"A falta de segurança preocupa a todos e, por isso, preocupa a Igreja também", assim Dom Pedro Luiz Stringhini, Bispo Auxiliar de São Paulo e presidente da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB, explicou porque a CNBB escolheu o tema da Segurança Pública para a Campanha da Fraternidade deste ano.
Em entrevista à Canção Nova, Dom Pedro esclarece que estas Campanhas são ocasião de diálogo entre a Igreja e toda sociedade, e destaca que elas não param somente na reflexão, mas produzem frutos concretos.
noticias.cancaonova.com – Por que a CNBB escolheu o tema "Fraternidade e Segurança Pública"?
Dom Pedro Luiz Stringhini – A CNBB promove a Campanha da Fraternidade desde de 1964. Portanto, já estamos na 46ª CF e em 46 vezes podemos imaginar quantos temas já não apareceram. No início, eram temas relacionados à vida da Igreja, como o ser cristão, a participação comunitária e, depois, vieram os temas da Justiça Social, em relação à missão da Igreja junto aos pobres. Após, outros temas existenciais começaram a entrar, como a questão do negro, do indígena, do menor, da criança, do idoso. Sobre o meio ambiente foram 3 campanhas. Sobre o trabalho também em tanta vezes e, agora, chegamos neste tema da Segurança Pública. É sempre uma urgência da vida da sociedade. A Igreja olhando a vida e sofrimento do povo, não resta dúvida de que, nos dias de hoje, a falta de segurança preocupa a todos e, por isso, preocupa a Igreja também.
noticias.cancaonova.com – E quais são as metas de trabalho durante a Campanha?
Dom Pedro Luiz Stringhini – A grande meta é conseguirmos construir, a partir do nosso coração, pois é tempo de Quaresma, tempo de conversão, uma cultura de paz. E para se construir esta cultura é necessário que cada ser humano tenha esse desejo no coração. Se cada um pensar "ah, o mundo não tem jeito; o mundo está muito violento, cada um que se cuide; cada um por si e Deus por todos", isto não vai representar uma cultura de paz. Um outro exemplo foi quando a população votou no referendo a favor das armas. A população preferiu ter as armas. E olha o resultado. Isto foi um erro e não é uma cultura de paz. Uma população cristã como é a do Brasil como pôde votar pelas armas? Então, repito, o resultado está aí. O objetivo, portanto da CF, é criar uma cultura de paz, de solidariedade, relacionamentos. Não é de forma isolada, construindo muros em suas casas, colocando cercas elétricas. É claro que precisamos desses instrumentos, não podemos deixar mais as portas abertas, mas uma cultura de paz se constrói quando nos conhecemos melhor, criamos laços de amizade, e aí está a Igreja e suas comunidades para colaborar nesta empreitada.
noticias.cancaonova.com – Este tema envolve a questão da Segurança Pública pelo governo. Como isto será trabalhado?
Dom Pedro Luiz Stringhini – Todos os temas da CF envolvem o Poder Público. E a campanha é um grande espaço de diálogo entre a Igreja e toda sociedade, incluindo o governo. Quando se fala, por exemplo, de meio ambiente, é claro que envolve os cuidados dos governos para com o meio ambiente. Quando se fala do idoso, se fala de como a sociedade está cuidando da pessoa idosa. E assim com o tema da segurança. É um grande momento para refletirmos, começando por nós mesmo, mudando nossos corações, refletir dentro da Igreja, mas também com o Poder Público. E o Poder Público e a sociedade esperam todo ano o momento da CF. E essas discussões são feitas, normalmente, na Assembléia Legislativa dos estados, nas Câmaras Municipais. Deveríamos levar as temáticas para as escolas. Hoje se fala que não é permitido levar religião para as escolas, mas cidadania sim, com temas que envolvam a vida do povo brasileiro, o direito dos pobres, da juventude. O tema deste ano, inclusive, é um tema que afeta diretamente a juventude. Por isso que na capa do livro da CF, há a imagem de um jovem que está lendo. Ele não está dançando, praticando esportes, o que não é mal, contudo é um jovem que está refletindo, buscando conhecimento e cultura. Por isso, é uma tema propício para ser levado às escolas e demais forças sociais, em parceria com os órgãos municipais, estaduais e federais.
noticias.cancaonova.com – Os projetos não governamentais, como associações de bairro e programas de ação contra a violência, podem ganhar força a partir da CF?
