Na íntegra

Frei Cantalamessa: 2ª pregação do Advento 2011 à Casa Pontifícia

A segunda grande onda evangelizadora após as invasões bárbaras

Nesta meditação, gostaria de falar da segunda grande onda de evangelização na história da Igreja, aquela que veio depois da queda do império romano e da mistura de povos que aconteceu com as invasões bárbaras. Nosso objetivo prático é ver o que podemos aprender para hoje. Diante da amplitude desse período histórico e da brevidade imposta por esta meditação, poderemos dar apenas algumas breves pinceladas.

1. Uma decisão de época

No fim oficial do império romano, em 476, a Europa já apresenta há tempos um rosto novo. No lugar do império único, temos reinos românico-bárbaros. Grosso modo, partindo do norte, a situação é esta: onde existiu a província romana da Bretanha, temos os anglos e os saxões; nas antigas províncias da Gália, os francos; a leste do Reno, os frísios e os alemães; na península ibérica, os visigodos; na Itália, os ostrogodos e depois os longobardos; no norte da África, os vândalos. E no Oriente ainda resiste o império bizantino.

A Igreja se vê diante de uma decisão de época: que postura adotar perante essa nova situação? Não foi rápido nem sem dilacerações que a Igreja chegou à determinação que a voltou para o futuro. Estava se repetindo, em certa medida, o que tinha acontecido no momento da separação do judaísmo para acolher os gentios na Igreja. A dissipação geral dos cristãos chegou ao clímax no saque de Roma, em 410, comandado pelo rei dos godos, Alarico. Pensava-se que tinha chegado a hora do fim do mundo, quando o mundo era identificado com o mundo romano, e o mundo romano com o cristianismo. São Jerônimo é a voz mais representativa dessa dissipação geral: “Quem teria acreditado que esta Roma, construída sobre vitórias que retumbaram pelo universo inteiro, haveria um dia de desabar?” (S. Jerônimo, Comentário a Ezequiel, III, 25, pref.).

Quem mais contribuiu, do ponto de vista intelectual, para rebocar a fé para o novo mundo foi Agostinho, com De civitate Dei. Na visão dele, que emoldura o começo de uma filosofia da história, é diferenciada a cidade de Deus da cidade terrena, identificada em alguns trechos, forçando um pouco o seu próprio pensamento, com a cidade do demônio. Por cidade terrena ele entende toda realização política, inclusive a de Roma. Portanto, não é nenhum fim do mundo, mas apenas o fim de um mundo.

Um papel determinante na abertura da fé para a nova realidade e na coordenação das iniciativas voltadas a ela foi desempenhado pelo pontífice romano, São Leão Magno. Ele tem uma consciência clara de que a Roma cristã sobreviverá à Roma pagã. Mais ainda: ela “presidirá o mundo, com a sua religião divina, mais amplamente do que teria presidido com a sua dominação terrena” (S. Leão Magno,Sermão 82).

Pouco a pouco, a postura dos cristãos quanto aos povos bárbaros muda. De seres inferiores, incapazes de civilidade, eles começam a ser considerados como possíveis futuros irmãos de fé. De ameaça permanente, o mundo bárbaro começa a ser visto pelos cristãos como um novo, vasto campo de missão. Paulo tinha proclamado abolidas, com Cristo, as distinções de raça, de religião, de cultura e de classe social, com as palavras “Não há mais grego nem judeu, circuncisão ou incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre, mas apenas Cristo, em tudo e em todos” (Col 3,11). Mas que dificuldade para traduzir esta revolução na realidade da história! E não só naquele tempo.

2. A reevangelização da Europa

No tocante aos povos bárbaros, a Igreja viu-se em meio a duas batalhas. A primeira foi contra a heresia ariana. Muitas tribos bárbaras, em especial os godos, antes de penetrarem no coração do império como conquistadores tinham tido contatos no Oriente com o cristianismo, e o haviam acolhido na versão ariana, então no auge, por causa da obra do bispo Ulfila (311-383), que traduzira a bíblia para o gótico e vivera em meio àqueles povos. Quando se estabeleceram nos territórios ocidentais, eles trouxeram consigo essa versão herética do cristianismo.

