A fascinante “caçada” aos genes já vem ocorrendo há mais de um século. Afinal eles seriam a chave de leitura para os segredos da vida e para a eventual cura de males até agora tidos como incuráveis. As perguntas básicas são bem conhecidas: O que são os genes? Onde eles se localizam? Quais suas funções? E qual sua relação com certas doenças? Ao longo destes mais de cem anos muitas luzes foram projetadas sobre estas perguntas. Entretanto, nenhum delas foi suficiente para iluminar o bastante os mistérios da vida para que pudessem ser encontrados os caminhos da cura de tantos males presumivelmente oriundos conexos com os genes.
Para começar, ainda hoje, mesmo depois do Projeto Genoma Humano, ninguém sabe ao certo o número de genes de nenhuma espécie de seres mais complexos. Muito menos se conhece o número de genes que compõem o Genoma Humano. Em escala decrescente se passou de algumas centenas de milhares para apenas cerca de 20 mil. Este simples dado já é bem significativo: se nem se conhece exatamente o número de genes como se poderá ter a pretensão de responder às outras perguntas? E mais: comou ousar interferir em mecanismos que não se conhecem?
Só que a primeira pergunta que ainda não encontrou resposta convincente não se refere somente ao número, mas a algo de muito mais decisivo: afinal o que são os genes? Quando se procura esta resposta, por exemplo na internet, encontram-se muitas coisas interessantes, mas nenhuma definição propriamente dita. Fica claro que não se trata de unidades materiais, e sim de pacotes de informações que exercem certas funções nos seres vivos. Acontece que estas funções não são contínuas, pois existem íntrons, que intercalam a longa cadeia de DNA, e exons que estabelecem a conexão.
Melhor dito: íntrons, ao contrário dos exons, não produzem proteínas e com isto fazem um papel semelhante àquele atribuído aos “buracos negros” quando se fala em espaço sideral. Sabe-se que existem, que se revestem de um poder extraordinário que os torna capazes de engolir estrelas, mas não encontram definição…
Indo adiante com as interrogações passa-se a descobrir que os genes não têm nem localização fixa, nem função definida, uma vez que é preciso contar com a existência de genes saltitantes, denominados de transposons, e até mesmo com pseudo genes.E mesmo ao se falar em “cadeia” genética, nunca se pode perder de vista que ela não é contínua, mas é interrompida. Todos estes elementos acima referidos podem ser encontrados na internet, ou numa publicação do estilo “Genômica” ( Editora Atheneu, 2004), com mais de mil páginas, com estudos sólidos sobre os mais diversos aspectos destas complexas mas sempre de novo evocadas realidades.
Estes breves acenos certamente nos levam logo à algumas conclusões importantes. A primeira delas é que muito se escreve e muito se fala sobre realidades sobre as quais ainda se sabe muito pouco. Em termos de genômica e genética, até os maiores especialistas se encontram na condição de uma criança que sabe lidar com o computador, sabe ler e até escrever, mas não sabe muito bem o que está lendo e sobre o que está escrevendo e muito menos compreende o que faz o computador funcionar. A segunda conclusão é a de que os anúncios quase diários de novas e sensacionais descobertas neste campo devem ser analisados com muita cautela.
Mesmo sem saber exatamente o que são os genes, onde se localizam, como atuam, e quais suas funções exatas, já sinalizados os seguintes genes: do estresse, do câncer, da esquizofrenia, da criminalidade, da homofilia, da pedofilia, do alcoolismo, dos males de Parkinson e de Alzheimer. Nem a infidelidade conjugal ficou sem referência . Com isto já vão sendo sinalizadas como possíveis as confecção de tecidos e órgãos, a cura de muitos males. Foram ainda descobertas no organismo substâncias com poderes incríveis, como o caso de uma espécie de pó denominado “extra-cellular matrix”. Com ele, segundo notícias do dia 2 de maio do corrente ano de 2008, foi regenerado um dedo totalmente decepado. E a notícia garante que não se trata nem de recolagem, nem de auto-regeneração, mas de “produção” de um novo dedo.
A prosseguir nesta seqüência ininterrupta de descobertas sensacionais sobre o que ainda nem tem uma definição adequada, muito em breve chegaremos ao ponto em que cientistas e pesquisadores mais sérios irão preferir “silenciar” genes, ou então, na expressão do prêmio Nobel de Medicina de 2007, Martin Evans, “nocautear” alguns deles para só então possibilitar o adequado funcionamento dos outros. Concretamente isto significa que é mais fácil “alterar” genes de um organismo para combiná-los com os de outro organismo, para assim entender melhor como funcionam estes mecanismos que se divertem em fugir a qualquer tentativa de aprisionamento.
Em suma, é claro que estas considerações todas não querem desmerecer os imensos esforços que são feitos tanto para conhecer os mais recônditos mistérios da vida, quanto para propiciar melhores condições de vida para todos. Muito menos se deve sugerir uma equiparação entre os níveis dos estudiosos e os que se vêem diariamente na árdua tarefa de traduzir tantas e tão complexas novidades em linguagem acessível para o comum dos mortais. Ou seja, não se pode confundir o nível da pesquisa científica com aquele da simples informação, mesmo se feita com as melhores das intenções.
Uma vez ressalvado isto, talvez seja interessante prosseguirmos na “caça” de um gene muito difícil de ser descoberto: é o gene do bom senso. Ou seja: aquele que leva as pessoas a saberem a um só tempo se alegrar com as conquistas, e até mesmo com esperanças que depois não se concretizam, sem, no entanto perder de vista de que “nem tudo o que reluz é ouro” e de que nem tudo o que vem acompanhado do pomposo qualificativo “ científico”, pode ser logo acolhido como sendo verdadeiro.
Neste contexto convém não esquecer o golpe magistral aplicado pelo cientista Sul Coreano Woo-Suk Hwang em inícios de 2006 que constrangeu o governo de seu país a pedir perdão para o mundo. Também não convém esquecer que até James Watson, considerado como o “ Pai” do DNA, em fins do ano passado, solenemente proclamava, em nome da genética na qual é inegável especialista, que os negros são menos inteligentes do que os brancos… Ora, se os dois referidos incontestes cientistas tivessem descoberto o único gene que faltava – o do bom senso – certamente não teriam passado por tamanhos constrangimentos… E é de se esperar que a mesma descoberta também leve certas figuras que vivem prometendo milagres em nome das células tronco embrionárias a abaixar um pouco o tom de voz. O bom senso recomenda não fazer previsões quando se trata de questões tão complexas nem fazer tanto ruído quando uma das técnicas mais eficazes em termos de terapia genética consiste em “silenciar” genes. .