Artigo Frei Moser

Bebê de proveta: jogo de cartas marcadas

Uma vez mais a questão dos bebês de proveta vem à tona. Ao menos duas razões colocaram a questão em evidência. A primeira tem sua origem em denúncias de assédio sexual feitas contra um conhecido ginecologista. A segunda tem como pano de fundo os crescentes progressos no que se refere à transmissão da vida em laboratório.

 

Os procedimentos técnicos, sempre mais seguros, vão abrindo um leque de possibilidades, seja numa linha de evitar anomalias de cunho genético, seja na linha de aprimorar a espécie humana. Ainda que à primeira vista sejam dois prismas diferentes, na realidade vêm sempre conjugados.

Tanto as preocupações com as anomalias genéticas, quanto as preocupações com o aprimoramento das espécies não se constituem em novidade. O avanço da biogenética e das biotecnologias foram, porém, tornando estas preocupações sempre mais insistentes: uma vez que já existem condições de diagnósticos e de interferência nestes níveis, por que não avançar de modo mais decisivo para o bem da humanidade?

No que se refere aos diagnósticos, sempre mais seguros, eles podem ser efetuados seja a partir do material genético dos pais, seja a partir do material genético que está estruturando uma nova vida. A novidade neste último caso consiste na possibilidade de um diagnóstico sempre mais prematuro: seja na fase embrionária, seja na fase na qual o embrião já se transformou em feto. O mapa genético desde a fase embrionária já ultrapassou a linha das fantasias, para se colocar na linha das possibilidades reais. Com isto já se desvela não apenas como este embrião ou feto está se estruturando, mas até o como irá se desenvolver.

Em linha de princípio, observados os conhecidos princípios éticos, os diagnósticos em si mesmos, como o denominado "aconselhamento genético", carregam consigo boas expectativas, no sentido de permitirem uma intervenção terapêutica bem antes do nascimento. E ninguém vai se opor aos esforços para reduzir ao máximo os riscos de doenças de cunho genético, como ninguém vai se opor aos esforços para um aprimoramento humano.

E no entanto, sejam os aconselhamentos genéticos, sejam os diagnósticos de eventuais anomalias genéticas, também carregam consigo profundas interrogações de cunho ético, sobre os desdobramentos posteriores. Nem é preciso dizer que tais procedimentos abrem caminho para a "recomendação" de um aborto denominado terapêutico.

Mas os progressos da biogenética avançam também em outra direção: a da escolha do filho ou da filha "à la carte". Concretamente já é possível fazer a escolha prévia do sexo e a cada dia que passa vão se tornando viáveis as escolhas referentes a outras características secundárias. E é nesta direção que mora o perigo: se a eugenia, ou seja, um mundo onde só haja lugar para seres considerados perfeitos, já é uma antiga tentação, agora ela se torna uma espécie de obrigação.

A pressão mais ou menos inconsciente, mas habilmente conduzida na linha da eugenia é de tal ordem, que casais que ainda se sujeitam a ter filhos "como antigamente" são vistos no mínimo como irresponsáveis. A transmissão da vida em laboratório, com a seleção prévia dos óvulos, espermatozóides, embriões, na busca de certas características tornou-se uma espécie de imperativo ético de primeira grandeza. Como chama a atenção o título de uma reportagem recente, já não nos encontramos na era dos filhos e filhas do acaso, mas estamos nos confrontando com "os eleitos pela genética" (Revista Isto é, 21 janeiro 2009, 68s).

Claro que nenhuma pessoa sensata vai deixar de buscar nos laboratórios subsídios, seja para evitar eventuais anomalias, seja para garantir um desenvolvimento saudável desde o ponto de partida. O problema não está nem nos laboratórios, nem nos testes em si mesmos. O problema está no nível da intencionalidade prévia e no nível das ações subseqüentes. De qualquer forma não há como não perceber que já não nos encontramos apenas diante de grandes interrogações éticas, o que seria positivo. Cada vez mais nos encontramos diante de uma determinação férrea de obrigar a todos a se submeterem cegamente à tecnocracia, sem levar em conta qualquer outro tipo de valores. O que assusta é a crescente mecanização da vida.

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