O arianismo não tinha, no entanto, uma organização unitária, nem uma cultura e uma teologia comparável com a católica. No século VI, um depois do outro, os reinos bárbaros abandonaram o arianismo para aderir à fé católica, graças ao trabalho de grandes bispos e escritores católicos, e, algumas vezes, de cálculos políticos. Um momento decisivo foi o concílio de Toledo, em 589, com Leandro de Sevilha, que marcou o fim do arianismo visigótico na Espanha e, na prática, no ocidente inteiro.

Mas a batalha contra o arianismo não era coisa nova. Tinha começado no distante ano de 325. A verdadeira nova empreitada realizada pela Igreja depois do ocaso do império romano foi a evangelização dos pagãos. Ela aconteceu em dois sentidos: ad intra e ad extra, por dizer assim, ou seja, tanto junto aos povos do antigo império quanto junto aos povos que tinham recém-entrado em cena. Nos territórios do império velho, Itália e províncias, a Igreja estava implantada até aquele momento quase só nas cidades. Ela precisava estender a sua presença para o interior, para os vilarejos. O termo “pagão” deriva, como se sabe, de “pagus”, vilarejo, e assumiu o significado que tem hoje do fato de que a evangelização do interior ocorreu em geral bem depois da evangelização urbana.

Seria interessante, certamente, seguirmos este filão da evangelização que levou ao nascimento e ao desenvolvimento do sistema das paróquias, como subdivisões da diocese, mas, dentro da meta que eu me dei para agora, preciso me limitar à outra direção que também foi seguida pela evangelização: a direção ad extra, destinada a levar o Evangelho para os povos bárbaros que tinham se firmado na Europa insular e central, isto é, nas atuais Inglaterra, Holanda, França e Alemanha.

Um momento decisivo nesta empreitada foi a conversão do rei merovíngio Clodoveu, que, na noite de Natal de 498, ou 499, se deixou batizar pelo bispo de Reims, São Remígio. Ele decidiu, com isso, de acordo com os costumes daquele tempo, não apenas o futuro religioso do povo franco, mas também o dos outros povos de cá e de lá do Reno, conquistados por ele. É célebre a frase do bispo Remígio no momento de batizar Clodoveu: “Mitis depone colla, Sigamber; adora quod incendisti, incende quod adorasti”. “Inclina humildemente a nuca, Sigambro altivo; adora o que tu queimavas, queima o que tu adoravas” (Gregório de Tours, Historia Francorum, II, 31). A este acontecimento é que a França deve o título de “filha primogênita da Igreja”.

A cristianização do continente foi levada em frente no século IX com a obra dos santos Cirilo e Metódio, que converteram os povos eslavos assentados na Europa oriental, nos territórios deixados para trás durante as ondas migratórias anteriores, que se deslocavam para o ocidente.

A evangelização dos bárbaros apresentava uma nova situação se comparada à do mundo greco-romano. Antes, o cristianismo tinha por diante um mundo culto, organizado, com regras, leis, línguas comuns; havia, enfim, uma cultura com a qual dialogar e com a qual confrontar-se. Agora, ele tem que cumprir ao mesmo tempo uma obra de civilização e de evangelização; tem que ensinar a ler e escrever, enquanto ensina a doutrina cristã. A inculturação se apresenta de um jeito inteiramente novo.

3. A epopeia monástica

A obra gigantesca que eu pincelei aqui foi realizada com a participação de todos os componentes da Igreja. Em primeiro lugar, o papa, a cuja iniciativa direta remonta a evangelização dos anglos, e que teve uma participação ativa na evangelização da Alemanha por obra de São Bonifácio e dos povos eslavos pelo trabalho de São Cirilo e São Metódio. Depois, os bispos, os párocos, que aos poucos foram formando comunidades locais estáveis. Um papel silencioso, mas decisivo, foi desempenhado por algumas mulheres. Por trás de algumas grandes conversões de reis bárbaros esteve o ascendente exercido pelas respectivas esposas: Santa Clotilde para Clodoveu, Santa Teodolinda para o rei longobardo Autari, a esposa católica do rei Edvino, que levou o cristianismo para o norte da Inglaterra.

Mas os verdadeiros protagonistas da reevangelização da Europa depois das invasões bárbaras foram os monges. No Ocidente, o monacato começado no século IV se difundiu rapidamente em duas épocas e em dois sentidos diferentes. A primeira onda partiu da Gália meridional e central, especialmente das ilhas Lérins (410) e da região de Auxerre (418), e, graças a São Patrício, formado naqueles dois centros, chegou até a Irlanda, onde fecundou a vida religiosa inteira da ilha. De lá, passou para a Escócia e para a Inglaterra num primeiro momento e, depois, voltou rumo ao continente.

