Em todos os meios de comunicação, as últimas semanas foram marcadas pela expressão "crise sem precedentes", ou por outras semelhantes. Claro que se trata da crise financeira que assustou, e continua assustando, não só os norte-americanos, mas literalmente o mundo inteiro. Ainda que algumas nações talvez não tenham se apercebido da profundidade da crise, com certeza nenhuma deixará de sentir, com maior ou menor intensidade, suas consequências.
As análises e os diagnósticos são os mais contraditórios. No fundo isso revela que ninguém está entendendo bem o que está ocorrendo, e por isso mesmo ninguém consegue entrever por onde se encontra a saída. Em assim sendo não adianta insistir nem nos diagnósticos nem nos prognósticos. A única coisa que parece estranha em todas as análises é o silêncio quase absoluto sobre os trilhões gastos pelos norteamericanos em guerras absurdas, como se isto nada tivesse a ver com a crise financeira.
Pressupondo o que já foi analisado sob os mais diversos ângulos, parece que se pode dar um passo adiante no sentido de entrever aspectos positivos de uma crise como esta. Todos sabemos que a própria palavra "crise" está ligada a purificação. Ou seja, sempre podem ser tiradas algumas lições.
Entre as muitas lições possíveis emerge como primeira a volatilidade não apenas do "mercado", hoje mais virtual do que real, como também a fragilidade de qualquer instituição humana. Ninguém pode esquecer o trecho do Evangelho de Mateus ( 6,19-23 ), que alerta para o risco de investir em tesouros que poderão ser devorados pela ferrugem e pelas traças, quando não são levados pelos ladrões. Convém ter presente ainda aquela outra passagem que se refere à pouca inteligência dos que constroem sua casa sobre a areia ( Mt 7, 26).
Curiosas neste contexto, duas frases pronunciadas pelo presidente do Banco Mundial (Bird), Robert B. Zoellick: "Essa é uma catástrofe construída pelo homem. Portanto, as ações e respostas para superá-la estão em nossas mãos".
Se a responsabilidade é nossa, então só nos resta tomar medidas adequadas. E essas passam, naturalmente, não mais por ações isoladas de nações isoladas, mas por ações globais, no sentido mais exato da palavra. Ademais, a profundidade da crise mostra que não bastam remendos; o que está em jogo é toda uma concepção de vida, uma concepção de economia, uma concepção de política. Ou seja, agora, mais do que nunca, impõe-se uma revisão profunda sobre nossa maneira de ser e de viver neste mundo.
Felizmente, até que enfim uma crise verdadeira conseguiu o que até agora não passava de um sonho um tanto longínquo: se todos estamos no mesmo barco, todos temos que juntar nossas inteligências para enfrentar esta "crise sem precedentes". Felizmente, ela está se apresentando como uma "oportunidade sem precedentes" para uma nova tomada de consciência sobre a nossa condição humana na terra: ou juntamos nossas forças, ou todos seremos engolidos pelo dilúvio que não poupa ninguém.