Até há poucas décadas os casais que desejavam ter um filho costumavam comunicar a novidade num tom de alegre brincadeira: "vamos encomendar um bebê". Histórias de cegonhas carregando os bebês em lindas cestas não são tão ingênuas quanto podem parecer: os bebês eram vistos como presentes de Deus vindos do céu. Hoje deveríamos dizer: ter um filho não é um direito, a ser obtido a qualquer preço, mas é um dom gratuito de Deus. Os pais não são mais que mediadores e eventuais intervenções através dos laboratórios não devem passar de subsídios para uma melhor acolhida do dom.
Ninguém sabia dizer muita coisa sobre o futuro bebê: além da certeza de que ele seria um retrato com duas faces, a do pai e da mãe, no máximo, através de certas superstições conjugadas à observação pragmática de certas coincidências, os futuros pais se aventuravam a emitir uma opinião sobre o sexo da criança: "menino ou menina". O prognósticos do próprio pediatra não iam muito além. Assim todas as fases do desenvolvimento da vida intra uterina lembravam muito a expectativa que as crianças tinham em relação aos presentes de Natal: tudo era surpresa. Daí os pulos de alegria quando eram abertos os pacotes e os pulos de alegria incontida quando a criança soltava os primeiros gritos e mostrava a todos o seu corpinho ainda banhado dos elementos químicos oriundos do corpo do seio materno.
Claro que pouco a pouco, com o desenvolvimento de aparelhagens e técnicas cada vez mais sofisticadas, não apenas as várias fases da vida foram sendo seguidas com sempre maior precisão, como também foram se multiplicando diagnósticos e eventuais interventos para prevenir ou combater certas doenças. Tudo isto foi revelando uma dupla face: uma positiva e outra negativa. A positiva é aquela de não apenas sermos observadores dos maravilhosos processos vitais, mas a de nos tornarmos capazes de interferir de maneira mais ou menos profunda sobre eles. A face negativa consiste numa crescente mecanização da vida e isto também em todas as etapas, desde a concepção até à morte.
Contudo todas estas podem parecer observações muito genéricas se não forem ilustradas com uma série de descobertas que vão se avolumando a cada dia que passa. O ponto de partida para a aceleração de todos os processos seja na linha dos conhecimentos, seja na linha dos interventos, pode ser localizado na década de 1990 a 2000, quando se desenvolveu o conhecido Projeto Genoma Humano. Na prática aquele não passou de um marco, uma vez que praticamente a cada dia vão sendo levantadas novas hipóteses, formuladas novas teorias e acrescentadas novas descobertas. Aliás, já se anunciam dois novos mega projetos: um referente a um mergulho mais profundo nos mistérios das proteínas, e outro nas células que, sem aparente explicação, passam a se transformar em células assassinas, originando o câncer.
Será conveniente relembrar algumas manchetes dos últimos tempos, para se perceber melhor o que significa bebê quimera. Falar de inseminação e fecundação artificial já passou a fazer parte do cotidiano. Os bebês de proveta são cada dia mais numerosos. Como também faz parte do cotidiano a clonagem de qualquer animal: ovelhas, cachorros, gatos, cavalos… Um pouco mais surpreendentes são as notícias que apontam para a possibilidade de repaginação de células adultas, fazendo-as recuperar sua força nativa e a extração de uma célula de um embrião, mas sem forçosamente eliminá-lo, como se pressupunha até há pouco. Claro que extrair uma célula de um embrião é e será sempre uma temeridade, no sentido de que cada uma daquelas células estar de antemão destinada a cumprir uma certa tarefa. Caso contrário não estaria ali.
Também já há algum tempo vêm sendo produzidos seres híbridos, no sentido de se acrescentarem ou retirarem certas propriedades. Sem falar dos enxertos, prática usual no mundo agrícola, vão surgindo todo tipo de plantas e seres revestidas de novas e surpreendentes características: peixes e animais geneticamente transformados para apresentarem cores e brilhos especiais. Inclusive, para os que estão receosos das alterações que vêm ocorrendo com a carne de vários tipos de animais, já se começa a apontar para a possibilidade da produção de "bife de proveta". Provavelmente será mais gostoso do que o "bife de soja transgênica". Mais do que meras curiosidades, estas quimeras são os testemunho do poder quase ilimitado que os seres humanos detêm sobre os mecanismos da vida.
Diante de todos estes precedentes, como já era de se esperar, as combinações genéticas entre seres animais e seres humanos visando aprimorar certas características não poderiam demorar muito. E de fato ali estão. Primeiro foram feitas tentativas para "humanizar" certos órgãos de animais, visando maior facilidade e maior sucesso em transplantes. Depois avançou-se na linha de "aproximar" ainda mais genéticamente seres humanos e animais. Agora as manchetes de meados de abril do corrente ano de 2008 anunciaram um novo estágio previsível: exatamente os bebês-quimeras.
Efetivamente até agora as experiências foram feitas apenas com ratos, mas acenando já na direção dos humanos. Como se sabe a clonagem da ovelha Dolly, em 1997 foi conseguida pela transposição do núcleo de uma célula adulta para o vazio de outra célula adulta. A filha trazia as mesmas características da mãe, até no que se refere à idade e às doenças. Agora o "método Dolly" já parece ultrapassado. O novo método prevê que se tome células da pele , que estas sejam geneticamente reprogramadas para se tornarem células tronco pluripontentes (como as embrionárias), para então serem injetadas em outro embrião. O novo embrião, portador de células mistas será, portanto, não apenas um ser original dentro da sua espécie, mas face a todas as espécies. Ou seja: jamais existiu outro igual, e jamais poderia existir sem este tipo de intervenção humana.
E agora vem a pergunta crucial: mas o que isto tem a ver com o título acima "bebês – quimeras"? A resposta é relativamente simples: não apenas as crianças poderão ser programadas sob medida, como elas também poderão ser constituídas em seres humanos, com características animais, ou animais com certas características humanas. Além disto, qualquer pessoa, jovem ou idosa, hetero ou homossexual poderá transmitir genes seus para uma criança, utilizando apenas umas poucas células adultas, tiradas de sua pele. E mais: um mesmo ser humano, agora fruto de uma mistura genética, poderá já não mais ser filho de apenas um pai e de uma mãe, mas de vários pais e mães biológicos… É só acrescentar no já constituído embrião novos genes de espécies diferentes.
Claro que tudo isto causa arrepios. Nunca é demais insistir sobre o princípio de que não são nem as ciências nem as tecnologias que devem nos espantar. O que nos deixa temerosos são as ideologias dos detentores de tais ciências e tais tecnologias. Isto nos leva a uma tríplice conclusão: a primeira no sentido de percebermos que há limites intransponíveis e que não remetem à convicções religiosas, mas remetem ao bom senso; a segunda decorre da primeira: cada dia fica mais clara a necessidade de se aprofundarem os estudos na linha da ética e da bioética; a terceira conclusão é aquela que não aparece de imediato, mas que nos adverte para seremos mais prudentes na exaltação incondicionada de experiências com células adultas. Os riscos de desumanização não apontam apenas para as células embrionárias… Como fica evidenciado acima, quimeras podem ser resultado tanto de experiências com células embrionárias, quanto com células adultas. As experiências acima relatadas são feitas com células adultas…Isto nos leva a percebermos que mesmo ao afirmarmos que somos a favor de experiências com células adultas, devemos sempre acrescentar:" desde que efetuadas dentro dos critérios éticos de respeito absoluto à vida".