A segunda onda, destinada a unificar as diversas formas de vida monástica ocidental, surge na Itália de São Bento (+547). Do século V ao VIII, a Europa se recobre literalmente de mosteiros, muitos deles de importância essencial na formação do continente, não apenas na fé, mas também na arte, na cultura e na agricultura. Não foi à toa que São Bento foi proclamado Padroeiro da Europa, e que o papa escolheu Subiaco, em 2005, para o seu discurso magistral sobre as raízes cristãs da Europa.

As grandes figuras dos monges evangelizadores pertencem quase todas à primeira das duas correntes que recordamos aqui, aquela que retorna ao continente via Irlanda e Inglaterra. Os nomes mais representativos são os de São Columbano e São Bonifácio. O primeiro, partindo de Luxeuil, evangelizou numerosas regiões do norte da Gália e as tribos germânicas meridionais, chegando até Bobbio, na Itália. O segundo, considerado o evangelizador da Alemanha, estendeu a partir de Fulda uma ação missionária que atingiu a Frísia, atual Holanda. O Santo Padre Bento XVI dedicou a ele uma das suas catequeses de quarta-feira, a de 11 de março de 2009, enfatizando a colaboração estreita com o Romano Pontífice e a ação civilizadora no seio dos povos que Bonifácio evangelizou.

Ao lermos suas vidas, temos a impressão de reviver a aventura missionária do apóstolo Paulo. A mesma ânsia de levar o evangelho a toda criatura, a mesma coragem de enfrentar toda sorte de perigos e reveses, e, para São Bonifácio e tantos outros, a mesma sorte final do martírio.

As lacunas dessa evangelização vasta são conhecidas. O próprio confronto com São Paulo põe as principais delas em destaque. O apóstolo, junto com a evangelização, procurava em todo lugar fundar uma igreja que assegurasse a sua continuidade e desenvolvimento. Era frequente, por carência de meios e pela dificuldade de locomoção dentro de uma sociedade ainda rudimentar, que aqueles pioneiros não conseguissem garantir um seguimento da própria obra.

Do programa indicado por São Remígio a Clodoveu, os povos bárbaros tendiam a pôr em prática só uma parte. Adoravam o que tinham queimado, mas não queimavam o que tinham adorado. Grande parte da bagagem idólatra e pagã permanecia presente e se mostrava na primeira oportunidade. Ocorria o que acontece com algumas estradas abertas na floresta: sem manutenção e com pouco tráfego, a selva as invade em pouco tempo. A obra mais duradoura desses grandes evangelizadores foi justamente a fundação de uma rede de mosteiros, e, com Agostinho na Inglaterra e São Bonifácio na Alemanha, a criação de dioceses e a celebração de sínodos que garantiam a continuação de uma evangelização mais estável e profunda.

4. Missão e contemplação

Agora vamos procurar encontrar alguma indicação para hoje nesse quadro histórico que traçamos. Notemos primeiro uma certa analogia entre a época que revisitamos e a situação atual. O movimento, naquele tempo, ia de Leste para Oeste, e agora é de Sul para Norte. A Igreja, com o seu magistério, também neste caso fez uma escolha de campo, que é de abertura para o que é novo e de acolhimento dos novos povos.

A diferença é que hoje não estão chegando à Europa povo pagãos ou hereges cristãos, mas povos que possuem uma religião bem constituída e consciente de si mesma. O fato novo é o diálogo que não se opõe à evangelização, mas determina o seu estilo. O beato João Paulo II, na encíclica Redemptoris Missio, sobre a validade perene do mandado missionário, se expressou com clareza a este respeito:

“O diálogo inter-religioso faz parte da missão evangelizadora da Igreja. Entendido como método e meio para um conhecimento e enriquecimento recíproco, ele não está em contraposição com a missão ad gentes; antes, tem com ela vínculos especiais e é dela uma expressão. À luz da economia da salvação, a Igreja não vê contraste entre o anúncio de Cristo e o diálogo inter-religioso. Ela sente, porém, a necessidade de compô-los no âmbito da sua missão ad gentes. É necessário que estes dois elementos mantenham seu vínculo íntimo, e, ao mesmo tempo, a sua distinção, pela qual não se confundem, não se instrumentalizam e não são julgados como equivalentes, como se fossem intercambiáveis” (João Paulo II, Redemptoris Missio, 55).

