Na Íntegra: Entrevista com jurista Manoel de Lima

Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, o magistrado e professor universitário, Dr. Manoel de Lima explica quais os fundamentos do Estado Laico e como, dentro desta estrutura, são tratados os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal Brasileira.

Leia, abaixo, a entrevista na íntegra:

noticias.cancaonova.com:  – Como podemos definir o Estado Laico?

Dr. Manoel de Lima –  O Estado laico é aquele que  não possui uma religião oficial,  que adota a liberdade de todas as crenças religiosas e garante sua prática. O Estado laico também pode ser conceituado como aquele que tem seu fundamento na soberania popular e não em princípios religiosos.  Todavia, não se pode confundir o Estado laico com Estado ateu ou agnóstico, uma vez que é um Estado que garante a liberdade de crença. O Estado brasileiro é caracterizado como Estado laico pois está disposto na Constituição Federal :  “Art. 5º, VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” e, em seu art. 19, I, proíbe à União, aos Estados, ao Distrito Federal  e aos Municípios, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

noticias.cancaonova.com:  O Estado Laico, como sabemos, não declara-se religioso em nenhum aspecto, mas ao mesmo tempo não pode arbitrariamente ir contra a identidade cultural de um povo, que talvez esteja intimamente ligada à presença da religião. Neste caso, a religião deverá ser tida, como questão meramente privada?

Dr. Manoel de Lima – Para o Papa Bento XVI, "a tendência que, por assim dizer, admite Deus como opinião privada mas lhe recusa o domínio público, a realidade do mundo e a nossa vida, não é tolerância, mas hipocrisia" (Homilia de Abertura do Sínodo dos Bispos em 21.10.2005). No caso do Estado brasileiro, a religião não pode ser tida como questão meramente privada. Veja que a liberdade crença e o livre exercício dos cultos têm proteção constitucionalmente prevista. Por outro lado, a identidade e a formação cultural do povo brasileiro estão alicerçados em princípios cristãos. Basta lembrar a denominação de alguns estados ( São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo), nomes de cidades e de logradouros públicos (Belém, São Luís, Natal, Salvador, Nossa Senhora de Copacabana, etc.).  

noticias.cancaonova.com: – Bento XVI, ao falar sobre liberdade religiosa aos membros do Corpo Diplomático credenciado junto à Santa Sé, em 2010, defendeu o que ele chamou de 'laicidade positiva', partindo do pressuposto que o Estado deve reconhecer o papel da religião enquanto uma realidade que contribuiu na construção da sociedade. Partindo deste argumento, negar a presença dos crucifixos em locais públicos, por exemplo, não seria uma negação das raízes culturais, no caso do Brasil, que possui uma história completamente ligada ao cristianismo?

Dr. Manoel de Lima – Conforme lembra o eminente Procurador de Justiça e Conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, dr. Walter Paulo Sabella, "pretender que da exposição do crucifixo" em prédios públicos "se possa inferir relação de dependência ou aliança com organizações religiosas", semelhante raciocínio levaria, "simetricamente, à mesma conclusão em face do fato de aceitar-se a estátua do Cristo Redentor em terras públicas, no Rio de Janeiro". Lembra, ainda, que "as religiões são fatos sociais",  e "a ostentação do crucifixo num prédio público não tornará, o Estado menos laico, nem a sua retirada lhe dará maior laicidade". Desse fato mesmo "de ser a religião um fato social, emerge, 'ipso facto', a ingente dificuldade de distinguir, em fronteiras nítidas, se as coisas tidas como da religião, como seus símbolos, pertencem apenas aos domínios do campo religioso ou se amalgamam e difundem pelos domínios da cultura, da tradição, do costume”. E tanto "as coisas são assim que Arnold Toynbee, o grande historiador inglês, chegou a sustentar que as próprias civilizações se desenvolvem nas linhas conceptuais de uma religião fundamental e entram em agonia quando se esvai o poder vital dessas religiões" (Parecer no Pt. n. 48723/07, de 27.8.2007).

noticias.cancaonova.com: A legalização do aborto é algo que aos poucos torna-se uma realidade. No caso de uma possível aprovação, mesmo se tratando de Estado Laico, não seria um atentado aos direitos fundamentais, no caso, à vida, a qual é inviolável, segundo a Constituição de 1988? 

Dr. Manoel de Lima – Todos têm direito à vida. É uma garantia fundamental constitucionalmente prevista. Não tenho qualquer dúvida de que a descriminalização do aborto constitui um atentado à vida, direito fundamental previsto na Constituição de 1988. A questão do aborto não é e nunca foi uma questão religiosa; é uma questão da própria natureza humana. Não é necessário apelar a princípios religiosos para repudiar a prática e a descriminalização do aborto. É cientificamente indiscutível que a vida começa com a concepção e que o aborto é um atentado contra a vida humana. 

 

         

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