Seminário de filosofia

Bom x Justo: professor explica distinção a partir de Paul Ricoeur

Qual a distinção entre o justo e o bom? Essa é uma das reflexões que vai ter espaço no Simpósio de Filosofia, que será realizado na próxima segunda-feira, 7, em Lorena (SP). O seminário vai reunir professores e alunos de Filosofia em torno de um tema central: "Pessoa e Comunidade e a nossa condição terrestre em instituições justas". A temática será avaliada a partir das obras de dois filósofos franceses contemporâneos e de inspiração cristã: Emmanuel Mounier e Paul Ricoeur.

O professor do curso de Filosofia da Faculdade Canção Nova (FCN), José Marcos Miné Vanzella, será um dos palestrantes do evento. Ele vai falar sobre a distinção do justo e do bom e a questão das instituições no pensamento de Paul. Ricoeur.

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Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, o professor contou que comunidades diferentes apresentam concepções diferentes sobre o que é o “bem”, mas existe a necessidade das pessoas conviverem juntas em uma única sociedade. Nesse sentido, a grande questão é garantir que elas vivam juntas e que haja justiça para todos. Veja abaixo a entrevista com o professor.

noticias.cancaonova.com –  Em sua intervenção no Seminário, o senhor vai abordar “A distinção do justo e do bom e a questão das instituições no pensamento de Paul Ricoeur”. Como a sociedade atual entende essa distinção entre justo e bom?

Prof. José Marcos– A questão da distinção do justo e do bom está vinculada à questão do Estado secular e as sociedades democráticas distinguem várias concepções de bom e de bem dentro de uma mesma sociedade. Essa relação está ligada justamente à necessidade de confirmar uma situação justa para todos a partir da qual cada um pode perseguir o seu próprio bem, o seu próprio sentido de bem. Isso inclui pessoas, indivíduos e comunidades. As comunidades diferentes têm concepções diferentes de bem, no entanto precisam conviver numa mesma sociedade e aí é que está: como fazer isso garantindo a justiça para todos.

noticias.cancaonova.com – Qual o legado da obra de Paul Ricoeur para a sociedade contemporânea?

Prof. José Marcos – Essas questões são, aparentemente, bastantes simples, mas elas vão ter uma abrangência muito grande e bastante profundidade também. Fundamentalmente, o Paul Ricoeur vai afirmar um adágio ético de viver bem com e para os outros em instituições justas. Então, pra ele, no fundo o ser humano tem o desejo de viver bem com e para os outros. Esse viver bem, inicialmente, se dá num nível de proximidade. Agora, na sociedade, portanto num nível mais amplo, o primeiro nível é proximidade familiar comunitário, onde as pessoas se conhecem e têm relações de solicitude e de amizade. Depois num nível mais amplo da sociedade e das instituições, onde elas têm que ser justas, então essa passagem do comunitário para o social, onde elas vão ser justas mas ligadas às instituições. Por último, num nível mais amplo e propriamente concreto, que ele chama, é o nível da chamada estima social, onde mais amplo que o Estado e as instituições sociais, está a estima social, que é o nível em que evidencia essas relações humanas de viver bem com e para os outros em instituições justas. Repare que aqui está tanto à ligado à ideia do bem na filosofia vinculada à ação e a um ideal de bem, e um respeito pelo outro e pela justiça.

É extremamente fundamental para o pensamento do Ricoeur a presença do outro em nós. Essa presença do outro em nós se faz sentir no amor, no direito e na estima social. Ela se faz sentir também através de um código partido, ou seja, a nossa própria consciência não se constitui como se fosse um indivíduo separado. Ela só se constitui no e com os outros.

noticias.cancaonova.com – Ricoeur foi um filósofo de inspiração cristã. Em que sentido essa orientação religiosa refletiu em suas obras?

Prof. José Marcos – Principalmente essa dimensão da alteridade, portanto dessa afirmação do ser para o outro, podia ser simplesmente viver bem com outros em instituições justas. Se fosse só viver bem “com” os outros, você não teria essa dimensão da abertura “para” que é justamente essa dimensão da solicitude, da dádiva, do amor, do dom. Então essa é uma dimensão marcantemente cristã do pensamento do Paul Ricoeur. Esse “viver para” e essa solicitude que, portanto, ele fala até de uma economia da dádiva, em que você vai de encontro ao outro. Portanto, não é simplesmente uma disputa por um reconhecimento, mas é um reconhecimento que se dá a partir de uma oferta generosa que é o ágape, que é o fundo do amor cristão e que é base de uma vivência comunitária.

noticias.cancaonova.com – De que forma a filosofia auxilia na compreensão da dimensão religiosa?

Prof. José Marcos – Na filosofia em geral, nós vamos ter alguns filósofos que militam até num campo ateu e outros filósofos que militam no campo da filosofia cristã. Independente do campo que eles militam, até Bento XVI comenta, não há fé que não suporte a dúvida e nem dúvida que não suporte uma dúvida sobre si mesma e o outro lado que é a fé. Filosofia e visão religiosa do mundo ou teologia, elas têm, no fundo, as mesmas questões que dão sentido à existência do homem. Ao trabalhar essas questões, o como o ser humano se depara diante dessas questões, faz com que um não possa, de certa forma, simplesmente se enxergar sem olhar também para o outro, porque eles estão participando exatamente da mesma problemática e com essas alternativas às vezes distintas e às vezes em consonância. Aquele que não tem fé, não partilha uma fé cristã ou que não tem uma filosofia que tenha diretamente uma abertura para o transcendente, justamente ele vivencia um tipo de questão que também o faz se contrapor ao cristão, mas ao mesmo tempo olhar pra ele, um olha para o outro. Esse olhar implica em conhecimento recíproco e em uma distinção de si mesmo.

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