O que aconteceu na Europa depois das invasões bárbaras nos mostra, acima de tudo, a importância da vida contemplativa para a evangelização. O decreto conciliar Ad gentes, sobre a atividade missionária da Igreja, escreve:

“Merecem especial consideração as várias iniciativas destinadas a estabelecer a vida contemplativa. Alguns institutos, mantendo os elementos essenciais da instituição monástica, tendem a implantar a riquíssima tradição da própria ordem; outros procuram voltar à simplicidade das formas do monacato primitivo. Todos, porém, devem buscar uma real adaptação às condições locais. A vida contemplativa implica a presença eclesial na sua forma mais plena: por isso é preciso que ela seja constituída em toda parte nas jovens Igrejas” (L.G., 18).

Este convite a procurar novas formas de vida monástica para fins de evangelização, mesmo inspirando-se no monacato antigo, não ficou sem ser ouvido.

Uma das formas de realização desse auspício são as Fraternidades Monásticas de Jerusalém, conhecidas como “os monges e freiras de cidade”. Seu fundador, padre Pierre-Marie Delfieux, depois de dois anos no deserto do Saara em companhia somente da Eucaristia e da bíblia, entendeu que o verdadeiro deserto são hoje as grandes cidades secularizadas. Iniciadas em Paris na festa de Todos os Santos de 1975, essas fraternidades já estão presentes em várias grandes cidades da Europa, inclusive Roma, onde assumiram a igreja de Trinità dei Monti. O carisma deles é evangelizar através da beleza da arte e da liturgia. Seu hábito é monástico, seu estilo de vida é simples e austero, há o vínculo entre trabalho e oração; mas é nova a sua colocação no centro das cidades, geralmente em igrejas antigas de grande reclame artístico, a colaboração entre monges e freiras no âmbito litúrgico, sem deixar de haver uma total independência recíproca em habitação e autoridade. Não foram poucas as conversões de pessoas distantes, nem as voltas de cristãos “de nome” para a fé praticada, graças a esses locais.

De outro gênero, mas também participando nessa nova florada de formas monásticas, é o mosteiro de Bose, na Itália. No ecumenismo, o mosteiro de Taizé, na França, é um exemplo de vida contemplativa diretamente comprometida com a evangelização.

Em 1º de novembro de 1982, em Ávila, acolhendo uma vasta representação da vida contemplativa feminina, João Paulo II prospectou até mesmo para a vida de clausula das freiras a possibilidade de um envolvimento mais direto na obra da evangelização.

“Seus conventos”, disse ele, “são comunidades de oração em meio às comunidades cristãs, às quais vocês dão ajuda, alimento e esperança. São lugares consagrados e poderão ser ainda centros de acolhimento cristão para aquelas pessoas, particularmente os jovens, que tantas vezes estão em busca de uma vida simples e transparente, em contraste com a vida que é oferecida a eles pela sociedade do consumo”.

O apelo não passou em branco e está se traduzindo em iniciativas originais de vida contemplativa feminina aberta à evangelização. Uma delas se tornou conhecida no recente congresso promovido aqui no Vaticano pelo Pontifício Conselho para a Nova Evangelização. Essas formas novas não substituem as realidades monásticas tradicionais, muitas das quais também são centros de irradiação espiritual e de evangelização, mas se juntam a elas e as enriquecem.

Não basta que na Igreja exista quem se dedica à contemplação e quem à missão. Precisamos que a síntese entre as duas coisas aconteça na vida de cada missionário. Não basta, em outras palavras, a oração “pelos” missionários: precisamos da oração “dos” missionários. Os grandes monges que reevangelizaram a Europa depois das invasões bárbaras eram homens saídos do silêncio da contemplação e que voltavam a ela tão logo as circunstâncias permitiam. Mais ainda: no coração, eles nunca saíam do mosteiro. Colocavam em prática, por antecipação, o conselho que Francisco de Assis daria aos seus frades quando os enviasse às estradas do mundo: “Nós temos uma ermida sempre conosco, onde quer que estejamos, e, toda vez que quisermos, podemos voltar para dentro dela, como eremitas. O irmão corpo é a ermida e a alma é o eremita que a habita para falar com Deus e meditar” (Legenda Perugina, 80 – FF, 1636).

