Coluna - padre Mario Marcelo

A Igreja deve "intrometer-se" em assuntos científicos?

Estamos vivendo um momento intenso de reflexão sobre temas referentes à vida humana. Os avanços científicos, sobretudo na Engenharia Genética suscitaram debates éticos. Os vários setores do poder público, judiciário, religioso, científico e privado estão mobilizados neste debate.

Dentro desse cenário de enorme avanço científico no campo da genética, as questões que confrontam o cientificamente possível e o eticamente admissível serão cada vez mais frequentes.

A vida humana está em pauta. Quando começa? O que a caracteriza? Como deve ser respeitada em sua dignidade? O que é interessante é que estes temas estão sendo comentados em casas, nas escolas, Igrejas, na rua, entre amigos, etc.

O debate público é de enorme relevância, pois a Igreja mesma entende a necessidade do esclarecimento sobre o respeito à dignidade da pessoa. A competência da comunidade de decidir sobre os rumos da engenharia genética não deve ficar só nas mãos dos cientistas e dos políticos. A humanidade inteira deve ter suas instâncias de participação.

Um dos setores mais envolvido neste debate e que mais recebe críticas é a Igreja Católica. A Igreja é criticada por pessoas e setores da comunidade alegando dogmatismo, imposição, arbitrariedade, desrespeito pela liberdade, intenção de dominar o estado, etc. Muitos afirmam que o estado é laico e por isto a Igreja não deve se “intrometer”.

Interessante, quando no Brasil havia perseguição política a presos e exilados políticos e que a Igreja se manifestava, lutava até à perseguição, muitos religiosos perderam a vida, não se ouviam gritos de que o estado é laico. Hoje, neste debate em torno da bioética, da defesa da vida, muitos, motivados por seus interesses políticos, econômicos, de poder, fama, científicos, etc. lutam por deixar a Igreja fora deste debate.

A Igreja não deve julgar à priori os possíveis desdobramentos destes avanços, mas manter um diálogo constante com o mundo científico para se inteirar das possibilidades, perigos e limites dessa nova etapa que se descortina na história da humanidade. Portanto, “é preciso que haja uma espécie de vigilância ética no âmbito técnico-científico, com o intuito de inibir qualquer experimento que ameace ou viole a dignidade humana”.

Isso não significa, porém, impedir o avanço científico em áreas que trarão claros benefícios à humanidade. A Igreja deve estar atenta à necessidade de defender a vida em geral e também a vida individualizada, de cada ser humano, portador de características genéticas próprias; a lutar contra toda e qualquer linha de pesquisa que fere diretamente a vida. Consciente de sua missão, a Igreja deve zelar pela vida em qualquer estágio ou situação, missão esta recebida do próprio Cristo.

Cabe também à Igreja zelar para que os benefícios decorrentes das pesquisas científicas não fiquem restritos a uma ínfima parcela de privilegiados, mas estejam ao alcance de toda a humanidade. Em abril de 2003, o Cardeal Biffi, Arcebispo de Bologna, fez um sermão no qual, incidentemente, tratou da “Parresia”. Esse termo aparece nos Atos dos Apóstolos como sinônimo de franqueza evangélica.

“Vendo a convicção (franqueza) de Pedro e de João” (At 4,13). Franqueza traduz o significado do termo grego “parresia”, termo que quer dizer “liberdade de palavra” e “capacidade de exprimir-se sem medos”. Conforme os escritos apostólicos, “parresia” é a coragem de anunciar o Senhor Jesus e sua mensagem de luz, mesmo diante de quem é hostil, prevenido, por vezes até prepotente e opressivo. Não é a temeridade de perturbar os irmãos na Fé, propondo opiniões mundanas e compromissos fáceis. É desafiar os dominadores deste século (os donos do poder, da riqueza, da informação) confiando-se apenas na força do Evangelho”(…).”Essa franqueza apostólica é um dom precioso do Espírito Santo (…)”.

A atitude da Igreja é, e deve ser sempre, de denunciar com coragem, franqueza (parresia) toda ameaça à vida. É responsabilidade da Igreja anunciar e denunciar todo tipo de agressão à vida. Tudo o que fere a vida em sua dignidade deve ser excluído do nosso meio. A Igreja, a exemplo do Bom Pastor, se torna responsável de cuidar, proteger, curar, apascentar o povo e, de forma particular e exigente, os fracos, indefesos e sem cuidados.

“Em bons pastos as apascentarei, e nos altos montes de Israel será o seu curral; deitar-se-ão ali num bom curral, e pastarão em pastos gordos nos montes de Israel. Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas, e eu as farei repousar, diz o Senhor Deus. A perdida buscarei, e a desgarrada tornarei a trazer; a quebrada ligarei, e a enferma fortalecerei; e a gorda e a forte vigiarei. Apascentá-las-ei com justiça” (Ez 34,14-16).

Numa atitude de fidelidade, a Igreja tem o compromisso vindo do próprio Cristo de defender toda a criação e, de modo especial, a vida humana. A missão da Igreja se torna mais urgente e necessária para com os mais pobres e indefesos, aqueles que na sua vulnerabilidade ou inocência são continuamente ameaçados em seu direito de viver.

A Igreja conhecedora do projeto Divino e consciente de sua missão assume o compromisso de defender a vida que é ferida, agredida por uma sociedade que a ameaça. Diante de Deus e da humanidade, a Igreja, mesmo sendo ridicularizada por muitos setores da sociedade, não pode se omitir, ela tem que ter uma atitude profética, ainda que seja no deserto, de defender, promover e respeitar a vida desde a concepção até o momento de sua passagem definitiva.


 

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