A rigor a problemática não é nova. Há muito ela se colocava para os profissionais da saúde, mormente para os que trabalham nas UTIs. Até agora a problemática se colocava sob um duplo ângulo: o da ética profissional, que jurou lutar pela vida do paciente até o final, e o do sofrimento dos que se encontram em fase terminal.
Hoje um outro ângulo, ainda mais problemático, começa a emergir: até quanto se deve investir em doentes terminais? Antes o acento recaía na compaixão; agora nos custos financeiros. Antes a pergunta era até "quando", agora se acrescenta "até quanto".
Em si nem esse terceiro ângulo relacionado com a fase terminal da vida é de todo novo. Há muito a questão se colocava, mas com muita discrição. A sofisticação das biotecnologias é que tornou a questão mais aguda. Não apenas se pode prolongar indefinidamente uma vida, ainda que em estado vegetativo ou semi vegetativo, como a sofisticação apresenta uma conta cada dia mais alta.
Outro complicador se apresenta de onde menos se poderia esperar: a longevidade se torna um personagem cada dia mais presente em todas as camadas sociais. Claro que essa é uma boa notícia, prova dos avanços das ciências e tecnologias, mas também de uma série de outros fatores, ligados as investimentos na qualidade de vida.
Mas esse personagem que tem muito de anjo, quanto olhado de um ponto de vista estritamente econômico e social, pode assumir um vulto menos simpático, para não usar o antônimo de anjo. O envelhecimento generalizado coloca uma série de problemas até há algumas décadas pouco percebidos.
Conjugando os fatores acima assinalados, compreendemos o acirramento dos debates que estão apenas começando. UTIs e alocação de recursos em direção à última etapa da vida vão levantando sempre mais uma questão ao mesmo tempo ética, econômica e social. Como garantir um mínimo a todos, mas sem abandonar os que se encontram na fase final da vida? Como administrar com justiça os recursos destinados à saúde? Quanto custa algumas semanas ou alguns meses a mais de vida?
Esse é o grande impasse que se faz sentir nos EUA. Por incrível que pareça, justamente na nação mais rica e mais poderosa do mundo, nada menos do que 40 milhões de pessoas não gozam de nenhuma assistência em termos de saúde. É que na concepção norte americana, ao contrário da concepção européia, saúde é uma questão privada. O Estado não garante nada. E o Barack Obama que o diga o quanto é difícil lidar com esses assuntos.
Ainda que no Brasil e em outros países onde, bem ou mal, há um SUS da vida, a problemática não tardará a ser colocada em pauta. Aqui o argumento principal para uma melhor "equação" do que se denomina "custo e efetividade" aponta para os conhecidos e crescentes rombos da Previdência. Esse não pode, evidentemente ser argumento aceitável para investir menos com os idosos. Entretanto, ainda que se corrijam essas distorções, não há dúvida de que o problema é real e vai se colocar com sempre maior intensidade e insistência.
Como posicionar-se de maneira sensata diante dessa problemática crescente? Claro que ninguém é detentor de uma solução prévia. A solução vai exigir muito empenho de todos: do Governo, da sociedade, e naturalmente dos que se dedicam ao campo de Ética. Por isso mesmo deve ser descartada qualquer resposta precipitada.
Uma luz se apresenta quando se tem presente um velho princípio adotado pela Igreja para a questão da eutanásia, que embora sendo diferente, apresenta um parentesco com a atual: a todos devem ser garantidos os recursos "ordinários", e isto até o último suspiro. Mas ninguém pode ser obrigado a buscar recursos "extraordinários", quanto o desenlace é questão de pouco tempo. E em nossos dias, com a sofisticação tecnológica a distinção entre o que é "ordinário" e o que é "extraordinário" se torna ainda mais difícil.
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