Artigo Frei Moser

Carnaval e Purificação: tudo a ver

Neste ano bissexto verifica-se uma estranha coincidência: a festa da purificação, sábado, 2 de fevereiro, caiu justamente durante o carnaval. Que escândalo, pensarão alguns: como celebrar a purificação e ao mesmo tempo festejar o carnaval? Como misturar a festa das candeias com a festa dos incandescentes foliões que parecem  soltar fogo pelas ventas? Por mais surpreendente que possa parecer, carnaval e purificação tem tudo a ver. Mas para que não haja dúvidas sobre esta afirmação, melhor esclarecer um pouco os termos: carnaval, purificação, tudo a ver. 

Carnaval, desde os primeiro séculos da era cristã, foi uma maneira que a Igreja encontrou para afastar seus fiéis das festas dionisíacas, que, com os mais variados nomes, de alguma forma se fizeram presentes ao longo dos tempos. Estas festas, intimamente ligadas à bebida e às suas conseqüências previsíveis em termos de comportamentos, naturalmente escandalizavam aqueles que descobriram em Cristo a fonte da vida e a alegria de viver. Assim sendo, de alguma forma, pode-se dizer que a estratégia da Igreja neste particular foi a mesma utilizada para sanar certas aberrações, sem no entanto impedir manifestações variadas de alegria.

De alguma forma pode-se dizer que este tipo de carnaval foi criado pela Igreja, como uma espécie de descontração antes da grande concentração para o jogo contra as forças do mal, durante o período da quaresma. Afinal foi justamente durante sua quaresma que Jesus se viu obrigado a resistir tenazmente às investidas do demônio.

A purificação fazia parte do ritual judaico. Este ritual, que comportava aspectos culturais para nós hoje um tanto estranhos, no sentido de sugerir que após o parto a mulher se encontrava em estado de impureza, comportava sobretudo uma profunda dimensão religiosa, com alguns desdobramentos.

A primeira dimensão aponta para as mães que, cheias de alegria e agradecimento, apresentavam a Deus no Templo o fruto do seu seio. Por isto esta festa é também chamada da “consagração”. No caso de Jesus esta apresentação consagradora teve lances verdadeiramente proféticos nas figuras de um homem e uma mulher, ambos em idade avançada: Simeão e Ana. Ambos intuíram que no menino Jesus se cumpriam as profecias, e por isto mesmo, ambos louvavam, alegremente, a Deus, que havia enviado a luz que iria iluminar todos os povos.

E agora a conclusão sobre o que aproxima carnaval e purificação. Carnaval e purificação têm tudo a ver antes de mais nada porque ambos lembram a condição pecadora do ser humano. Como diz o salmo 50,  somos totalmente marcados por um pecado de raiz. E contudo, tanto o carnaval quanto a festa da purificação nos lembram que o pecado pessoal não é uma fatalidade com a qual devemos conviver. Pois de fato, na medida em que nos deixarmos iluminar por aquele que é a “luz das nações”, saberemos acolher em nossos braços a alegria de viver, mesmo em meio às contradições próprias da condição humana.

Sabemos também que nem todos os festejos carnavalescos são marcados de alegria genuína, como também sabemos que nem todos os que marcam suas cabeças com as cinzas da quaresma são assinalados por um autêntico espírito de conversão. Bem lá no fundo, tanto os que buscam no período do carnaval viver uma alegria condizente com a dignidade humana, quanto os que buscam durante os dias que precedem à quaresma, mergulhar na oração, sabem que para viver em comunhão com Deus nunca poderão perder de vista a necessidade de se purificarem.

É que dentro de cada um de nós trava-se uma luta contínua. Esta luta experimentada pelo próprio Jesus no célebre episódio das tentações, mostra que o espírito do mal ronda a todos, sem exceção. Mas mostra também que seus ataques não são irresistíveis: irresistível mesmo só a graça de Deus.

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

↑ topo