Dom Pedro Luiz Stringhini – Podem, na medida que que a CF não é apenas um momento de reflexão, porém há um resultado. Os estatutos da Criança e do Adolescente e do Idoso, certas diligências a favor dos indígenas, o abaixo-assinado que contribuiu para a criação da Lei 9840 contra a corrupção eleitoral, e muitos outros instrumentos que a sociedade possui foram em decorrência das Campanhas da Fraternidade. São exemplos de que a CF são momentos de oração, reflexão na Igreja e fora dela, e depois reverte em algum benefício prático. Há também, graças à CF, um bom diálogo com o órgão de segurança do Ministério da Justiça, o PRONASCI, e já houve um profundo momento de reflexão junto a esse órgão, quando se percebeu que os objetivos da CF e Ministério da Justiça convergiam. Neste ano, a CF teve uma grande participação da Pastoral Carcerária, pois quando se fala de segurança, se fala de superação da violência; quando se fala em violência se pensa no mundo prisional, na quantidade imensa de presos que existe no Brasil, no sistema carcerário que comporta mais de 400 mil presos. O estado de São Paulo, por exemplo, é campeão com cerca de 150 mil presos. Deve-se pensar também nas condições em que esses presos vivem e na ausência nos meios de comunicação de uma reflexão sobre o sistema carcerário, que não é racional em nosso país. Em fim, a CF não é só um momento de reflexão, mas um momento que leva a ações práticas, a resultados para a vida da nação.
noticias.cancaonova.com – Quais são os aspectos da violência que não são muito falados na sociedade, mas que a CF irá abordar?
Dom Pedro Luiz Stringhini – É bom lembrar, antes de tudo, que falar sobre a violência ou situações difíceis não é para deprimir a sociedade, mas sobretudo para trazer esperança. Nós, como cristãos sempre temos a esperança que podemos vencer toda sorte de violência e construir a segurança que vem de Deus e se cria na fraternidade. Esta é a mensagem de Jesus: Ele sofreu violência para vencer a violência do mundo, para tirar o pecado do mundo. E essa pergunta que você faz é muito interessante, pois os meios de comunicação mostram, sobretudo, essa violência deplorável, refutada e corriqueira, aquela em que o ladrão pega a arma e mata a pessoa inocente. Isso nós sabemos e repudiamos. Mas há de fato outras violências que não são faladas e nem sempre são repudiadas. A violência doméstica, que é silenciosa e, muitas vezes, não é vista, contra crianças, sobretudo, abusos de toda sorte. É uma violência a qual devemos estar atentos e superar.
Um outro exemplo, é a violência contra os marginais. Muitos pensam que marginal deve ser maltratado. E não o deve ser. Ele deve antes ser impedido de cometer a deliquencia, não tornar a nós deliquentes também, porque eles maltratam, nós o maltratamos. E ficamos nessa vingança, "olho por olho, dente por dente". Desejo de vingança não cria cultura de paz, então esta é uma violência que deve ser denunciada. Essa violência que a gente aceita e gosta que exista. "Gente ruim tem que ser maltratada" ou "Quem fez o mal tem que receber o mal": isto não é ser cristão. Há ainda aquela violência institucional: a corrupção, impunidade, violência policial, dinheiro público desviado – para construir castelos, por exemplo, com dinheiro que deveria ir para a saúde e não vai, ou para educação ou para construção de casas populares. Essa é uma grande violência e grande causa de violência. Esta violência institucionalizada que vem daqueles que deveriam favorecer a paz e a justiça, mas causam a injustiça, e injustiça sempre causa mais violência. Até porque a paz é fruto da justiça.
:. Dom Dimas prega sobre Campanha da Fraternidade em Kairós na Canção Nova, neste domingo
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