João Felício, eu tive a felicidade de ir à cidade de Buíque, em Pernambuco, anunciar o crédito para 500 mil famílias do semi-árido, um crédito chamado Seguro Agrícola. Para quê? Para que os trabalhadores do Nordeste, ao enfrentarem a seca, tenham um dinheiro em mão para sobreviver naquele ano de seca.

E se ele plantar, e, todo mundo plantar, e não houver preço para o produto, o Estado comprará a safra para o Projeto Fome Zero, e vamos levar comida onde não tem comida neste país. Da mesma forma, meus companheiros e companheiras, e vocês hão de convir, que não foi pouco o que nós já fizemos, na política externa.

Os preconceituosos contra mim diziam assim: como é possível o Lula governar um país, se ele não sabe nem falar inglês? Como é que ele vai conseguir conversar com o Bush, conversar com o Tony Blair? E eu estou provando que eu não preciso falar inglês para ser respeitado no mundo. Eu tenho que falar português.

Eu não preciso falar inglês para ser respeitado. Eu tenho que falar, pura e simplesmente, a língua de 175 milhões de brasileiros, para ser respeitado no mundo. E, pela primeira vez, estamos concretizando o desejo e o sonho da integração latino-americana, porque é um discurso fácil de fazer. Mas não há integração política, econômica e comercial, se não houver a integração física.

E integração física pressupõe estrada, pressupõe pontes, pressupõe ferrovias, pressupõe aeroportos e se nós não fizermos isso, o discurso da integração será “balela”. E nós vamos fazer a integração porque acreditamos que a forma mais fácil que nós temos para fazer os ricos atenderem parte das nossas reivindicações e pararem com o subsídio dos seus produtos, não é ficar chorando e reclamando.

E quem me conhece sabe que eu não sou de chorar em reunião. Eu sou de chorar de emoção no meio de vocês, mas não sou de chorar em mesa de negociação. Você está lembrado, João Felipe? Eu comecei a minha vida sindical, se tiver alguém aqui da década de 70, dos metalúrgicos sabe disso.

O primeiro boletim que eu fiz na vida, era mostrando que um trabalhador sozinho era um graveto fácil de quebrar, mas um monte de gravetinhos juntos, era um feixe de lenha tão forte que ninguém conseguiria quebrá-lo.

A América do Sul e a América Latina vão se unir para se tornar um feixe difícil de ser quebrado. Eu disse ao Presidente da China, ao Presidente da Rússia, ao Presidente da Índia, ao Presidente da África do Sul, nós, não precisamos ser convocados pelo G-8 para falar das nossas reivindicações, nós, sozinhos, temos força suficiente para estabelecer uma política de troca entre nós, e quando a gente fizer isso, o G-8 vai nos chamar e vai nos respeitar muito mais.

Pois bem, meus companheiros e minhas companheiras, eu quero dizer para vocês que olhem bem nos meus olhos, e tenham a certeza que este companheiro, torneiro mecânico, nordestino de Pernambuco, que perdeu 3 eleições, que não desistiu em nenhum momento, e, por conta e responsabilidade de vocês, chegou à Presidência da República, não esquece e não irei esquecer nenhum dos compromissos que assumi na minha história política. Se alguém, em algum momento, teve vergonha do que foi, eu não tenho.

Não tenho vergonha do que fui, não tenho vergonha do que sou e não tenho vergonha do que serei. E eu dizia e vou repetir para vocês: nós vamos fazer a economia brasileira mudar, nós vamos fazer a economia brasileira voltar a crescer, nós vamos gerar os empregos que nós precisamos, nós vamos fazer as reformas que precisam ser feitas neste país, e vamos fazê-las com a maior tranqüilidade.

Eu, vocês sabem, não me preocupo com vaias, porque eu acho que a vaia é tão importante quanto os aplausos. Porque tem gente que me vaiou porque eu queria criar o PT, tem gente que me vaiou porque eu queria criar a CUT, e vocês sabem o tanto que eu fui vaiado para criar a CUT, em 1983. Eu só quero dizer uma coisa para vocês: podem ficar certos, meus companheiros, e eu quero pedir para vocês.

Ao invés de alguns companheiros, tão preciosos, fazerem rachas, seria melhor dizer o que querem para a gente poder atender, para a gente poder fazer as coisas. Isso seria muito melhor e muito mais prudente. Por isso, meus companheiros e minhas companheiras, podem ficar certos que eu virei em todos os congressos da CUT, até o final do meu mandato. E virei depois que deixar a Presidência da República. Muito obrigado, boa sorte e bom congresso para vocês.

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