Caridade

Com prática do desapego, jovens testemunham doação ao próximo

Conheça jovens que vivem a prática do desapego; padre diz que quem vive a caridade entende o sentido profundo da vida

Julia Beck
Da redação

Práticas de desapego são comuns nesta época do ano/ Foto: Dan Gold – Unsplash

O fim do ano é visto por várias pessoas como o fim de um ciclo, um período de mudanças. Segundo a psicóloga e doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC – SP), Andreza Maria Neves Manfredini, a organização, reciclagem e o novo são necessidades comuns do ser humano que são despertadas neste tempo. “Nossa vida é feita de ciclos e os bens materiais consumidos precisam também passar por um processo de mudança”, afirmou.

A caridade e a solidariedade, apesar de valores morais, são despertados de modo acentuado com o Natal e a passagem do ano. “A caridade é um valor moral e todo valor vem de crenças e elas são aprendidas na nossa família”, revelou a psicóloga, que faz também um alerta sobre os exageros, ou seja, quando o consumo passa a ser consumismo.

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“Vivemos em uma sociedade muito orientada para o consumo, então as relações também são um consumo, um produto. Vemos relações descartáveis e isso é algo líquido, passageiro, efêmero e ruim. É um desafio nos dias de hoje as famílias cultivarem valores morais, principalmente os da solidariedade e generosidade”.

O consumismo prejudica a saúde mental das pessoas, principalmente de quem tem transtorno obsessivo ou que acumula coisas, frisou a psicóloga. “A forma como as pessoas lidam com o dinheiro pode ser prejudicial à saúde, gera endividamento, sofrimento mental, separação, divórcio, e em muitos casos até mesmo o suicídio”, completou.

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Vivendo a solidariedade

Isaac Martins/Foto: Arquivo Pessoal

Com apenas 19 anos, o auxiliar administrativo de Cachoeira Paulista (SP), Isaac Martins Sabino, já realizou sua última doação de roupas do ano. O jovem separa roupas de duas a três vezes no ano para quem precisa. “São roupas que não me servem mais ou até que me servem, mas que eu não gosto muito”, contou. Isaac afirma que a prática foi ensinada por sua mãe e que sabe o quanto é importante. “Ser desapegado é essencial porque a pior coisa que tem é sermos escravos das coisas materiais, fora que sendo desapegado, eu posso ajudar as pessoas que precisam”.

Jonathan Alves /Foto: Arquivo Pessoal

Jonathan Alves Pereira, estudante de 19 anos e natural de São José do Barreiro (SP), também doa roupas assim como Isaac. Segundo o jovem, a ação pode levar alegria para os que não têm condições de comprar uma peça de roupa. “É a felicidade de poder melhorar o dia de alguém”, afirmou. Jonathan conta que sempre realiza doações, mas que nesta época encontra com mais pessoas que pedem por ajuda. “Não tem coisa melhor do que doar algo e depois ver a pessoa usando aquela doação. Traz paz para o coração. Quando ajudamos alguém, nos sentimos bem, renovados. Isso não tem preço”.

Fernanda Prado /Foto: Arquivo Pessoal

“Eu abro o guarda-roupa, armários, e vejo tudo o que não usei no último ano e separo para doação. Uma das coisas que penso é que se eu não usei nos últimos meses, durante o ano todo, eu não vou usar mais. E será útil pra outra pessoa. Então, separo tudo: roupas, sapatos, objetos, acessórios”. É o que revela Fernanda do Prado Ferreira de 28 anos, produtora de TV de Cruzeiro (SP).

A jovem prosseguiu: “Na minha casa meus pais sempre fizeram isso, separamos o que não usamos mais, não só pela caridade, mas também por consumo consciente. Com o tempo passei a fazer sozinha esse processo de retirar tudo e separar para quem e onde doar. Não é só um benefício em questão de espaço, limpeza do ambiente, mas o desapego é mais uma forma da gente se cuidar também, é mais uma forma de ‘limpar’ e ‘organizar’ a nossa vida”.

Cleryston Giovanni /Foto: Arquivo Pessoal

Cleryston Giovanni da Silva, educador físico de 28 anos, é de Piquete (SP) e assim como Fernanda, aprendeu a virtude da solidariedade com os pais. “Faz muito tempo que fazemos isso, inclusive tem até um instituto em Taubaté (SP), que costumo mandar as doações há uns 4 anos. Não existe época certa pra se ter empatia, humildade e exercer a caridade, mas essa época em especial nos traz uma reflexão de que as coisas no mundo não são nossas, todas as coisas presentes no mundo são de Deus e nós somos administradores das coisas de Deus”.

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Taynara de Oliveira /Foto: Arquivo Pessoal

A estudante de 22 anos, Taynara de Oliveira Villela, de Lorena (SP), conta que sempre gostou de doar roupas e sapatos que não usa mais. “Por sempre ter tido tudo, graças a Deus, eu sempre senti a necessidade de retribuir de alguma forma”, frisou. A doação gera, segundo a estudante, um sentimento de satisfação, gratidão e felicidade. “Poder ajudar, de alguma forma, as pessoas que precisam é bom demais. No Natal nós comemoramos o nascimento do Menino Jesus. Ele se entregou de corpo e alma enquanto esteve aqui na terra. Devemos nos espelhar Nele e buscar fazer ao próximo o que Jesus fez por nós. (…) Se temos tanto, por que não dividir com quem não tem?”, questionou.