Temos disso um exemplo de muito mais autoridade. A jornada de Jesus era um entrecruzar-se admirável de oração e pregação. Ele não rezava apenas antes de pregar, mas rezava para saber o que pregar, para buscar na oração o que anunciar ao mundo. “O que digo, é como o Pai o disse a mim” (Jo 12,50). Era dali que surgia em Jesus a “autoridade” que tanto impressionava em seu falar.

O esforço por uma nova evangelização está exposto a dois perigos. Um deles é a inércia, a preguiça, o não fazer nada e deixar que os outros façam tudo. E o outro é se lançar num ativismo humano febril e vazio, com o resultado de perder pouco a pouco o contato com a fonte da palavra e da sua eficácia. Mas como ficar tranquilos pregando enquanto tantas exigências reclamam a nossa presença? Como não correr enquanto a casa está pegando fogo? Imaginemos o que aconteceria com um corpo de bombeiros que corresse para apagar um incêndio e, quando chegasse ao local, percebesse que não trouxe nos reservatórios nenhuma gota d’água. Somos nós, quando corremos para pregar sem rezar.

A oração é essencial para a evangelização porque “a pregação cristã não é primariamente comunicação de doutrina, mas de existência”. Faz mais evangelização quem reza sem falar do que quem fala sem rezar.

5. Maria, estrela da evangelização

Terminemos com um pensamento sugerido pelo tempo litúrgico que estamos vivendo e pela solenidade da Imaculada Conceição. Uma vez, num diálogo ecumênico, um irmão protestante me perguntou, sem polêmicas, apenas para entender: “Por que vocês, católicos, dizem que Maria é a estrela da evangelização? O que ela fez para justificar esse título?”. Para mim, foi a ocasião de refletir, e eu não demorei a encontrar a razão profunda. Maria é a estrela da evangelização porque ela trouxe a Palavra não para este ou para aquele povo, mas para o mundo inteiro!

E não só por isso. Ela carregou a Palavra no ventre, não na boca. Estava cheia, fisicamente inclusive, de Cristo, e o irradiava com sua simples presença. Jesus lhe saía dos olhos, do rosto, de toda a pessoa. Quando nos perfumamos, não precisamos avisar. Basta estar perto. Maria, especialmente no tempo em que trazia Jesus no ventre, estava cheia do perfume de Cristo.

Podemos dizer que Maria foi a primeira consagrada de clausura da Igreja. Depois do Pentecostes, ela como que entrou em clausura. Através das cartas dos apóstolos, conhecemos inúmeras personagens, entre elas tantas mulheres, da primitiva comunidade cristã. E achamos menção a uma certa Maria (cf. Rom 16,6), mas não é ela. De Maria, a Mãe de Jesus, nada. Ela desaparece no mais profundo silêncio. Mas o que significou para João tê-la ao lado enquanto escrevia o Evangelho e o que pode significar para nós tê-la ao lado enquanto proclamamos o mesmo Evangelho! “Primícias dos Evangelhos”, escreve Orígenes, “é o de João, cujo sentido profundo não se pode perceber sem se ter apoiado a cabeça no peito de Jesus nem se ter recebido dele Maria como própria mãe” (Orígenes, Comentário a João, I, 6,23).

Maria inaugurou na Igreja uma segunda alma, ou vocação, que é a alma escondida e orante, junto com a alma apostólica ou ativa. É o que exprime com louvor o ícone tradicional da Ascensão, da qual temos no lado direito desta capela uma representação. Maria está em pé, com os braços abertos em espera orante. Em torno dela, os apóstolos, todos com um pé ou mão elevada, em movimento, representando a Igreja ativa, que está em missão, que fala e age. Maria está imóvel abaixo de Jesus, no ponto exato de onde ele ascendeu, quase como mantendo viva a memória dele e a espera pelo seu retorno.

Encerremos ouvindo as palavras finais da Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, que pela primeira vez nos documentos pontifícios chama Maria de estrela da evangelização:

“Na manhã de Pentecostes, Ela presidiu com a oração o início da evangelização sob a ação do Espírito Santo. Seja ela a estrela da evangelização sempre renovada que a Igreja, dócil ao mandado do Senhor, deve promover e cumprir, particularmente nestes tempos difíceis, mas cheios de esperança!”.

 

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