Marina Thimoteo /Foto: Arquivo Pessoal

Também de Lorena (SP), Marina de Carvalho Thimoteo Umbelino, advogada de 25 anos, recorda que o hábito de doar sempre foi ensinado pelos pais, mas se tornou ainda mais acentuado em 2004, quando a família aderiu a uma campanha de doações para os atingidos por um tsunami na Indonésia. “Pensar que eu podia ajudar uma criança da minha idade do outro lado do planeta me deixava mais confortável com a tristeza da situação”, recorda.

“Vivemos tempos de ‘cada um que se vire na vida’. Acho que a época de Natal traz um pouco de reflexão, de se doar pelo outro, de ter mais tempo de pensar no próximo. Então as pessoas usam desse tempo para tentar correr atrás do tempo perdido. Doação nunca é uma coisa que você faz por você mesmo. É sempre pelo outro. Tudo que você tem guardado, é porque você pode ter, pode comprar. A pessoa que recebe doação não tem essa escolha”, completou.

Gabriel Almada/Foto: Arquivo Pessoal

Gabriel Almada Santos Reis, operador de produção de 26 anos, mora em Cruzeiro (SP) e conta que a prática da caridade e desapego surgiu nos últimos tempo quando precisou mudar do quarto que tinha. “Percebi que guardava muita coisa sem necessidade, que eu não usava mais e com isso comecei a tentar fazer uma ‘limpeza’ sempre que possível”. Desde que começou a praticar a caridade, Gabriel conta que tem se sentido melhor. “Saber que coisas que não usamos mais, que estavam sem utilização nenhuma, podem ser de grande valia para outras pessoas, e ver o sorriso das pessoas por coisas tão simples, não tem preço. Hoje penso que é o mínimo que eu posso fazer”.

Incentivo à caridade

A Catedral de Nossa Senhora da Piedade localizada em Lorena (SP) tem incentivado os fiéis a doarem brinquedos novos ou em bom estado para crianças carentes. A adesão dos fiéis pode ser vista no momento do ofertório das celebrações eucarísticas. Sobre a prática proposta no período de preparação para o Natal, o cura da catedral, padre Rodrigo Fernando Alves, destaca:

Padre Rodrigo Fernando Alves/ Foto: Ana Maria Ribeiro – Pascom

“Precisamos nos relacionar com mais liberdade diante das coisas; experimentar Jesus é perceber isto: Cristo não se apegou ao seu ser divino por nós! Fez-se um bebê no presépio, um servo no lava-pés, um despojado na Cruz. Se conseguíssemos aprofundar esta máxima não teríamos exagerados apegos!”.

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Para a psicóloga Andreza, os valores morais da caridade e da solidariedade deveriam ter maior espaço nas famílias. “Para construir um mundo melhor, relações melhores, mais harmonia e paz, precisamos pensar no outro. Desapegar é tirar do que não precisamos mais ou que não usamos e passar para outras pessoas. É preciso olhar para as pessoas e suas necessidades e perceber que talvez aquilo que temos pode ir ao encontro das necessidades do outro”.

Praticar a empatia é uma dica da psicóloga. “Reconhecer nossas demandas, mas também as dos outros. Não podemos ter um olhar egoísta. A vida em sociedade depende das relações que fazemos com nossa comunidade”, sublinhou. Padre Rodrigo reforça que Jesus e sua máxima de doação por amor ao ser humano deve ser visto como uma inspiração para os católicos que desejam viver a partilha.

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“Somos feitos à imagem e semelhança de Deus; aprendemos isto da fé. Deus se realiza em ser por nós e para nós! Quem experimenta oportunidades de serviço desinteressado, abre-se a fazer o bem, sente-se realizado. Entende o sentido profundo de passar por essa vida. Sente um prazer muito afinado ao ser de Deus; porque se aproxima Dele pelo que realiza. Deus, no Gênesis, ao realizar o bem criador, sente prazer ao ver que faz aquilo que é bom e belo! Também, quem descobre esse caminho, passa a sentir a mesma sensação”, observou o sacerdote.

A época do Natal pode provocar uma maior vivência da solidariedade, mas padre Rodrigo afirma que o cristão que é comprometido tem isso como um hábito. “Como outras ações da sua vida cotidiana são realizadas com tranquilidade, o verdadeiro cristão também partilha, se doa, doa, é desapegado (como: ser dizimista cada mês, ajudar numa pastoral em sua comunidade, ser voluntário em alguma obra social), é um hábito bom, faz parte de sua rotina”, revelou. Segundo o sacerdote, bons hábitos nem sempre são realizados com facilidade, mas devem ser realizados porque são saudáveis e fazem bem.

Andreza concluiu: “Não podemos mudar o mundo, mas podemos mudar a nossa realidade local, as relações com as pessoas ao nosso entorno. Que possamos refletir um pouco mais sobre a nossa vida e a dos outros”.

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